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Sucesso de mentira: seu cantor favorito do Spotify pode ser um golpe

do UOL

Rodrigo Ortega

Do UOL, em São Paulo

20/04/2024 04h00

Você chega em casa, coloca o fone de ouvido e procura uma playlist para descansar. Aparece uma faixa suave, de arranjo genérico. Você pode ter acabado de ouvir um artista fake.

Os nomes são inventados, as capas, genéricas e não se sabe nada dos músicos além daqueles perfis.

Eles não existem no mundo real, mas os perfis rendem dinheiro de verdade. A renda bilionária do streaming está na mira.

Empresas de streaming pagaram a artistas US$ 19 bilhões (cerca de R$ 100 bilhões) em 2023. A líder do setor, Spotify, distribuiu metade desse valor: US$ 9 bilhões (R$ 47 bilhões).

Não se sabe o quanto foi parar na mão das pessoas por trás dos artistas fakes.

CAPAS E CÓPIAS - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

O Spotify e outros serviços de streaming não proíbem a prática nem divulgam números.

O site britânico Music Business Worldwide (MBW) fez a primeira denúncia sobre o escândalo em 2016.

A publicação revelou que artistas estavam sendo pagos para criar músicas genéricas sob pseudônimos para as playlists do Spotify.

O estúdio sueco Epidemic Sound estava por trás de 50 artistas falsos, com 75 milhões de plays, publicou o site no ano seguinte.

O motivo financeiro por trás dos fakes

A vantagem de se lançar músicas em nome de artistas falsos está na forma de remuneração do Spotify. O pagamento a artistas é feito por intermediários.

O Spotify paga a grandes gravadoras ou empresas independentes, chamadas agregadoras.

Elas ficam com uma porcentagem da renda das músicas (que não é fixa, depende de cada contrato) e repassam o restante aos artistas.

Empresas como a Epidemic Sound contratam músicos reais pagos por hora de estúdio, que entregam a produção e abrem mão dos direitos.

Em vez de lançar em nome dos artistas de verdade, com quem teriam que dividir o pagamento, algumas dessas empresas inventam perfis e ficam com todo o dinheiro.

Tais perfis aparecem em playlists criadas pelo Spotify.

A maioria é de músicas para realizar atividades corriqueiras (sons para relaxar, para correr, para trabalhar etc). Nelas, os ouvintes não procuram artistas famosos, mas faixas para acompanhar tarefas.

Capa do disco 'Miragem', do artista fake Junior Kobal - Reprodução/Spotify - Reprodução/Spotify
Capa do disco 'Miragem', do artista fake Junior Kobal
Imagem: Reprodução/Spotify

O MBW questionou se o próprio Spotify estava por trás destes perfis falsos, como forma de retornar parte do pagamento de artistas ao caixa da companhia. O Spotify negou.

Em 2022, o jornal sueco Dagens Nyheter (DN) encontrou um esquema ainda maior: uma rede de 656 perfis falsos que publicou 2,7 mil músicas com 15 bilhões de plays no Spotify.

Por trás delas estava o compositor sueco Johan Röhr. As músicas apareciam em 144 playlists oficiais do Spotify.

Julia Levander, diretora de comunicação do Spotify nos países nórdicos, disse ao DN que a empresa não proíbe a presença destes perfis falsos, mas usou outro nome: "pseudônimos".

"Nós não impedimos artistas ou bandas de lançar músicas com seus próprios nomes ou sob vários pseudônimos", disse a diretora.

UOL descobre fakes e roubos

Nos casos revelados pelo MBW e pelo DN, os perfis são de artistas que não existem, mas as faixas publicadas são gravações originais feitas por músicos reais, contratados pelos intermediários.

Playlist do Spotify Stress Relief (alívio para o estresse), que possui artistas fakes  - Divulgação - Divulgação
Playlist do Spotify Stress Relief (alívio para o estresse), que possui artistas fakes
Imagem: Divulgação

A rede de 209 perfis falsos de cantores revelada pelo UOL usa a mesma estratégia das capas genéricas e nomes de artistas que não existem no mundo real.

Mas há um agravante: as músicas são roubadas de compositores sertanejos.

As faixas são "guias", versões de demonstração de composições que estes autores mandam para tentar vender aos artistas sertanejos.

Eles estão descobrindo meses ou anos depois que essas guias aparecem em nome de artistas falsos.

A suspeita é que existam pessoas infiltradas nos canais de WhatsApp de compra e venda de música sertaneja, que vazam as faixas para o Spotify.

Nesse caso, o uso de perfis fake é parte de um esquema de roubo de músicas. Autores que tiveram suas guias desviadas ficam sem saber como reclamar.

Eles tentam procurar as agregadoras desses artistas falsos, que geralmente são empresas estrangeiras que não dão resposta.

Os compositores relatam pouco retorno do Spotify nas tentativas de derrubar as músicas.

Compositora Valéria Costa, que teve composição roubada e publicada no Spotify - Divulgação - Divulgação
Valéria Costa, autora que teve composição inédita roubada e publicada no Spotify por um perfil fake
Imagem: Divulgação

A lei brasileira prevê até quatro anos de prisão a quem viola direitos autorais com a reprodução de uma obra que visa o lucro.

Procurada pelo UOL, o Spotify não comentou o caso dos perfis fakes com músicas sertanejas roubadas e informou que "detentores de direitos podem denunciar conteúdo infrator ao Spotify por meio de nosso formulário".

Questionada sobre o que faz para evitar a entrada do "conteúdo infrator", a empresa respondeu:

"O Spotify depende de nossos provedores de conteúdo para verificar os direitos autorais por trás do conteúdo que eles nos entregam."

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