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OPINIÃO

O que o fracasso de 'Coringa 2' diz sobre o atual estado de Hollywood

do UOL

Colunista de Splash

10/10/2024 05h30

"O que acontece quando você pega a sequência de um filme aclamado pelo público e o transforma em um musical?", questiona um fã entre as centenas de comentários com críticas a "Coringa: Delírio a Dois" nas redes sociais da filial brasileira da Warner Bros. Pictures. Ao olhar para os números iniciais do longa-metragem, que estreou nos cinemas no último dia 3, a única resposta que vem à cabeça é "prejuízo".

Contudo, resumir o desastre da continuação de "Coringa" ao fato de ser de um gênero diferente é uma análise reducionista. A culpa não é dos musicais.

Estrelado por Joaquin Phoenix, "Delírio a Dois" arrecadou apenas US$ 37,8 milhões (R$ 209 milhões) no mercado americano durante o fim de semana de estreia, segundo o site Deadline. Número desastroso, bem abaixo da expectativa de US$ 70 milhões (R$ 387 milhões) — que já seria significativamente inferior aos US$ 96,2 milhões (R$ 532 milhões) do primeiro filme em seus dias iniciais. Pior ainda: o lançamento ficou atrás até da bomba "The Flash" (US$ 55 milhões, R$ 304 milhões na cotação atual) e do criticado "Morbius" (US$ 39 milhões, cerca de R$ 215 milhões).

No Brasil, o longa contabilizou R$ 20 milhões, atraindo um público de 910 mil pessoas, segundo o Filme B. Na prática, houve uma queda de 51% na audiência em comparação ao original. Já no resto do mundo, a nova obra cinematográfica se aproximou das expectativas, alcançando US$ 81 milhões (R$ 481 milhões).

Com uma bilheteria global de US$ 121,1 milhões (R$ 670 milhões) em seus dias iniciais, "Delírio a Dois" corre um grande risco de gerar prejuízo no decorrer da sua exibição nos cinemas. Afinal, graças a um orçamento astronômico estimado em cerca de US$ 200 milhões (R$ 1,1 bilhão), "Coringa 2" precisa arrecadar ao menos meio bilhão de dólares para quitar seus custos de produção, sem contar os custos com marketing.

Tudo isso considerando que o primeiro "Coringa", com um orçamento estimado entre US$ 55 milhões e 70 milhões (R$ 304 milhões e 386 milhões, em valores de hoje), arrecadou impressionante US$ 1,07 bilhão (o que dá quase R$ 6 bilhões). Na época, esse foi um recorde para títulos com classificação indicativa R (para maiores de 17 anos) no mercado norte-americano.

Coringa - Divulgação/Warner Bros. - Divulgação/Warner Bros.
Novo 'Coringa' não funciona como musical ou como sequência do filme original
Imagem: Divulgação/Warner Bros.

Com distanciamento, hoje é mais fácil entender o sucesso daquela primeira parte. O diretor Todd Phillips (de "Se Beber, Não Case!") mesclou elementos do eterno vilão do Batman com um pastiche de trabalhos do diretor Martin Scorsese (como "Taxi Driver" e "O Rei da Comédia"), bebendo diretamente da fonte do movimento Nova Hollywood e do pior momento da cidade de Nova York. A partir disso, criou um estudo de personagem que foi brilhantemente capitaneado por Phoenix. Uma mistura de cinema de arte niilista com blockbuster de super-herói.

O primeiro filme reverberou frente ao público talvez porque muitos não tenham assistido às inspirações originais, e pelo seu tom de desafio ao sistema em uma sociedade que esmaga os oprimidos, o que — para o bem ou para o mal — encontrou terreno fértil para prosperar no mundo em que vivíamos em 2019.

Para "Coringa: Delírio a Dois", Phillips escolheu o caminho de produzir um verdadeiro "anti-Nasce Uma Estrela", só que com músicas que pouco agregam ao andamento da história e ao desenvolvimento dos personagens. Até chamou Lady Gaga, musa do outro musical, para ser a coprotagonista. Chega a ser engraçado pensar que o diretor desembolsou, segundo a Variety, US$ 12 milhões (R$ 66 milhões) para contratar uma das maiores cantoras da atualidade apenas para pedir que ela desafinasse de propósito.

Dessa forma, como José Padilha fez em "Tropa de Elite 2", Todd Phillips busca ajustar a rota da mensagem da primeira parte. Contudo, ele escolhe como caminho a negação do que foi feito anteriormente e do que se espera do protagonista - levando a um final bastante polêmico, para dizer o mínimo. Ser um musical (mal executado) é apenas um sintoma disso.

Gaga - Getty Images - Getty Images
Lady Gaga interpreta uma versão da Arlequina em 'Coringa: Delírio a Dois'
Imagem: Getty Images

Na realidade, o maior problema do novo longa está justamente nesta quebra de expectativa — que, não por coincidência, é um dos recursos mais utilizados na hora de se fazer humor. Soa como uma piada de US$ 200 milhões feita apenas para rir do espectador, e não com ele. Isso em um mundo no qual filmes precisam se tornar verdadeiros fenômenos culturais para alcançarem o tão sonhado patamar do bilhão de dólares.

Sem maiores impactos na DC Films

Não será desta vez que um fracasso levará a uma série de mudanças na DC Studios, braço da Warner responsável pelas adaptações dos heróis das histórias em quadrinhos para a telona.

De acordo com a The Hollywood Reporter, o resultado está sendo visto como uma "falha coletiva". Além disso, a produção de "Coringa: Delírio a Dois" começou antes da entrada da atual liderança do estúdio, que, neste momento, está produzindo um "reboot" do Universo DC na tela grande. Um novo "Superman" está previsto para chegar nas telonas em julho de 2025.

Ainda segundo a THR, Phillips teve uma grande liberdade criativa — a ponto de não existirem exibições de teste, que comumente acontecem na fase final de pós-produção. São os comentários da plateia nessas sessões que dita os ajustes finais do filme, incluindo refilmagens.

Na prática, o teste acabou sendo no Festival de Veneza, há um mês. A crítica torceu o nariz. Quando finalmente o grande público pôde conferir, o desastre ficou completo. A nota no CinemaScore (que avalia a percepção das pessoas ao sair das primeiras sessões, ou seja, justamente a dos fãs mais ávidos) foi a pior já registrada para uma produção baseada em gibis: D.

Aprendizados de "Coringa: Delírio a Dois"

Por conta de sua própria natureza, descolada do restante do plano máster da Warner Bros. para as franquias da DC, o insucesso de "Coringa 2" também terá pouco ou nenhuma repercussão no futuro dos super-heróis como subgênero em Hollywood. No entanto, a falha deixa uma lista de lições que devem ser aprendidas, além de dizer muito sobre o atual estado do cinema comercial.

A mais evidente é que, em tempos de internet e redes sociais, a mentira na divulgação tem pernas curtas. Embora não haja uma caça às bruxas nem culpabilização explícita do marketing do estúdio pelo fracasso — algo comum em situações assim —, a promoção, que seguiu um rumo oposto ao adotado por Philips, certamente tem sua parcela de responsabilidade. Optou-se por manter a imagem de "Coringa", o que amplificou a potência da malfadada quebra de expectativa.

"Vamos dar às pessoas o que elas querem", diz a personagem de Gaga em uma das peças promocionais, em uma campanha que omite totalmente o lado musical do longa-metragem. Não precisavam levar isso tão ao pé da letra.

A outra questão é a saturação das mesmas ideias. Embora não fosse completamente original, o primeiro se destacou por trazer uma abordagem diferenciada para esse tipo de produção. Todavia, a sequência se acovarda e cai na vala comum ao transformar os dois filmes em uma cansativa história de origem, do tipo que já vimos incontáveis vezes.

É o mal pelo qual passa atualmente a Marvel Studios, que estressou ao extremo a fórmula e que, agora, busca um novo rumo enquanto se vale da nostalgia do que veio antes.

Resta saber se o flop de "Delírio a Dois" não terá um "efeito rebote", com os produtores e estúdios concentrando ainda mais poder em suas mãos, dando pouco ou nenhum espaço para que os cineastas imprimam seu estilo e as suas vontades — como Todd Phillips, pelo bem ou pelo mal, fez.

Quem ri por último, ri melhor. O problema é quando ninguém ri.

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