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"Bruxas de Guaratuba": Por que morte do menino Evandro em 92 ainda causa interesse

O menino Evandro Ramos Caetano, que desapareceu em abril de 1992 - Reprodução
O menino Evandro Ramos Caetano, que desapareceu em abril de 1992 Imagem: Reprodução
do UOL

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL

21/04/2019 04h00

Quando tinha por volta de 19 anos, Ivan Mizanzuk viajava com amigos pelo balneário paranaense de Guaratuba. Ao passarem diante de uma casa, uma amiga apontou para o local e disse: "era aí que moravam as bruxas".

O comentário foi suficiente para despertar no grupo as lembranças de um crime marcante para o imaginário popular do Paraná. "Me deu um 'flash', e lembro que rolaram papos do tipo 'elas matavam as crianças e enterravam no quintal de casa'", conta Mizanzuk. "Pensei: que loucura, não é possível que aquilo tivesse acontecido de verdade. Preciso entender esta história melhor."

E entendeu. Hoje, aos 35 anos, Mizanzuk pode dizer que é uma das pessoas que mais sabem a respeito do caso envolvendo o menino Evandro Ramos Caetano. Em abril de 1992, aos 6 anos de idade, ele desapareceu em Guaratuba. Seu corpo foi encontrado poucos dias depois em um estado deplorável: sem as vísceras, o couro cabeludo, as mãos, entre outros detalhes macabros.

Os 15 episódios do podcast documental "O caso Evandro", produzido por Mizanzuk, estão hoje entre os mais baixados do país: a expectativa é que atinjam um milhão de downloads até o início de maio nas várias plataformas onde está disponibilizado. Além disso, darão origem a um livro a ser publicado pela editora Harper Collins Brasil no ano que vem.

À época do crime, sete pessoas foram presas acusadas pelo rapto e assassinato do garoto, incluindo a então primeira-dama da cidade Celina Abagge e sua filha, Beatriz Abagge. O primeiro júri do caso, em 1998, durou 34 dias e até hoje é o mais longo da história do Brasil. Ou seja, mais demorado que casos mais famosos e supostamente mais complexos, como o do Massacre do Carandiru, em São Paulo. E não, o caso não foi resolvido naquele ano. Por diferentes motivos ele se arrastou em vários júris até recentemente.

Assista ao trailer de "O Caso Evandro"

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"Acho que a história (do Evandro) foi muito coberta e alardeada, mas não foi contada da maneira certa", diz Mizanzuk. "Eu penso neste podcast quase como em um exercício estético. Se você pesquisar sobre o crime na internet, encontra um monte de informação pingada aqui e ali. Mas faltava o todo. Você tinha um caso muito complexo, que durou muito tempo, mas que até hoje não havia sido contado da maneira que acho importante", explica. "Daí vem a vantagem do podcast. Se eu fosse contar esta história em vídeo, precisaria de um orçamento milionário."

De fato, Mizanzuk não escolheu um "furo de reportagem" ou uma história pouco documentada para contar. Ao longo dos anos 90, o caso Evandro foi amplamente noticiado, inclusive por veículos de outros estados. Chegou a render o Prêmio Esso de jornalismo à repórter Vania Mara Welte em 1996 pela série de reportagens "As Bruxas de Guaratuba" (publicadas pelo extinto jornal curitibano Hora H).

O jornalista Ivan Mizankuk - Reprodução - Reprodução
O jornalista Ivan Mizankuk
Imagem: Reprodução

Mizanzuk acertou mesmo em cheio na maneira como costurou as pontas da história. O tal do "storytelling". Afinal, em plena era das imagens e da enorme dificuldade das pessoas em manter o foco, ele conseguiu a proeza de fazer milhares de ouvintes prestarem atenção em episódios de até duas horas de duração cheios de personagens e informações.

"Costumo dizer para as pessoas que reclamam da duração dos episódios: se você acha que está longo demais, pause e continue ouvindo depois", diz Mizanzuk. "As pessoas precisam entender que é uma história real. Ou seja, se eu deixar de contar uma parte, vão dizer que estou sendo tendencioso."

Formado em design gráfico, Mizanzuk fez mestrado em ciências da religião e doutorado em história do design brasileiro. Sempre gostou de escrever, é fã de histórias em quadrinhos e frequentou diversas oficinas de escrita criativa. Dá aula de história da arte e arquitetura na PUC do Paraná. Apesar do sucesso do "Caso Evandro", já era conhecido por muitos fãs de podcast por conta do AntiCast, comandado por ele desde 2011. À princípio um podcast sobre design, foi abarcando outros temas e hoje fala principalmente sobre política, história, arte e cultura digital.

O "Caso Evandro", aliás, é a quarta temporada de uma produção paralela do AntiCast chamada "Projeto Humanos". As outras três não tratam de crimes e, segundo Mizanzuk, não tiveram uma audiência ruim: a temporada de Evandro é que teve desempenho "muito fora da curva".

Seu formato narrativo emula o modo norte-americano de investigar e contar histórias sobre crimes e assassinatos. Sucesso consolidado nas telas, essa tradição migrou para os podcasts. Lançado em 2014, "Serial" mudou os paradigmas referentes a este tipo de entretenimento nos EUA ao alcançar 40 milhões de downloads ao final de sua primeira temporada.

"De certa maneira, eu segui a linha da Sarah Koenig [jornalista criadora de 'Serial'], de ir contando o caso na medida em que vou descobrindo as coisas", explica Mizanzuk.

Acontece de eu estar fazendo um episódio sobre tal assunto, me fazer uma pergunta, procurar nos autos e começar toda uma nova linha de narrativa.

Essa maneira de trabalhar pode soar estranha a quem ainda não conhece nada sobre o caso, mas aqui é preciso esclarecer o seguinte (e dar um aviso de spoiler): você pode ter certeza que a história envolvendo o crime é muitíssimo mais estranha, intrincada e bizarra do que você está imaginando. Envolve trama política, acusações de tortura, supostos rituais satânicos, policiais no mínimo suspeitos, dúvidas a respeito da identidade do cadáver, suicídio e até uma espécie de "doppelganger".

E o mais importante de tudo para uma boa história: personagens absolutamente indecifráveis, com várias camadas de personalidades. Mizanzuk entrevistou algumas figuras-chaves da história, mantém algum tipo de contato com outras delas, mas garante que por enquanto não teve maiores problemas, como processos ou ameaças.

"Se fosse para um dos envolvidos no crime me atormentar, tem gente que eles atormentariam muito mais do que eu", acredita. "Porque este caso já teve de tudo no passado. Tanta coisa sendo dita e publicada, e as pessoas estão vivas e não sofreram processos milionários, que tive uma certa segurança para fazer meu trabalho."

A própria Beatriz Abagge apareceu no fórum Reddit dias desses para conversar com frequentadores e elogiou a imparcialidade do Ivan.

Mizanzuk, porém, sabe muito bem onde está se metendo, e que "O Caso Evandro" está apenas na metade. "Até hoje não tive problemas. Mas pode ser que saia um episódio e alguém fique puto". Além disso, ele tem, sim, uma opinião pessoal sobre o caso.

Garante que a revelará no capítulo derradeiro.

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