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Arábia Saudita quer adestrar trolls da internet

08/08/2020 10h55

Riade, 8 Ago 2020 (AFP) - Nas redes sociais, um exército cibernético de "trolls" sauditas assedia e repreende os críticos, os "traidores" e rivais do reino. São patriotas 2.0 que, fora de controle, podem se tornar problemáticos para o governo, suplantando sua autoridade.

A ascensão dos trolls - internautas que buscam torpedear opiniões, defender um ponto de vista ou certos interesses a todo custo - coincidiu com a do jovem príncipe herdeiro Mohamed bin Salman, que simboliza a transição de um discurso religioso ultraconservador para uma posição nacionalista ofensiva.

Os trolls sauditas, apelidados de "moscas", costumam exibir imagens de seus líderes ou da bandeira do reino como avatares e não hesitam em denunciar internautas às agências de segurança, o que muitas vezes leva a prisões, demissões e assédio.

O ex-conselheiro da corte real Saud al-Qatani foi apelidado de "Sr. Hashtag" ou "Senhor das Moscas", porque ele é suspeito de estar por trás deste exército de trolls que defendem o reino.

Ele foi demitido após o assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi no consulado do reino em Istambul, em outubro de 2018, caso em que seu nome apareceu.

Mas as autoridades parecem querer se distanciar, principalmente por meio da mídia pública que veicula o discurso oficial.

"Essas contas que usam símbolos do Estado e lançam ameaças como se tivessem o apoio do governo, não são perigosos?", questionou um apresentador do canal governamental Al Ekhbariya.

"Dão a impressão de que são um governo paralelo ou até mais forte do que o governo", respondeu o professor universitário saudita Salih al Asimi.

- "Máxima autoridade" -O debate, retomado por outros meios pró-governamentais, é interpretado como uma advertência do governo aos trolls nacionalistas.

"Essas contas fantasmas provaram ser valiosas para a liderança saudita", disse à AFP Annas Shaker, especialista saudita.

"Mas como estão cada vez mais poderosas, o governo quer fazer valer o seu controle e mostrar que é a autoridade máxima", acrescentou.

"O que quer que façamos? Que paremos de defender a nação?", tuitou um troll em reação ao debate de Al Ekhbariya.

Alguns, incluindo um príncipe, adotaram a hashtag "contas nacionalistas são o escudo da nação".

Os trolls sauditas provocam medo generalizado em um país onde a repressão contra ativistas e vozes críticas se intensificou desde que o príncipe herdeiro chegou ao poder.

Huda al Hamud, uma saudita contratada para dirigir um programa do ministério da Educação em 2017, pagou o preço, de acordo com Shaker.

Acusada de ter postado tuítes em favor do Catar, país rival de Riade, foi demitida poucos dias após a nomeação, segundo o especialista.

Para evitar esses problemas, alguns recorrem a falsas explosões nacionalistas.

"Todos os dias, no Twitter, lanço um ou dois insultos ao Catar", disse à AFP um funcionário do governo que pediu anonimato, porque Doha, junto com o Irã, é um dos alvos dos trolls sauditas.

"Não me importo com o Catar, mas ninguém poderá me acusar de ser antipatriota se eu falar contra", explicou.

A Arábia Saudita, que tem o maior número de usuários do Twitter no mundo árabe, foi acusada de tentar manipular o conteúdo da plataforma.

Dois ex-funcionários da empresa americana foram acusados em 2019 de espionar para Riade.

O Twitter suspendeu centenas de contas baseadas no reino, algumas das quais estão "vinculadas ao aparato de mídia pública da Arábia Saudita".

Mas alguns trolls são difíceis de adestrar e podem se voltar contra o regime quando o país entrar em uma onda de austeridade devido à nova crise do coronavírus e à queda dos preços do petróleo.

"O sentimento nacionalista fomentado pelo Estado pode ter criado um cavalo de Troia", disse à AFP Eman Alhussein, do Arab Gulf States Institute, com sede em Washington.

"Essas contas podem se tornar um desafio para o Estado", alerta o analista.

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