Vida real: como motorista negra da periferia de SP inspirou Juliana Alves
Em "Volta por Cima", Juliana Alves, 42, interpreta Cida, uma motorista de ônibus que se orgulha por ser trabalhadora e ter criado o filho, Lucas (Caíque Ivo), sozinha, após a morte do marido. A atriz detalha para Splash que uma motorista da vida real ajudou a compor a personagem.
- Quer ficar por dentro de tudo o que rola no mundo das novelas? Clique aqui e faça parte do nosso canal no WhatsApp.
Vivência e referências
Juliana conta que acionou as próprias memórias ao criar a personagem por ter andado bastante de ônibus, seja na infância ou no início da vida adulta. Como a mãe tinha que trabalhar, ela colocava os filhos para andar de ônibus sozinhos desde pequenos. Depois, usava as linhas de ônibus para chegar ao trabalho que fazia numa ONG enquanto adolescente ou para visitar familiares. "Essa memória é muito forte".
Ainda pequena, lembro que ficava olhando aquela placa: 'Fale ao motorista somente o indispensável'. Passava um tempo olhando e pensando: 'Oh, meu Deus, o que realmente eu posso falar para o motorista?' Juliana Alves
Além das próprias lembranças, ela entrevistou motoristas de ônibus para entender a rotina deles. "Já tinha ouvido falar que motoristas desenvolvem transtornos a partir do estresse e do trânsito, mas conversando com eles soube que os motoristas têm responsabilidades que a gente nem imagina, ele responde por tudo que acontece no ônibus. As pessoas estão distraídas e não prestam atenção nos avisos e acabam perguntando ao motorista. Eles ainda têm que agir com leveza".
Uma dessas motoristas chamou a atenção da atriz. "Tenho uma personagem na vida real que me inspirou muito, uma mulher preta, da periferia de São Paulo, muito parecida à forma como eu imaginava a Cida. Ela foi uma pessoa com quem tive conversas maiores, anotei dicas e entendi muita coisa sobre a vida dela que podia trazer para minha personagem".
A motorista ajudou Juliana a entender que o interior de um ônibus permite a vivência de 1001 histórias. Ela, por exemplo, se casou com um passageiro. "Ela deu uma informação para o passageiro e ele fez uma piada. Ela achou engraçado, ele não foi desrespeitoso... No dia seguinte, quando ela encontrou o rapaz, ele disse: 'poxa, você demorou hoje'. Ela respondeu que não tinha marcado nada com ele, até que ele continuou: 'não marcou porque ainda não tenho seu telefone, quando tiver, vamos marcar'. Ela achou aquilo inusitado. Ele a conquistou com jeitinho, soube chegar com respeito".
Além do casamento, tem várias histórias dentro de ônibus, festas de aniversário, pessoas que levam objetos inusitados e precisam da ajuda dos demais para carregar. Tem também histórias de assédio, histórias sérias de racismo... Conheço pessoas que conseguiram fazer uma mobilização em uma cidade inteira. A partir da circulação dos ônibus, você consegue transmitir informações. Juliana Alves
Cheia de camadas
Recentemente, Cida passou por um susto, o que desencadeou o diagnóstico de estresse pós-traumático pelo psicólogo Bernardo (Bruno Fagundes). A trama tem abordado a importância do tratamento de saúde metal.
Estou muito feliz de ver que a autora está me trazendo caminhos muito férteis para a construção dessa personagem. Ela tem camadas, como eu gostaria que ela tivesse, desde que vi que ela seria uma motorista de ônibus, uma mulher da periferia, mãe solo e que, finalmente, está se permitindo pensar sobre a possibilidade de ser mais feliz. Juliana Alves
É uma trama com representatividade, acrescenta a atriz. "A gente se vê nas telas, nos subúrbios, em famílias que encaram a realidade, pessoas que têm enfrentado as dificuldades e conseguem se reinventar".