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Produtora de 'Mistério na Neve' fala sobre verdade e ética em caso polêmico

Karen Read é entrevistada em "Mistério na Neve: o Caso Karen Read" - Divulgação/ Max
Karen Read é entrevistada em 'Mistério na Neve: o Caso Karen Read' Imagem: Divulgação/ Max
do UOL

De Splash, em São Paulo

19/04/2025 05h30

"Mistério na Neve: o Caso Karen Read" chega hoje à Max e apresenta o polêmico caso Karen Read, que se tornou um divisor de águas no true crime americano. Karen Read é uma professora de 43 anos, acusada de matar o namorado, o policial John O'Keefe, em uma noite de janeiro de 2022 — mas o que parecia um caso simples de homicídio transformou-se em um quebra-cabeça jurídico que expõe falhas investigativas e a influência das redes sociais na Justiça.

Na madrugada de 29 de janeiro de 2022, após uma saída a bares em Canton, Massachusetts, O'Keefe foi encontrado inconsciente no jardim de uma casa pertencente a outro agente da polícia local. Com traumatismo craniano e hipotermia, morreu horas depois. As primeiras evidências apontavam para um atropelamento, com Karen sendo indiciada.

Em entrevista exclusiva a Splash, Terry Dunn-Meurer, veterana produtora de true crime, conhecida por "Unsolved Mysteries", detalha o acesso sem precedentes à defesa, a ausência da acusação e a batalha para manter o equilíbrio em um dos casos mais polarizados dos EUA.

A Splash, ela não escondeu o espanto ao descrever o nível de acesso que sua equipe obteve. "Foi extraordinário. Em 30 anos de carreira, nunca vi um caso em que a defesa permitisse tanta proximidade. Estávamos lá nos bastidores — nas salas de estratégia do hotel, nas conversas de carro a caminho do tribunal, nos momentos mais cruciais. A Karen [Read] e seus advogados nos abriram as portas de uma forma que desafia todas as convenções do sistema jurídico americano."

A produtora explica que esse acesso veio com um preço: "Tínhamos a obrigação moral de retratar tudo com extrema precisão. Gravamos mais de 270 horas só com a defesa — cada minuto foi analisado com lupa na edição. Quando você tem esse nível de intimidade, qualquer erro de representação seria trair a confiança que nos deram."

Ao todos, foram 440 horas brutas de filmagem (270 h defesa + 170 h tribunal), 14 meses de produção, 37 entrevistas (incluindo 11 com Karen Read) e três consultores jurídicos independentes para que "Mistério na Neve: o Caso Karen Read" fosse produzido.

O Silêncio da Acusação

Enquanto a defesa se abria, a promotoria se fechava: "Foi surreal. A acusação não deu uma única entrevista — não para nós, não para a imprensa local, ninguém. Eles trataram esse caso como uma fortaleza sob cerco."

Para compensar, a equipe buscou fontes alternativas. "Entrevistamos os amigos mais próximos de John O'Keefe [a vítima]. Eles eram nossa janela para o lado da acusação — pessoas que acreditavam profundamente na culpa de Karen e podiam articular os argumentos que a promotoria se recusava a compartilhar."

Um dos maiores desafios, segundo Terry, foi garantir que John O'Keefe não se tornasse mero pano de fundo: "Em casos assim, a vítima muitas vezes vira uma nota de rodapé. Nos primeiros 20 minutos da série, reconstruímos quem John era — um homem amado, com uma vida inteira pela frente. Seu irmão, seus amigos de infância, seus colegas de trabalho — todos ajudaram a trazer sua humanidade de volta à narrativa."

Karen Read e John O'Keefe - Divulgação/ Max - Divulgação/ Max
Karen Read e John O'Keefe
Imagem: Divulgação/ Max

Nos Bastidores com Karen Read

A dinâmica com a acusada foi intensa. "Karen estava 100% imersa em sua defesa. Havia dias em que conseguíamos somente 15 minutos com ela entre uma sessão do tribunal e outra. Muitas entrevistas foram feitas às 23h, depois de 16 horas de trabalho dela. Às vezes, gravávamos no corredor do hotel enquanto ela tomava um café. Cada minuto era precioso."

Questionada sobre pressões para "escolher um lado", Terry foi enfática: "Minha equipe tem uma regra: se alguém na sala de edição disser 'nós acreditamos que X é culpado', esse material vai para o lixo. Nosso trabalho é apresentar fatos, não convicções. Neste caso específico, tivemos que ser cirúrgicos — para cada argumento da defesa, buscamos o contra-argumento mais sólido disponível."

Karen Read é acusada de ter matado John O'Keefe - Divulgação/ Max - Divulgação/ Max
Karen Read é acausada de ter matado John O'Keefe
Imagem: Divulgação/ Max

Ela cita um exemplo crucial: "Quando a defesa apresentou sua teoria sobre manipulação de provas, imediatamente cortamos para os especialistas forenses contratados pela acusação — mesmo que estes só tenham falado mediante documentos judiciais. A ausência deles não poderia significar ausência de perspectiva."

O caso virou tendência no TikTok e X (ex-Twitter), com a Hashtag #FreeKarenRead com 280M+ visualizações, e vaquinhas online que arrecadaram US$ 450 mil para a defesa.

Terry faz uma crítica contundente: "Esse caso foi julgado e condenado nas redes sociais antes mesmo do primeiro testemunho. Nosso maior desafio foi filtrar o ruído — separar os fatos processuais das narrativas inflamadas. Em vários momentos, tivemos que deixar material fascinante de fora porque não podia ser verificado além de qualquer dúvida razoável."

Ao final da entrevista, a produtora reflete: "Espero que quando as pessoas assistirem, elas entendam que true crime responsável não é sobre entretenimento — é sobre justiça narrativa. Se um espectador sair sem saber em quem acreditar, mas com todas as ferramentas para pensar criticamente, teremos feito nosso trabalho."

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