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Estes cientistas da USP ganharam o Ig Nobel - e celebraram com pelúcia e HQ

Solimary Garcia e Glauco Machado prepararam todo um cenário para receber o Prêmio Ig Nobel - Arquivo pessoal
Solimary Garcia e Glauco Machado prepararam todo um cenário para receber o Prêmio Ig Nobel Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

Rosália Vasconcelos

Colaboração para Tilt, do Recife

17/10/2022 04h00Atualizada em 17/10/2022 12h35

Os pesquisadores Solimary García Hernández e Glauco Machado, vinculados ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), venceram este ano uma das mais polêmicas premiações do mundo acadêmico: o Ig Nobel, dedicado às pesquisas mais inusitadas do ano. No caso deles, sobre escorpiões que passam a vida sem fazer cocô.

Mas note aí que o termo é "inusitadas", e não "inúteis", como muita gente acredita. Para Solimary e Glauco, não há motivo para vergonha. "Talvez esse seja o melhor prêmio que poderíamos ganhar nas nossas carreiras", avalia, com bom-humor, a cientista colombiana.

A dupla já sabia que seria condecorada e se preparou a caráter, com um escorpião de pelúcia e uma mensagem corajosa em meio aos sucessivos cortes de verbas no governo Bolsonaro e à crescente descrença da população na ciência: toda pesquisa é válida e importante.

"As pessoas que reclamam ou não valorizam a ciência são as mesmas que enxergam a academia como um lugar de baderneiros. E possuem uma visão profundamente enviesada e distorcida sobre o que é fazer ciência", afirma Machado.

Pesquisas para rir e refletir

Ao contrário do que algumas pessoas pensam, o Ig Nobel não é o equivalente ao Framboesa de Ouro, que premia os piores filmes do ano.

"Ele é um reconhecimento importante de que mesmo pesquisas aparentemente estranhas ou escatológicas geram conhecimento relevante sobre o mundo", afirma Mercedes Okumura, pesquisadora da USP que participa da comissão do prêmio.

Pois é: o Ig Nobel tem um júri sério e critérios rígidos. Ele é concedido pela revista norte-americana Anais das Pesquisas Improváveis, apenas estudos de alto valor científico, divulgados em revistas relevantes do meio acadêmico, mas que tenham um caráter excêntrico. O lema é "pesquisas que primeiro nos fazem rir? e depois pensar"

"A ideia de que toda pesquisa precisa ter relevância para a sociedade é um caminho perigoso", afirma Machado, orientador de Solimary no mestrado e no doutorado. "Alguns campos são inerentemente teóricos, abstratos e até intangíveis para a maior parte da sociedade. Restringir a importância de uma pesquisa à relevância ou praticidade me parece um recorte muito restrito e injusto dentro do que se faz na academia".

Foi por isso que, quando foi informado, cinco meses atrás, de que receberia o prêmio, Machado percebeu que a oportunidade era "irrecusável".

"O formato bem-humorado tem o potencial de difundir muito mais nosso estudo", afirma. "Desde que ganhamos o prêmio, tenho recebido mensagens de cientistas do mundo inteiro me parabenizando. A ciência se faz também pela curiosidade."

Escorpiões que não defecam - mas sobrevivem

Solmary e Machado focaram em espécies de escorpiões que perdem permanentemente a cauda durante uma ação predatória e passam o resto da vida sem poder defecar. A mutilação foi um viés inédito na análise, mas as principais descobertas vieram do modo como esses animais ainda conseguem se locomover e se reproduzir.

Em meio a mais de 9 mil pesquisas pré-selecionadas, eles foram vencedores na categoria de Biologia. "O Nobel é sempre uma opção, mas nem existe Nobel em Biologia", brinca Solimary.

Para o evento de "entrega" do prêmio, que segue virtual desde 2020, a dupla montou um cenário na sala de Glauco na USP e criaram um escorpião de pelúcia com uma cauda removível.

Não é a primeira vez que eles usam métodos inusitados para tornar a pesquisa mais acessível.

"Em geral, o texto de introdução e conclusão de uma tese na USP é discursivo. Nós queríamos inovar e fizemos uma HQ. Gastamos cerca de três meses, mas conseguimos produzir um material de divulgação que fosse acessível a todo mundo, porque ciência é isso", afirma Machado.

Ao mesmo tempo, os três artigos que compuseram a tese de Solimary foram publicados nos periódicos científicos American Nature, Animal Behavior e Integrative Zoology.

Enquanto ainda fazia seu mestrado sobre aracnídeos, a pesquisadora colombiana Solimary Garcia descobriu que próximo à casa de seus pais, na Colômbia, havia uma "comunidade" de escorpiões, do gênero Ananteris, que perdiam a cauda ao serem capturados. Era uma espécie ainda não identificada pela ciência e por isso foi batizada de Ananteris Solimary.

De volta ao Brasil, ela percebeu que outras espécies do mesmo gênero que aqui viviam tinham o mesmo comportamento.

"Existem duas mil espécies conhecidas de escorpiões no mundo todo. Mas apenas 84 delas, todas do gênero Ananteris e encontradas na América do Sul e Central, possuem esse comportamento bizarro e extremado", detalha Glauco.

"Apesar da perda de parte importante do corpo, descobrimos que machos e fêmeas vivem tempo suficiente para se reproduzir, garantindo assim a sobrevivência da espécie até hoje. E por isso esse comportamento continua sendo mantido pela seleção natural. Entender esse tipo de evolução é muito importante para entender a nós mesmos e a vida no planeta", defende Solimary.

Brasil já venceu antes

Essa não é a primeira vez que brasileiros ganham o prêmio Ig Nobel. Em 2020, o biólogo brasileiro Marco Antonio Correa Varella, também da USP, foi coautor de uma pesquisa que fazia a relação entre desigualdade social dos países e quantidade média de beijos na boca.

Já em 2017, a dupla Fernanda Ito e Rodrigo Torres, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) venceu a categoria Nutrição com um trabalho que analisou o cardápio do morcego-vampiro-de-perna-peluda, por meio dos excrementos do animal; e Rodrigo Ferreira, da Universidade Federal de Lavras (MG), ganhou em Biologia por seu estudo que descobriu um pênis feminino e uma vagina masculina em um inseto que habita cavernas.

Em 2008, Astolfo G. Mello Araújo, da USP, e José Carlos Marcelino, do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, foram reconhecidos na área de Arqueologia pelo trabalho "O papel dos tatus no movimento dos materiais arqueológicos".

Durante essas mais de três décadas, apenas um cientista venceu tanto o Ig Nobel quanto o Nobel, mas em momentos diferentes e com pesquisas distintas. O russo Andre Geim, em 2000, ganhou o prêmio inusitado pelo seu trabalho sobre levitação de sapos através de ímãs. Já em 2010, foi Nobel em Física com uma pesquisa sobre grafeno, um supercondutor de calor.

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