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Diretora do novo 'Emmanuelle' rejeita original: 'Não verei cena de estupro'

"Emmanuelle" ganha sessões nos cinemas brasileiros - MANUEL MOUTIER/ Divulgação
'Emmanuelle' ganha sessões nos cinemas brasileiros Imagem: MANUEL MOUTIER/ Divulgação
do UOL

De Splash, em São Paulo

25/04/2025 05h30

"Emmanuelle" é um dos clássicos dos filmes eróticos. Lançado em 1974, hoje ele tem um tom bastante ultrapassado. Dirigido pelo francês Just Jaeckin e estrelado pela atriz holandesa Sylvia Kristel, o longa —baseado em um romance homônimo de 1967— acompanha a esposa de um diplomata francês, de 19 anos, em uma visita à Tailândia.

A protagonista se envolve em relações sexuais com homens e mulheres em vários locais, incluindo um avião. No entanto, nem todas as suas experiências são consensuais: ela é estuprada em um antro de ópio, e logo depois tem relações sexuais com um homem que a "ganhou" em uma luta.

Agora, em 2025, o filme ganha uma nova versão, dessa vez pelas mãos de Audrey Diwan, premiada com o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 2021 pelo filme "O Acontecimento". O longa é sobre a jornada de uma jovem para conseguir um aborto na França em 1963, quando o procedimento ainda era ilegal no país —algo que só mudou em 1975.

"Emmanuelle" de Diwan chega aos cinemas brasileiros na primeira edição do Festival de Cinema Europeu Imovision, que começou nesta quinta-feira com sessões espalhadas pelo país até o dia 30 deste mês.

Em entrevista a Splash, a diretora francesa rejeita a ideia de que seu filme é uma simples releitura do filme original. "Não é um reboot —ou, se for, é um reboot acidental", brinca. À reportagem, ela revela que nem mesmo assistiu ao filme de 1974 em sua totalidade. "Só vi os primeiros 10 minutos. Aí senti que não era o público. Fiquei entediada, desliguei a TV."

Pôster de 'Emmanuelle', remake do clássico erótico - Divulgação - Divulgação
Pôster de 'Emmanuelle', remake do clássico erótico
Imagem: Divulgação

Não sei quase nada sobre o filme, e o que sei, me parece muito problemática e um motivo para não ir até o final: há uma cena de estupro considerada emocionante. Não verei cena de estupro, realmente, não é para mim.
Audrey Diwan, a Splash

Na versão da diretora, a narrativa questiona as narrativas tradicionais sobre sexualidade, especialmente as que reduzem a mulher a um objeto de desejo masculino. Para ela, "Emmanuelle" é um convite à honestidade. "Quero que as pessoas saiam do cinema pensando: o que é prazer, afinal? E quem decide como ele deve ser vivido?"

Audrey Diwan, premiada por 'O Acontecimento', comanda 'Emmanuelle' - MANUEL MOUTIER/ Divulgação - MANUEL MOUTIER/ Divulgação
Audrey Diwan, premiada por 'O Acontecimento', comanda 'Emmanuelle'
Imagem: MANUEL MOUTIER/ Divulgação

Audrey Diwan transforma o filme em um manifesto sobre autonomia, frustração e a busca por uma representação verdadeira do desejo feminino —um filme que, como ela diz, "não tem medo de incomodar ou frustrar."

Se há algo que aprendi, é que a sexualidade é ainda mais complexa que o humor. Todo mundo ri por motivos diferentes, mas o prazer é uma linguagem ainda mais íntima e subjetiva.

Frustração

Quando Audrey Diwan decidiu dirigir "Emmanuelle", sabia que estava abraçando um caminho complicado. "Todo mundo me disse, olhando para a sexualidade hoje, que seria uma jornada difícil", revela a cineasta. Apesar das ressalvas, Diwan estava determinada a explorar a figura de Emmanuelle de forma contemporânea, mesmo ciente de que sua visão não agradaria a todos.

Ela vê como vantagem as controvérsias que o título pode gerar, ao serem elas que levam à discussão. "A sexualidade feminina precisa ser debatida hoje, e é quase divertido usar um personagem como Emmanuelle para falar de algo real, algo que todos possamos refletir." Para ela, a reação dividida do público —entre os que se incomodam e os que celebram —é um sinal de que a arte está cumprindo seu papel. "Esse nível de sinceridade é o que se espera dos artistas."

Will Sharpe e Noémie Merlant em cena de 'Emmanuelle' - MANUEL MOUTIER/ Divulgação - MANUEL MOUTIER/ Divulgação
Will Sharpe e Noémie Merlant em cena de 'Emmanuelle'
Imagem: MANUEL MOUTIER/ Divulgação

A produção joga com a frustração do espectador ao acompanhar uma protagonista que não sente prazer. "Todos querem compartilhar o prazer com ela, e eu precisava lidar com essa expectativa", diz Diwan.

A solução veio ao contrastar o ambiente opressivo do hotel de luxo onde Emmanuelle está confinada com a vitalidade de Hong Kong. "O hotel é um lugar sem tempo, onde tudo é artificial —as flores são recolocadas no mesmo lugar, a música é sempre a mesma", descreve.

Já a cidade, com seus cheiros, luzes de néon e umidade, é pura sensualidade. "Filmamos em Hong Kong, e era impossível não a senti-la com todos os sentidos. O hotel, por outro lado, é uma prisão dourada." A equipe morou no local durante as filmagens, o que, segundo Diwan, fez todos se sentirem tão presos quanto a personagem.

Noémie Merlant interpreta Emmanuelle na nova produção - Divulgação - Divulgação
Noémie Merlant interpreta Emmanuelle na nova produção
Imagem: Divulgação

O orgasmo na ficção

Diwan não esconde sua frustração com como o prazer feminino costuma ser retratado no cinema. "Por muito tempo, o orgasmo na ficção servia somente para mostrar que o homem 'fez seu trabalho'", crítica. "Era um sinal de conquista masculina, não uma expressão autêntica do desejo da mulher." Essa dinâmica, segundo ela, explica por que tantas mulheres fingem prazer —um tema central em "Emmanuelle".

A cena na qual a protagonista, interpretada por Noémie Merlant ("Retrato de uma Jovem em Chamas"), realmente chega ao êxtase foi desafiadora. "Queríamos desconstruir a ideia falsa do orgasmo fingindo um", explica Diwan. O processo levou 10 horas de filmagem exaustiva. "Noémie e eu estávamos fisica e emocionalmente esgotadas. Tentávamos controlar cada detalhe, mas foi só quando perdemos o controle que algo mágico aconteceu." Em um momento de cansaço extremo, Merlant encontrou a expressão perfeita —uma que desafia as representações tradicionais do clímax feminino.

A diretora Audrey Diwan com a protagonista de 'Emmanuelle', Noémie Merlant - MANUEL MOUTIER/ Divulgação - MANUEL MOUTIER/ Divulgação
A diretora Audrey Diwan com a protagonista de 'Emmanuelle', Noémie Merlant
Imagem: MANUEL MOUTIER/ Divulgação

Outra sequência ousada do filme envolve Emmanuelle explorando seu próprio corpo enquanto filma. Diwan e Merlant discutiram profundamente o que a masturbação significava para a personagem. "Era como se algo voltasse à vida nela", explica a diretora. A trilha sonora, composta para incluir "buracos" que destacam a respiração de Merlant, reforça a organicidade do momento.

Durante as filmagens, a atriz protagonista surpreendeu a equipe ao improvisar. "Ela me deu um sinal dizendo: 'Vou explorar'. E eu soube que precisava somente observar", lembra Diwan. A atriz, que nunca ensaiou algumas das cenas mais intensas, estava no controle total. "Ela queria ir mais longe porque confiava no processo. Era uma colaboração", finaliza.

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