'Tombada viva', Fafá de Belém abre memórias: 'Já falaram coisas horrorosas'
Em entrevista ao No Tom, programa do TOCA com Zé Luiz e Bebé Salvego, Fafá de Belém olha para trás em sua carreira e comenta sobre ter virado Patrimônio Cultural do Pará. "É uma honraria ser tombada viva", diz. "É fruto de muitas pessoas (...) Não tenho paciência para ser diva".
Mas, antes de tudo isso acontecer, Fafá lembra que nunca quis ser cantora. "Queria ser psicóloga", conta —mas a música surgiu naturalmente. "Hoje, a música continua sendo o grande prazer da vida (...) Viver, para mim, é cantar e ser feliz".
Ao recordar suas origens no trabalho, ela comentou sobre como os gêneros musicais ainda eram divididos em departamentos. "Quando eu gravei 'Nuvem de Lágrimas', queriam tirar a voz dos meninos, porque sertanejo não tocava a partir das 6h da manhã", lembra.
Outra história impactante foi sobre a gravação da música "Vermelho" após uma ida a Parintins, que enfrentou impasses. "Disseram que não tinham mais dinheiro", disse. "Para a surpresa desse produtor, absurdamente sudestino, 'Vermelho' hoje é uma epidemia, é hino de campanha política. É o hino do Benfica, time de futebol mais importante de Portugal".
Além dela, houve a gravação de "Memórias", em que ela levou uma enxurrada de críticas aos 22 anos. "Críticos que me tinham na conta mais alta me falavam coisas horrorosas. Não consegui entender por que as pessoas passaram a me odiar, se um disco antes eu era tudo de melhor", lembra.
Também foi marcante seu primeiro contato direto com Chico Buarque, de quem sempre foi fã. "Quando Chico Buarque me ligou, eu disse 'eu preciso de um calmante, um excitante e um bocado de gim. você é muito grande pra mim'", lembra. "Não acho normal falar com Chico, meu primeiro grande ídolo. Com minha primeira mesada comprei o primeiro disco de Chico, aquele dele rindo e ele sério".
A cantora ainda comentou sobre seu vasto repertório de gosto musical que tem hoj, e que passa por diversos gêneros. "Não tenho estilo, não tenho rumo", diz. "Sou apaixonada por Jão da mesma forma que estou encantada pelo novo trabalho da Alaíde Costa."
Minha postura meio anárquica me junta muito mais às pessoas mais jovens Fafá de Belém
'É a grande obra que eu fiz': Fafá discute 'Memórias' e veias do rock
Na entrevista, Fafá comentou sobre o universo do rock'n'roll, ao qual se dedica há algum tempo. A cantora revisitou clássicos no projeto "On The Rock n' Roll".
É uma outra energia. Eu termino [a apresentação] e passo uns 40 minutos sem saber se eu sou eu ou sou Ozzy Osbourne, se eu sou Pink Floyd Fafá de Belém
Seu lado "heavy metal" surgiu há anos e desde então Fafá fez covers como "Hocus Pocus", da banda holandesa FOCUS, cujo vídeo roda a internet. Esse, inclusive, foi um dos grupos que ela passou a adolescência ouvindo, ao lado de The Who e Black Sabbath. "Pink Floyd a gente ouvia deitado. Era raro, o disco, então botávamos uma caixa de som, todo mundo deitava e viajava. E vamos parar por aqui", brinca.
Em contrapartida, Fafá também comentou o entusiasmo sobre o projeto "Varanda", em que se apresenta no Círio de Nazaré, em Belém, unindo fé, arte, música e meio ambiente. "Na Varanda, eu canto do primeiro ao último romeiro", diz. "Temos de desde a Ayla a Manoel Cordeiro. Na Varanda, o microfone é livre, o governador dançando com Dira Paes. Na procissão noturna, são 1,7 milhões de pessoas, e na diurna, 3 milhões (por dia)".
A Varanda é a grande obra que eu fiz Fafá de Belém
Musa das Diretas Já, cantora levou 'porrada de tudo que é lado'
Fafá ainda lembrou episódios "não tão bons" de seu passado ativista e na música. Afinal, ela já foi considerada a musa das Diretas Já, movimento que pedia a retomada das eleições diretas à Presidência do Brasil durante a ditadura militar. "Tomei porrada de tudo que é lado", lembra. "A discussão política democrática sempre fez parte da minha vida, e o empoderamento sempre foi fortalecido dentro de casa Eu nunca fui uma mulher pequena, não cabia em nada. E um dia vi Sophia Loren e olhei pra mamãe, que costurava muito bem, e disse 'yes, I can'."
Hoje olho para trás vejo a quantidade de assédio que eu sofri, tentativas de abuso... Mas eu achava aquilo tão improvável que nunca dei bola e nunca deixei andar Fafá de Belém
Justamente por conta desse senso crítico é que Fafá se levantou no início deste ano contra o Rock in Rio 2024 pela falta de representatividade do Norte no line-up. "O Dia Brasil sem ninguém da Amazônia me deu o mesmo gatilho de quando eu vi ano passado alguns fóruns em Nova York falando de Amazônia sem nenhum amazonense pensante, (...) era uma elite branca paulista, completamente Faria Lima."
Ela também lembra como, após dez anos sem produzir álbuns, voltou à ativa ao ser apresentada à composição de "Meu Coração É Brega", que virou um "ícone". "Fui tomada por uma emoção. voltei pra minha infância, pro cheiro de manga em Belém, pro colorido, para a leveza, pra gente gostar de dançar", lembra. "Eu tive uma crise de choro". O disco ficou pronto em 2 dias.