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Mineira vai da faxina à exportação de café e vê renda crescer 10 vezes

Hosana de Cássia foi de faxineira a exportadora de cafés especiais após palestra em festival de inovação em Santa Rita do Sapucaí (MG).  - Divulgação
Hosana de Cássia foi de faxineira a exportadora de cafés especiais após palestra em festival de inovação em Santa Rita do Sapucaí (MG). Imagem: Divulgação
Helton Simões Gomes, Marcelo Ferraz e Rosália Vasconcelos
do UOL

Colunista de Tilt e Colaboração para Tilt, de Santa Rita do Sapucaí (MG)

29/05/2024 09h40

Nem nos seus melhores sonhos, a mineira Hosana de Cássia, 46 anos, poderia imaginar que a atividade aprendida ainda na infância com o pai poderia render sucesso profissional e pessoal, além de ajudá-la a servir de inspiração para outras mulheres agricultoras.

Sem saber da riqueza que sua plantação de café escondia, ela trabalhou como faxineira para custear os estudos da filha. O sonho era ver a menina com diploma na mão. Antes de se formar, ela mudou a vida da mãe: após ver a palestra de uma startup, incentivou a mãe a vender a safra como grãos especiais. Deu certo.

Hoje, ela largou esfregão e vassoura, multiplicou o preço da saca de seu café por sete, fatura mais de R$ 150 mil por ano e tem clientes em países da Europa. Essa seria apenas uma história de como a inovação muda a vida das pessoas, como ocorreu com Hosana nos últimos cinco anos. Mas não é só isso. Antes de virar uma empresária exportadora, Hosana teve de superar decepções pessoais que deixariam qualquer uma paralisada.

O perdão de Hosana

Ela passou 21 anos com o ex-marido. No dia do que seria o vigésimo segundo aniversário de casamento, estava no cartório assinando o divórcio. Era 2017.

Pai da filha de Hosana, o homem a abandonou para viver com uma amante, com quem tinha um caso havia pelo menos cinco anos. Hosana descobriu tudo num domingo. Após chegarem em casa de um velório, ele logo saiu sem motivo e no meio de uma tempestade. Desconfiada, ela seguiu o homem. Foi dar na casa de uma vizinha bastante próxima. Flagrou os dois.

No dia seguinte, após voltar de uma consulta médica da mãe, que passava por tratamento oncológico, ela encontrou a casa vazia, sem eletrodomésticos. Fogão, geladeira, botijão de gás. Tudo levado por ele.

As minhas coisas eram tudo assim: velho mesmo, antigo, sabe? Não tinha nada novo, mas era aquilo que eu tinha, né? E ele levou pra morar com ela
Hosana

O arranjo com a amante não vingou. Em três meses, o ex-marido estava batendo na porta, pedindo para voltar. Hosana não quis conversa. O homem fez chantagem: endividado por ter pego um empréstimo, disse que beberia até morrer.

Eu não tinha coragem de abandonar ele. Dizia: 'Te ajudo. Se for preciso, levo no médico, mas voltar eu não quero mais
Hosana

Pouco mais de um ano após a separação, o homem morreu. Hosana estava lá quando ocorreu. Pouco antes, a filha, que caiu em depressão quando soube de tudo, perdoou o pai no hospital. A partir daí, começa outra história.

O Ouro da Rainha

Hosana sempre trabalhou na lavoura. Quando se separou do marido, o preço do café caiu e ela precisou de outra fonte de renda. Foi trabalhar como faxineira no Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), em Santa Rita do Sapucaí (MG), região conhecida como Vale da Eletrônica. Era assim que ela pagava para a filha, Larissa de Cássia Fonseca, estudar Engenharia de Controle e Automação na mesma instituição.

"Nas horas vagas e nas férias, eu cuidava do café. Mas eu queria muito que ela estudasse para não passar o aperto que passei na vida", diz Hosana.

Em 2019, Larissa descobriu durante uma palestra do HackTown, festival de inovação da cidade, que a mãe cultivava ouro em casa: o café plantado era cobiçado fora do país.

Eles falavam da qualidade do café para exportação, do que era preciso fazer para ter uma pontuação boa. E eu pensava: 'Nossa, é o que minha mãe faz'. E, ainda fazendo esse trabalho difícil, na hora de vender não tem lucro. E o que se ganhava não dava pra sobreviver
Larissa

Hosana lembra como foi: "Ela chegou em casa e questionou por que eu vendia tão barato o café se eu tomava todos os cuidados. Não sabia o que responder, não tinha tempo de pesquisar o assunto. Trabalhava muito. Não imaginava que o que eu fazia era tão importante", recorda.

Larissa pressionou, mas a mãe teimava. "Ela dizia que exportar não era coisa pra pequeno produtor, mas pra outro tipo de gente", conta a filha.

Até que a mãe foi atrás da palestrante, Daniele Alckmin, fundadora da startup Agrorigem e da plataforma de exportação de café The Coffee ID, que estava incubada no Inatel.

Hosana levou seu café para ser analisado. Depois de constatarem que os grãos eram especiais mesmo, a parceria foi fechada. A partir daí, as safras começaram a ser enviadas, através da plataforma, para países como Irlanda e Holanda.

A vida mudou. Antes, Hosana comercializava as sacas por preços que ia de R$ 250 a R$ 300. Depois, passou a vendê-las por R$ 1.700, em média. Atualmente, a safra anual gira em torno de R$ 150 mil. Suas três propriedades somam 21 mil pés de café.

Nunca imaginei que poderia um dia chegar a esses resultados. Como faxineira, ganhava salário mínimo. Em um ano, eram pouco mais de R$ 16 mil. Trabalhar na roça nunca foi uma função valorizada, mas agora me sinto reconhecida. Hoje eu sei: sem nós da lavoura não há cidade. Minha filha me ajudou a voltar a trabalhar com o que eu mais amo e com o valor que essa atividade merece
Hosana

Também veio da filha a ideia da marca do café: Ouro da Rainha.

Larissa explica que o nome foi uma homenagem à devoção que a família tem por Nossa Senhora da Aparecida. Já o ouro é o café.

Quando a reportagem do UOL visitou a casa de Hosana, em dezembro de 2023, Larissa já estava casada havia um mês. Mas o sonho em relação à filha, a exportadora realizara um ano antes: ver a jovem formada.

De herança para a nova família que se iniciava, além do amor pelo café, Larissa levou a garra e a fé da sua mãe.

A qualidade do café da minha mãe não vem só do trabalho braçal. Mas do amor que ela transmite em cada lavoura e em cada produção, da memória que ela carrega do meu avô. No café da minha mãe tem a fibra de uma mulher que não desiste, mostra que nossa força é capaz de mudar nosso caminho e nossa história
Larissa

Produção automatizada

Depois de dar aquele empurrãozinho nos negócios da mãe, a engenheira de automação e controle Larissa Fonseca ajudou a automatizar a produção.

Por sugestão dela, vieram um secador de café automatizado, uma máquina de pré-limpeza para substituir a lavagem feita manualmente e um tratorito, para preparar o solo e promover a agricultura regenerativa.

Dá muito trabalho fazer o que gosto. Quem toma uma xícara de um café especial não imagina quanto esforço estão nesses grãos. Mas estou feliz e agradecida por ter dado continuidade ao que meu pai me ensinou
Hosana

E Hosana de Cássia tratou de compartilhar a expertise acumulada nos últimos cinco anos. A mineira de Santa Rita do Sapucaí agora repassa aos seus vizinhos cafeicultores que cuidados tomar para poderem também exportar café especial.

"Esse conhecimento melhorou não apenas a minha vida como a do bairro todo. Também participo de um movimento de mais de cem produtoras de café, para reafirmar o papel da mulher na agricultura familiar. Trocamos aprendizados, técnicas, compartilhamos cursos para fortalecer os negócios. Estamos sempre umas ajudando as outras", diz.

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