
Não, isso aqui não é concurso e nem uma disputa de verdade. E não precisamos toda vez escolher o melhor de dois. Não precisa, é fato, mas também é fato que a gente sempre acaba querendo fazer comparações, cabidas ou não.
Estou falando do show de Lady Gaga na praia de Copacabana. Só falo agora porque a semana foi atropelada por um acontecimento avassalador que quase não nos permitiu pensar ou falar em outro tema: a fumaça branca na chaminé do Vaticano e a escolha do papa Leão 14. Não vamos falar disso aqui mas temos que levar em conta o quanto isso ocupou corações e mentes na última semana. Essa mesma energia concentrada que sentimos ao ver na TV aquela imensidão de gente na praça do Vaticano foi a que eu sentia —parecida, não igual— assistindo ao show de Lady Gaga na televisão.
Por favor, peço licença para fazer esse comentário sem querer suscitar qualquer discussão ou mal-entendido. Não quero comparar a religião, religiosidade ou fé com um show pop dessa envergadura. Mas posso comparar, sim, a emoção e a energia sentida assim que Lady Gaga surgiu naquele palco imenso nas areias de Copacabana. Sim, o palco era muito maior que o de Madonna, que também havia feito um show semelhante no ano passado no mesmo local. Claro, uma é uma, a outra é a outra, e as duas são das maiores do pop mundial e arrebatam multidões por onde vão.
Não sou muito fã de Lady Gaga, aliás, não era? Não conhecia bem nenhuma música dela e aquela do Oscar, com Bradley Cooper, eu achava muito muito chata. Gostei dela com Bruno Mars, mas isso porque eu gosto demais dele.
Mas desde o primeiro minuto que eu a vi entrando no palco, fui percebendo uma mulher aberta, disposta, afetiva. Percebi também que seu corpo não era perfeito —nos closes, enquanto ela dançava— e isso me fez gostar ainda mais: nada daqueles músculos trabalhados exaustivamente dia e noite, marca registrada de Madonna. Ela também não tinha um guarda-roupa tão sofisticado, assinado por grifes emblemáticas. Talvez justamente por causa desses detalhes achei tudo mais humano, mais real, menos plastificado. Me senti tocada, acessada, até mesmo eu que nem gostava dela. E mais: pela TV.
Sempre fui megafã de Madonna, da sua irreverência, da sua ousadia, da sua elegância e bom gosto ao se vestir. Mas confesso que tantos procedimentos estéticos na sua cara e a falta de uma gordurinha mínima pelo corpo transformaram ela numa espécie de robô, uma coisa muito automatizada, em busca da perfeição, inacessível. Mas onde fica aí o coração? Onde fica aquele lugar, aquela ponte imaginária que une o ídolo a seu fã, aquele ponto energético sensível e difícil de ser acionado?
Madonna abriu caminhos, rompeu amarras, deu um chute na porta e entrou com tudo. Palmas para ela, ela realmente merece. Lady Gaga chegou com menos ganância, menos personalidade marcante, sem exatamente uma marca registrada. Foi em busca do mesmo público LGBTQIA + e recebeu de volta o mesmo afago e devoção. As megaproduções na verdade sempre se parecem umas com as outras e os grandes shows acabam proporcionando o mesmo tipo de entretenimento.
Mas acarinhar o público, conversar de verdade com ele, abrir caminhos para ele passar e se sentir verdadeiramente acolhido, isso é coisa de Gaga. Madonna chuta mais lata, fala palavrões, convoca ícones locais para tentar falar a mesma língua e ser mais aceita. Gaga vai pelo coração, pela verdade, pelo sentimento.
Conversei com muita gente nesses dias sobre o show e a sensação foi essa mesma: uma estrela de verdade, tipo sincerona, demonstrando o que sentia naquele momento e o quanto aquelas pessoas na multidão eram importantes para ela. Apesar dos tempos das meias verdades, das fake news e da inteligência artificial, tudo leva a crer que aquela conversa verdadeira, de coração pra coração, ainda funciona. Mesmo que junto disso a ideia seja faturar muitos milhões de dólares?
Ah, a título de curiosidade: no dia do famoso show de Lady Gaga nas areias de Copacabana, Madonna fez vários posts em sua rede social falando de seu próprio show apoteótico um ano atrás em Copacabana. Garras à vista.