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OPINIÃO

Documentário do Max não deixa dúvidas que Kevin Spacey é um predador sexual

 O ator Kevin Spacey, tema de série documental no Max -  O Antagonista
O ator Kevin Spacey, tema de série documental no Max Imagem: O Antagonista
do UOL

Colunista de Splash

25/05/2024 04h00

Nos dias que correm, não adianta ser inocentado na Justiça se um agressor continua sendo culpado aos olhos de dois grandes tribunais: o das redes sociais e o das plataformas de streaming. O que aconteceu com Kevin Spacey? Ele foi a maior revelação de Hollywood nos anos 90, vencendo Oscars por "Os Suspeitos" (1995) e "Beleza Americana" (1999), além de uma participação arrasadora em "Seven: Os Sete Crimes Capitais" (1995). Em 2013, foi um dos responsáveis por erguer a Netflix na aclama série "House of Cards" (2013).

Em 2017, porém, o seu castelo de cartas começou a cair. Na esteira do movimento #MeToo, em que dezenas de mulheres acusaram de assédio sexual o produtor Harvey Weinstein, ele foi acusado do mesmo crime pelo ator Anthony Rapp. O assédio teria acontecido em 1986, quando Rapp tinha apenas 14 anos. Em 2022, quatro outras vítimas abriram uma ação conjunta no Tribunal de Londres reunindo evidências de nove acusações de assédio contra ele. Um ano depois, Spacey foi inocentado de todas elas. Ao final, declarou-se "grato" e "humilde" pelo veredito em seu favor. Parecia um ponto final na história, mas não foi.

Uma nova produção da plataforma Max, "Kevin Spacey: A História Não Contada" (no original, Spacey desmascarado) reabre a ferida trazendo o depoimento de dez homens que foram assediados pelo ator, nove deles depondo pela primeira vez. Os casos aconteceram ao longo de cinco décadas - um deles era colega do ator ainda no ensino médio, nas aulas de teatro. Os relatos são estarrecedores - e é muito difícil imaginar que as testemunhas inventariam histórias tão sórdidas em troca de uma suposta fama com o caso. O Max trata o material como uma série de apenas dois episódios - mais fácil vê-lo como um documentário de pouco mais de 100 minutos.

Um assistente de produção do Old Vic, prestigiado teatro em Londres que Spacey dirigiu por um bom tempo, conta como foi prensado num estreito vão do teatro, ele de joelhos e Spacey em pé, esfregando a região genital contra o seu rosto. Outro, um ator alto, forte e musculoso louco por uma chance em Hollywood, aceitou um convite de Spacey para ir ao cinema em 1999 ver "O Resgate do Soldado Ryan". Ficou chocado ao olhar para o lado e ver que o astro se masturbava durante a célebre sequência inicial, em que os aliados invadem a Normandia - uma sequência de guerra e violência, com braços e cabeças decepadas -, mostrando evidentes sinais de psicopatia. Spacey ainda teria enfiado o dedo médio no traseiro por cima das calças de um jovem ator britânico em pleno tapete vermelho, na estreia de uma peça em Londres. E por aí vai.

Desde 2013, os produtores de "House of Cards" sabiam do comportamento no mínimo inadequado do ator com colegas homens, e escalaram uma assistente mulher para tentar contê-lo em suas investidas. Não adiantou, já que, além de ator, ele era produtor executivo da série, com muito poder de mando.

Quando o escândalo estourou, a Netflix decidiu, mesmo antes do julgamento, demitir o ator da produção em plena preparação da última temporada - que seguiu tendo como protagonista a personagem da esposa de Frank Underwood, vivida por Robin Wright. A produtora encontrou em contrato uma brecha para processá-lo - justamente a violação das regras de conduta de comportamento no set - e processou-o em mais de US$ 30 milhões. Ironia do destino: enquanto a Justiça não conseguiu condená-lo, sua única punição até hoje veio do mercado.

Sempre no armário, Spacey só decidiu assumir sua homossexualidade no pior momento, quando a acusação de Rapp veio à tona. Foi linchado pela comunidade gay, por ter feito o seu "outing" justamente quando era acusado de ser um assediador. O documentário ainda traz o depoimento de seu irmão mais velho, um sujeito de trajes excêntricos que diz ter sofrido abuso sexual do pai na infância. Ele não sabe dizer se Kevin sofreu os mesmos abusos, mas tem certeza que o comportamento do pai influenciou as atitudes de predador sexual do irmão.

Difícil de parar de ver, "A História Não Contada" também é útil para nos mostrar como funcionam as situações de assédio sexual entre homens. Quando é feita a maiores de idade, elas geralmente envolvem menos vulnerabilidade física que o assédio às mulheres, que têm muito mais chances de redundar num estupro.

Mas toda a parte do medo, da vergonha em falar sobre o assunto e da violência psicológica que perdura por anos a fio é bastante parecida. Como diz um dos depoentes: "Alguns amigos para quem abri o jogo me disseram que, no meu lugar, teriam dado um soco na cara dele. Não é verdade. Na hora, você se sente completamente surpreso e intimidado por uma pessoa tão poderosa."

Assim como Johnny Depp, inocentado das acusações de agressão feitas por sua ex-mulher Amber Heard, Spacey conseguiu até agora escapar da Justiça. Mas foi proscrito de Hollywood e dos streamings. Agora, só consegue estrelar um documentário em que é o vilão da vida real. Uma punição simbólica que pode ser bem cruel para um ator que já esteve no topo do mundo.

KEVIN SPACEY: A HISTÓRIA NÃO CONTADA
Série documental em dois episódios de 50 min, no Max

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