Fafá critica COP e palco do Rock in Rio em Belém: 'Acho muito pretensioso'
Fafá de Belém contou em entrevista ao No Tom, programa do TOCA com Zé Luiz e Bebé Salvego, detalhes sobre como surgiu seu último disco.
Em 2018, ela percebeu o "mundo estava guinando para a direita" e precisava falar sobre isso. Assim nasceu "Humana" (2019). "Foi o disco mais revolucionário e dos mais difíceis que eu fiz, eu entrava no estúdio e não conseguia achar a voz", lembra. O mesmo acontecia nas apresentações.
Cantar, para mim, é uma angústia. Fazer o espetáculo, eu adoeço, eu tremo, acho que não vai dar certo. Não consigo comer nada no dia de fazer show. Botar voz, quando é muito intenso, eu fico completamente desesperada Fafá de Belém
Sobre seu legado, Fafá diz que é sua liberdade. "De dizer, às vezes em pânico, 'é por aqui que eu quero ir'", diz. "Essa mesma liberdade, que na campanha das Diretas Já e depois na hora de apoiar Tancredo, foi uma decisão solitária, sem filiação partidária e sem nenhum tipo de negociação".
Ela lembra especialmente do Comício da Candelária (1984), após a campanha das Diretas Já. "Eu comprava minha pomba aqui no Mercado de Pinheiros, lote 32, e levava a pombinha na caixinha, respirando".
Entre as histórias, ela conta a vez em que colocou Dante de Oliveira, autor da emenda das Diretas, dentro do comício da candelária, após o mesmo ser barrado. "Disse que era percussionista", conta. "Com essa mesma tranquilidade, leveza e muito respeito a minha história, digo que meu maior legado é a liberdade (...) As várias campanhas que fizeram pela Amazônia nos últimos dez anos? Pra nenhuma me chamaram, porque eu não faço acordo".
Com opiniões fortes, ela também comenta sobre a COP (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) de 2025, que acontece no Pará. "Quando começou essa coisa da COP, eu pensei 'quem são meus parceiros?' São os artistas do Pará. Lembrar quem foi Waldemar Henrique, Paulo André e Ruy Barata. É falar de Milton Hatoum, Márcio de Souza, dois intelectuais. É falar de Dalcídio Jurandir. Porque, de repente nessa coisa de COP, onde a gente tem que se reconhecer, tá tudo vindo de fora pronto".
Fafá criticou também o palco flutuante que deverá ser usado pelo Rock in Rio durante a COP. "Não tenho nada contra o Rock in Rio. [Mas] esse palco, que é o Vitória Régia, foi usado num lago no estado do Amazonas. Obviamente ele foi fundeado, em frente a Belém, num braço do rio Amazonas, onde a correnteza é gigantesca, onde o mar não tem cabelo e o vento não tem mulher. Eu fico olhando e acho muito pretensioso, quando nós temos ali [em Belém] uma pujança, nós temos nossas praças, nossos coretos... Então eu preferi me recolher."
'Tombada viva': Fafá lembra primeiros passos da carreira
Ao olhar para trás em sua carreira, Fafá comenta sobre ter virado Patrimônio Cultural do Pará. "É uma honraria ser tombada viva", diz. "É fruto de muitas pessoas (...) Não tenho paciência para ser diva".
Mas, antes de tudo isso acontecer, Fafá lembra que nunca quis ser cantora. "Queria ser psicóloga", conta —mas a música surgiu naturalmente. "Hoje, a música continua sendo o grande prazer da vida (...) Viver, para mim, é cantar e ser feliz".
Ao recordar suas origens no trabalho, ela comentou sobre como os gêneros musicais ainda eram divididos em departamentos. "Quando eu gravei 'Nuvem de Lágrimas', queriam tirar a voz dos meninos, porque sertanejo não tocava a partir das 6h da manhã", lembra.
Outra história impactante foi sobre a gravação da música "Vermelho", após uma ida a Parintins, que enfrentou impasses. "Disseram que não tinham mais dinheiro", disse. "Para a surpresa desse produtor, absurdamente sudestino, 'Vermelho' hoje é uma epidemia, é hino de campanha política. É o hino do Benfica, time de futebol mais importante de Portugal."
Além dela, houve a gravação de "Memórias", em que ela levou uma enxurrada de críticas aos 22 anos. "Críticos que me tinham na conta mais alta me falavam coisas horrorosas. Não consegui entender por que as pessoas passaram a me odiar, se um disco antes eu era tudo de melhor", lembra.
Também foi marcante seu primeiro contato direto com Chico Buarque, de quem sempre foi fã. "Quando Chico Buarque me ligou, eu disse: 'Eu preciso de um calmante, um excitante e um bocado de gin. você é muito grande pra mim'", lembra. "Não acho normal falar com Chico, meu primeiro grande ídolo. Com minha primeira mesada comprei o primeiro disco de Chico, aquele dele rindo e ele sério."
A cantora ainda comentou sobre seu vasto repertório de gosto musical que tem hoje, e que passa por diversos gêneros. "Não tenho estilo, não tenho rumo", diz. "Sou apaixonada por Jão da mesma forma que estou encantada pelo novo trabalho da Alaíde Costa."
Minha postura meio anárquica me junta muito mais às pessoas mais jovens Fafá de Belém
Musa das Diretas Já, cantora 'levou porrada de tudo que é lado'
Fafá ainda lembrou episódios "não tão bons" de seu passado ativista e na música. Afinal, ela já foi considerada a musa das Diretas Já, movimento que pedia a retomada das eleições diretas à Presidência do Brasil durante a ditadura militar. "Tomei porrada de tudo que é lado", lembra. "A discussão política democrática sempre fez parte da minha vida, e o empoderamento sempre foi fortalecido dentro de casa. Eu nunca fui uma mulher pequena, não cabia em nada. E um dia vi Sophia Loren e olhei pra mamãe, que costurava muito bem, e disse 'yes, I can'."
Hoje olho para trás vejo a quantidade de assédio que eu sofri, tentativas de abuso... Mas eu achava aquilo tão improvável que nunca dei bola e nunca deixei andar Fafá de Belém
Justamente por conta desse senso crítico é que Fafá se levantou no início deste ano contra o Rock in Rio 2024 pela falta de representatividade do Norte no line-up. "O Dia Brasil sem ninguém da Amazônia me deu o mesmo gatilho de quando eu vi ano passado alguns fóruns em Nova York falando de Amazônia sem nenhum amazonense pensante, (...) era uma elite branca paulista, completamente Faria Lima."
Ela também lembra como, após dez anos sem produzir álbuns, voltou à ativa ao ser apresentada à composição de "Meu Coração É Brega", que virou um "ícone". "Fui tomada por uma emoção. voltei pra minha infância, pro cheiro de manga em Belém, pro colorido, para a leveza, pra gente gostar de dançar", lembra. "Eu tive uma crise de choro". O disco ficou pronto em dois dias.
Anos de Rock'n Roll: 'Termino show sem saber se eu sou eu ou se sou o Ozzy'
Fafá também comentou sobre o universo do rock'n'roll, ao qual se dedica há algum tempo. A cantora revisitou clássicos no projeto "On the Rock'n Roll".
É uma outra energia. Eu termino [a apresentação] e passo uns 40 minutos sem saber se eu sou eu ou sou Ozzy Osbourne, se eu sou Pink Floyd. Fafá de Belém
Seu lado "heavy metal" surgiu há anos e desde então Fafá fez covers como "Hocus Pocus", da banda holandesa FOCUS, cujo vídeo roda a internet. Esse, inclusive, foi um dos grupos que ela passou a adolescência ouvindo, ao lado de The Who e Black Sabbath. "Pink Floyd a gente ouvia deitado. Era raro, o disco, então botávamos uma caixa de som, todo mundo deitava e viajava. E vamos parar por aqui", brinca.
Em contrapartida, Fafá também comentou o entusiasmo sobre o projeto "Varanda", em que se apresenta no Círio de Nazaré, em Belém, unindo fé, arte, música e meio ambiente. "Na Varanda, eu canto do primeiro ao último romeiro", diz. "Temos de desde a Ayla a Manoel Cordeiro. Na Varanda, o microfone é livre, o governador dançando com Dira Paes! Na procissão noturna, são 1,7 milhões de pessoas, e na diurna, 3 milhões (por dia)".
A Varanda é a grande obra que eu fiz Fafá de Belém
No Tom
No novo programa de TOCA, Zé Luiz e Bebé Salvego entrevistam artistas de diferentes vertentes num papo cheio de revelações, lembranças e muito amor pela música. Assista ao programa completo com Fafá de Belém: