Topo
Entretenimento

Como 'Manas' filmou cenas de abuso infantil com protagonista de 13 anos

Cena de "Manas", filme de Marianna Brennand - Divulgação
Cena de 'Manas', filme de Marianna Brennand Imagem: Divulgação
do UOL

De Splash, em São Paulo

16/05/2025 05h30

O filme "Manas", em cartaz nos cinemas, criou um protocolo para filmar cenas de violência sexual de forma a proteger a atriz mirim Jamilli Correa, então com 13 anos. O longa também optou por uma abordagem simbólica para retratar a violência contra crianças na região do Marajó, no Pará.

A diretora Mariana Brennand contou que a atriz só compreendeu plenamente sua personagem ao assistir ao filme finalizado. "O elenco infantil não leu o roteiro. Dirigi a Jamilli por meio de simbolismos —dizendo 'essa é a cena da caçada', nunca mencionando abuso explicitamente", revelou ela em conversa com Splash.

A produção implementou um rigoroso protocolo de proteção à atriz mirim. Todas as cenas de violência sexual foram tratadas de forma implícita, sem qualquer representação gráfica. O processo criativo incluiu preparação lúdica com brincadeiras e vivências, mantendo um ambiente leve. Os pais foram plenamente informados sobre a temática, mas o roteiro completo foi restrito aos adultos do time.

Um dos personagens que protagonizam esses momentos é Marcílio, pai de Marcielle, a protagonista, vivido por Rômulo Braga. Ele conta que foi feito um acordo entre os adultos de que nenhuma cena forte de violência seria ensaiada. "Queríamos conquistar a confiança das crianças primeiro. No dia de gravar a cena que o pai agride a filha, testamos gradualmente —primeiro segurando levemente o braço dela, depois aumentando a intensidade, sempre perguntando se estava tudo bem".

Para o ator, foi um desafio construir o personagem de um pai abusador. "Ele se apresenta como aquele pai solar, com quem você simpatiza —porque é exatamente assim que acontece na vida real. O abuso vem de quem você mais confia".

Precisamos falar sobre essas dinâmicas familiares doentias que normalizam a troca de afeto por objetos, como balinhas por beijos. Isso é o início do ciclo do abuso.
Rômulo Braga

A atriz Jamilli Correa, hoje com 16 anos, também contou como foi sua experiência. "Eu levei tudo como se fosse uma brincadeira. Só fui entender completamente a história quando vi o filme pronto e perguntei sobre a cena do abuso."

Outro cuidado foi não revelar à jovem atriz que ela era a protagonista absoluta da história. "Ela não sabia que era a protagonista absoluta. Isso trouxe leveza —uma criança de 13 anos não deveria carregar esse peso", explicou Mariana Brennand.

Questão política

A diretora mergulhou em quatro anos de pesquisas, acompanhando de perto o trabalho da Irmã Marie Henriqueta e do delegado Rodrigo Amorim na região do Marajó. Os dois são peças-chave no combate à exploração de menores.

O filme traz uma crítica contundente ao uso político de fake news sobre exploração infantil na área. "Violência contra mulheres deve ser debatida na política, mas não pode ser partidária", alerta Brennand, destacando a importância de abordar o tema com responsabilidade.

Em 2022, a então Ministra de Direitos Humanos no governo Jair Bolsonaro (PL), Damares Alves (Republicanos-DF) citou um suposto esquema de exploração sexual de meninas para justificar ações no arquipélago do Marajó. "Há cerca de 20 anos me deparei com as primeiras denúncias de tráfico e exploração de crianças no Marajó, que se tornaram recorrentes desde então", escreveu a então ministra no documento oficial do programa Abrace o Marajó, lançado em 2020 e revogado em 2023.

Damares afirmou, sem provas, que no Marajó as meninas seriam sexualmente exploradas porque não usam calcinhas, seriam sequestradas e teriam os dentes arrancados "para elas não morderem na hora do sexo oral". Segundo matéria exclusiva do UOL Prime, Damares Alves usou fake news para beneficiar igrejas evangélicas no Marajó.

Transformação

Para Jamilli, a experiência foi transformadora. "Foi muito libertador, especialmente no final. Minha personagem consegue se livrar dos abusos e voltar a ser criança". A diretora finalizou com um apelo: "Espero que todas as vítimas se sintam representadas e acolhidas por essa história. E que cada espectador se reconheça nessa reflexão sobre nossa sociedade".

"Quero que as mulheres saiam do cinema encorajadas a quebrar silêncios", finaliza a diretora. Com 20 prêmios em festivais internacionais conquistados antes mesmo de sua estreia nacional, "Manas" já está em cartaz nos cinemas.

Entretenimento