Topo
Entretenimento

'Descobri que minha filha tinha síndrome de Down na 21ª semana: uma sorte'

Carla com a filha Manu: uma guinada em sua vida - Acervo pessoal
Carla com a filha Manu: uma guinada em sua vida Imagem: Acervo pessoal
do UOL

Luciana Bugni

Colaboração para Universa

23/04/2024 14h42

"Eu e meu marido não tínhamos o perfil de casal que quer ter filhos. Estávamos juntos havia dez anos quando tive o clique e decidimos que queríamos engravidar. A gestação foi muito esperada, porque após algumas tentativas, descobri que eu não ovulava. Fiz alguns tratamentos e no fim de 2016 já tinha feito uns dez testes de gravidez, todos negativos.

Conheça os conteúdos exclusivos de Materna com acesso ilimitado.

Marcamos então uma conversa para janeiro, para falar sobre como fazer fertilização. O que eu não sabia é que o último teste havia sido um falso negativo e eu já estava grávida.

Fui a alguns happy hours em dezembro sem saber. Um dia, fui a um restaurante com meu marido e paramos na volta para comprar um espumante. Eu comprei um saco de pão e comi inteirinho no caminho para casa. Ele estranhou: achou que aquilo não estava normal. E começamos a desconfiar da gravidez.

Foi uma alegria. Eu corria e achava que correria até o fim da gestação, mas descobri com três meses que estava com pressão alta. Comecei a fazer ultrassons semanais e a médica recomendou um exame que detecta síndromes a partir no DNA contido em meu sangue. Com 21 semanas, recebemos o diagnóstico de síndrome de Down. É muito impactante. Naquele momento, choramos muito, revirando o Google e tentando entender se havia chance de estar errado. Mas como minha pressão estava muito alta e aumentava quando eu ficava nervosa, virei a chave. Passei a me preocupar apenas em não perder aquele bebê, em vez de pensar na síndrome.

Foi muito difícil. Eu vivia com o medo de perder a Manu e tinha muitas dúvidas se, pela síndrome de Down, ela teria uma saúde frágil ao nascer. Além da pressão alta, eu tomei uma medicação durante toda a gestação para prevenir um possível risco de trombose.

Fiquei internada cinco vezes porque, sempre que ficava nervosa, a pressão subia. Tive de me afastar do trabalho também. Porém, só pensava em ter a bebê, em não perdê-la de jeito nenhum por conta da gestação de risco. Para ter força, eu pensava que a Manu seria muito feliz e que, juntas, poderíamos conquistar o mundo. E paralelamente, eu me achava muito bonita, tinha um amor imenso pela barriga e amava usar roupas de grávida.

Quando ela nasceu, eu estava internada no hospital havia 15 dias devido à pressão alta. A médica foi me ver de manhã e disse que eu poderia pensar em voltar para casa e marcar a cesárea. Nisso, meu chefe me ligou e me informou que havia se demitido. Eu fiquei tão nervosa que a pressão explodiu. Ela nasceu naquele dia mesmo. Em algum momento pensei que eu poderia morrer, mas aí ouvi a Manu chorar e o mundo brilhou.

No hospital, foram tão cautelosos e fizeram tantos exames que a Manu ficou 15 dias na UTI. No fim, eu já estava gritando pelos corredores do hospital que queria ir para casa. Ela não teve nenhuma doença ligada à síndrome — era só excesso de zelo.

Na volta da licença-maternidade, descobri o capacitismo: fui demitida sob a alegação de que seria bom estar em casa para criar uma criança com deficiência. Na época, tive medo de falar sobre isso publicamente, mas hoje entendo que é comum que os pais sintam o capacitismo antes mesmo da criança.

As pessoas diziam que seria difícil ter uma criança com deficiência e que eu não conseguiria amamentar. Existe um mito de que a criança com síndrome de Down não consegue mamar no peito, devido à hipotonia muscular, mas isso só mais um reforço contra a amamentação. A realidade foi que amamentei a Manu até 1 ano e 11 meses.

Esse, aliás, é um recado que eu gostaria de dar aos médicos. Tive sorte de receber o diagnóstico no meio da gestação, mas muitos pais recebem no dia do parto de maneira abrupta e com palavras muito negativas. Esse jeito de contar faz com que as famílias achem que não viverão os sonhos que planejavam, e de fato a vida de todos muda drasticamente. A criança com deficiência traz muitos desafios, entretanto a maternidade atípica pode ser feliz. Não deixem as famílias traumatizadas pela maneira como vai dar essa notícia.

Hoje, faço acolhimento de famílias com a síndrome. Manu me transformou de várias maneiras. Eu palestro e atendo clientes sobre diversidade e inclusão e sou muito feliz pela maternidade que vivo."

Carla Vangsgaard Schultz, 45 anos, comunicadora, mãe de Manuela, 6 anos

Entretenimento