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'Zueira de crente': perfis evangélicos fazem meme com o dia a dia da igreja

A pastora e digital influencer Fabíola Melo, de 27 anos - Arquivo pessoal
A pastora e digital influencer Fabíola Melo, de 27 anos Imagem: Arquivo pessoal
do UOL

João Silva

Colaboração para o TAB

12/11/2020 04h00

Nada de 'crush', o negócio é entre varão e varoa. Nem treta com textão: briga somente com xingamentos como "atribulada de espírito", "perturbadora de Israel" e "mula de Balaão". É assim o repertório de humor crente, que transforma redes sociais em canais de conteúdo com memes, vídeos e frases engraçadas, mostrando como se vive a fé com diversão.

Com centenas e até milhares de seguidores, esses perfis têm ganhado cada vez mais espaço na internet. Chamados de "zueira de crente" e "humor gospel", os canais brincam com o dia a dia das igrejas, comportamento de religiosos e até relacionamento. "Assim posso mostrar para as outras pessoas que também somos gente", brinca o criador de conteúdo Bruno Henrique, 23, administrador da página "A Vida de Crente".

Frequentador da Igreja Batista das Amoreiras em Campinas, no interior de São Paulo, Henrique decidiu investir no perfil em abril, depois de ficar desempregado. Com o início da pandemia, ele perdeu o emprego numa loja de shopping na mesma cidade.

"Tinha lutado para conseguir um emprego. Fiquei bem triste, admito. Eu já tinha essa página, mas não dava muito conteúdo como agora, daí pensei em usar esse tempo para trabalhar nela", escreveu Henrique no perfil, há quatro meses. "Agora agradeço a Deus por me dar essa experiência."

Em entrevista ao TAB, o rapaz diz que objetivo do perfil é "mostrar que nós cristãos sabemos rir, sabemos dançar, pois somos pessoas também". O improviso ganhou outra proporção. Hoje, há quase 28 mil seguidores no perfil do Instagram — a maioria tem entre 18 e 24 anos, segundo o produtor, e mais da metade é mulher. "Não imaginava que ia chegar a isso. Todos os dias eu fico impressionado com a quantidade de pessoas que seguem a página, e eu sou grato a Deus por tudo isso."

O perfil do público é o que pauta os temas dos conteúdos, explica Bruno Henrique. O que "acontece na vida dos cristãos" vira meme: de referências da Bíblia ao comportamento na igreja e de amizade à vida amorosa. Namoro, aliás, é um dos principais assuntos do "eu-lírico" de A Vida de Crente. "É uma das coisas que os jovens mais querem falar", afirma ele, que agora já criou, em paralelo, uma loja virtual para vender camisetas com frases evangélicas e baseadas nas postagens.

Fé e deboche

A "zueira de crente" não só faz evangélico rir e se identificar com os memes, mas também desperta interesse em pessoas de outras religiões. É o que conta o técnico em edificações Gabriel Lima de Sousa, 24, de Brasília, um dos administradores do "Debochados da Bleia" (diminutivo de Assembleia de Deus).

Embora tenha um público majoritariamente protestante, a página criada por Sousa e mais dois amigos é seguida também por católicos, umbandistas e budistas, conta ele. "É incrível tê-los com a gente porque não existe preconceito no perfil."

A ideia da página "é falar de Cristo de uma maneira humorada", explica. E não se trata apenas de fazer piada. "Trabalhando assim, já recebemos depoimentos de pessoas que começaram a se animar mais com a vida e acreditar que ainda existe esperança. Receber esses comentários é tão gratificante quanto ver a página crescendo", completa. No Instagram, o perfil tem 114 mil seguidores.

No deboche dos assembleianos, como são chamados os frequentadores da Assembleia de Deus, uma cena recente de Jojo Todinho servindo almoço para os peões de "A Fazenda", controlando a quantidade de comida em cada prato, foi adaptada para "a irmã da cantina servindo a gente no retiro". E até os estilos coreográficos de cada ministério de dança das denominações evangélicas virou "tema" de vídeo.

De casa para a rede

A falta de conteúdo gospel na internet com linguagem jovem e divertida foi o que levou a pastora e digital influencer Fabíola Melo, de 27 anos, a ter seus próprios canais nas redes sociais. Do YouTube, criado em 2012, ela estendeu a produção para Twitter, Facebook, Instagram e TikTok.

Diferente de "A Vida de Crente" e "Debochados da Bleia", com mais postagem de memes e frases, no perfil de Melo é a mesma quem coloca a cara nos vídeos. Filha de pastor e evangélica desde criança, a influencer diz que não foi preciso ir muito longe para pensar em temas para as criações. "Eu cresci nesse ambiente de igreja. Então, já sei os dilemas e situações engraçadas que todo cristão passa. Por isso, pra mim, fica muito fácil criar. Só passei para o vídeo de forma criativa e engraçada algo que já fazia parte de meu cotidiano."


Como pastora, membro da igreja Poiema Church Fabíola, de Taubaté, Melo usa as postagens para evangelizar e desconstruir preconceitos. "Os vídeos mostram o cristão de uma forma que as pessoas que não têm muito contato conosco não enxergam. As pessoas que não são do ambiente de igreja, nunca foram à igreja ou nunca conheceram de perto um cristão, às vezes têm uma imagem diferente do cristão. Então os memes acabam aproximando as pessoas, no que acreditamos, como chegamos à vida, que somos sim pessoas engraçadas, divertidas, quebrando paradigmas de que o cristão é, em suma, muito sério, fechado."

Além das piadas com situações do culto, de louvor e até de relacionamento, Melo inclui gracinhas com lembranças da escola ou do dia a dia entre irmãos - o que, diz ela, aproxima pessoas não evangélicas à página.

O espaço da graça, porém, requer cuidados, segundo a influenciadora. "É um humor diferente, muito limpo. Nunca é tirando sarro da outra pessoa, diminuindo outra pessoa, mostrando competitividade ou sacaneando alguém. Eu não uso esse tipo de humor. Se precisar zoar alguém, vou zoar a minha pessoa", frisa. "O cristão que vive o verdadeiro evangelho de Cristo ama o próximo, se importa com o próximo."

Em meio ao humor, ainda há espaço para assuntos mais sérios. "Também produzo conteúdos sobre abusos sexuais, por exemplo, que é tema de um livro que escrevi, chamado 'A Culpa Não É Sua', e faço reflexões, converso sobre ansiedade, casamento", diz ao TAB. Não à toa, a maior audiência dela está entre jovens e "pessoas casadas ou que querem casar".

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