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Baseado em "fatos reais": As mentiras que os filmes do Oscar contam

Rami Malek em "Bohemian Rhapsody" (2018) - Divulgação
Rami Malek em "Bohemian Rhapsody" (2018) Imagem: Divulgação
do UOL

Caio Coletti

Colaboração para o UOL

21/02/2019 04h04

"Esta história foi baseada em fatos reais". Quando a famosa frase surge no começo de um filme, nem sempre ela significa que tudo o que acontece na tela ocorreu mesmo na vida real. Hollywood sempre "emprestou" histórias verdadeiras e as distorceu para efeitos dramáticos, e os filmes do Oscar 2019 não são exceção.

Cinco dos oito títulos que disputarão a estatueta de melhor filme no próximo domingo são inspirados em histórias reais. De biografias de astros do rock ("Bohemian Rhapsody") a retratos de intrigas da nobreza britânica do século 18 ("A Favorita"), apenas um deles ("Vice", inspirado na vida do ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney) não enfrentou reclamações sérias de distorções históricas.

Confira as mentiras que estes filmes contam: 

Trailer de "Bohemian Rhapsody"

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"Bohemian Rhapsody"

Os membros do Queen, biografado no filme, desempenharam papel ativo na produção, mas "Bohemian Rhapsody" saiu com vários "detalhes" bem diferentes da história real.

  • A formação da banda: Freddie Mercury não foi a um show da banda Smile, formada por Brian May e Roger Taylor antes do Queen, e simplesmente se ofereceu para ser o vocalista. Ao invés disso, durante os anos 1960, Mercury compareceu a várias apresentações da Smile e infernizou os dois membros fundadores para fazer parte da formação, algo que só aconteceu de fato em 1970, com a saída do vocalista original, Tim Staffel. Além disso, o baixista John Deacon não foi o primeiro músico contratado para a posição pelo Queen, como o filme mostra -- três outros instrumentistas tocaram com a banda antes dele.
  • O começo de duas histórias de amor: Freddie Mercury não conheceu Mary Austin nem Jim Hutton das formas como o filme mostra. No caso de Austin, ela chegou a namorar o companheiro de banda do vocalista, Brian May, antes de engatar romance com Freddie. Já o primeiro encontro com Hutton não foi como garçom em uma festa na mansão de Freddie, como o filme implica. Hutton nem mesmo trabalhava como garçom: ele era cabeleireiro, e os dois se encontraram em uma boate. Hutton ficou com Mercury até sua morte, em 1991.
  • O diagnóstico: Freddie não descobriu o HIV antes do show do Live Aid, em 1985, onde o filme termina. Embora a data ainda seja disputada por muitos biógrafos do cantor, a maioria deles aponta que Mercury não sabia do seu diagnóstico até 1986 ou 1987.
  • A separação: O Queen nunca teve realmente uma grande briga e um período de separação, e nada indica que os membros restantes da banda ficaram mesmo irados com Mercury quando ele assinou contrato para lançar álbuns solo  -- mesmo porque, na época, Roger Taylor já havia feito o mesmo. Ao invés disso, o Queen teve um breve "hiato" de alguns meses em 1983, retomando atividades pouco depois e lançando o disco "The Works" no ano seguinte. Tudo antes da apresentação do Live Aid, que não foi, como retratado no filme, uma "reunião" da banda.
  • E o Brasil? Por falar em "The Works", foi na turnê mundial deste disco, de onde saíram os hits "Radio Ga Ga" e "I Want To Break Free", que o Queen acabou passando pelo Rock in Rio. O lendário show ocorreu em 1985, mesmo ano do Live Aid, mas no filme a cronologia é alterada e a apresentação vem bem antes.

Trailer de "A Favorita"

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"A Favorita"

O filme de Yorgos Lanthimos aborda a história da Rainha Anne (Olivia Colman), soberana do Reino Unido durante o século 18, e das duas conselheiras que disputam sua preferência romântica: Abigail (Emma Stone) e Sarah (Rachel Weisz). "A Favorita" derrapa um pouco na precisão histórica para fazer sua trama ficar um pouco mais apimentada:

  • Anne era lésbica/bissexual? Os rumores existiam na época, segundo a historiadora Anne Somerset, mas provavelmente eram só rumores mesmo. Segundo ela, a Rainha Anne era conhecida por sua devoção ao marido, o Príncipe George, que é excluído do filme, apesar de ter morrido apenas em 1708 -- mais de um ano depois de Abigail chegar ao palácio e se tornar protegida da rainha. Visto que Anne famosamente não deixou a cabeceira do marido durante toda a sua longa doença, é difícil imaginar a rainha conseguindo consumar quaisquer atrações que sentia por Abigail ou Sarah.
  • Rivalidade exagerada: É verdade que Abigail e Sarah disputaram a confiança da rainha durante um tempo, e que Abigail acabou prevalecendo, levando a outra a ser expulsa do palácio. No entanto, o filme não só inventa um triângulo amoroso para incrementar esta disputa, como cria também uma tentativa de envenenamento, que deixa Sarah com uma grande cicatriz no rosto -- o que nunca aconteceu na vida real.
  • Nada de coelhinhos: No filme, Anne tem nada menos do que 17 coelhos em seu quarto, cada um representando um dos bebês que ela perdeu durante a gestação ou que morreram com pouco tempo de vida. Embora a trágica histórica por trás dos coelhinhos seja verdade, eles nunca realmente existiram. Hannah Greig, que trabalhou como consultora histórica no filme, crava o motivo: "Coelhos não eram animais de estimação naquela época. Ou viravam comida, ou eram vistos como perigosos disseminadores de doenças".

Trailer de "Green Book - O Guia"

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"Green Book: O Guia"

Um dos indicados mais polêmicos do Oscar 2019, "Green Book: O Guia" conta a história real de Don Shirley (Mahershala Ali), pianista negro que contrata Tony Lip (Viggo Mortensen) como motorista para uma turnê do sul dos EUA, região conhecida até hoje (mas mais ainda nos anos 60) por suas atitudes e políticas racistas.

O filme provocou a ira da família de Shirley, que disputou a versão dos fatos apresentada pelo roteiro, escrito por um dos filhos de Tony Lip. Veja algumas discrepâncias:

  • Começando pelo carro: Maurice Shirley, o único irmão vivo do pianista, enviou uma carta para publicações norte-americanas contradizendo vários detalhes do filme, começando por um aparentemente pequeno: "O meu irmão nunca teve um Cadillac verde, foi sempre uma limusine preta".
  • Shirley sempre foi próximo da família (e de sua herança racial): O filme retrata o pianista como um homem sofisticado, mas solitário, que para ser respeitado pela sociedade se afastou de suas raízes mais humildes e de sua família. Segundo Maurice, isso nunca aconteceu: Don foi padrinho do seu casamento em 1964, apenas dois anos depois dos eventos mostrados em "Green Book", e nunca rejeitou marcadores culturais da comunidade negra. O irmão do pianista refutou especialmente a cena em que Tony Lip convence Shirley comer frango frito, um prato normalmente associado com a população afro-americana, pela primeira vez -- segundo Maurice, o musicista sempre consumiu a iguaria. 
  • Amigos? Nem tanto: O irmão de Don Shirley foi categórico ao dizer que o pianista não considerava Tony Lip "um amigo pessoal", e sim um empregado com quem tinha relações amigáveis. Ele também diz que toda a sequência clímax do filme, em que Shirley toma a direção do carro para que Tony consiga passar a noite de Natal com a família, e depois se junta a eles para a ceia, foi provavelmente fabricada.

Trailer de "Infiltrado na Klan"

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"Infiltrado na Klan"

Spike Lee aceitou a proposta de dirigir "Infiltrado na Klan" quando soube das origens reais de sua inacreditável história: Em plenos anos 1970, o policial negro Ron Stallworth (John David Washington) infiltrou-se na organização racista Ku Klux Klan no interior dos EUA. Lee e seus colegas roteiristas adicionaram um pouco de tempero à realidade, no entanto:

  • Parceiro diferente: No filme, Ron recebe a ajuda de Flip (Driver), um colega judeu (outro grupo discriminado pela organização), para se infiltrar na KKK. Na realidade, Stallworth contou com a parceria de um policial branco chamado Chuck, que não tinha herança judaica. Toda a sequência em que Flip passa por um detector de mentiras para se juntar à Ku Klux Klan também foi fabricada para o filme, assim como algumas das outras cenas de ação.
  • Nada de explosões (nem romances): "Infiltrado na Klan" tomou liberdades com a história real para criar um clímax empolgante, em que Ron persegue a mulher de um dos membros da KKK enquanto ela tenta plantar, por ordens do marido, uma bomba no carro da namorada do policial, Patrice (Laura Harrier). Tanto o ato terrorista quanto o romance entre Stallworth e Patrice foram criados especialmente para o filme, embora o policial tenha mesmo apreendido materiais explosivos com membros da KKK durante sua investigação.
Errata: este conteúdo foi atualizado
Ao contrário do que era dito no artigo, o filme "Bohemian Rhapsody" não dá a entender que Freddie Mercury foi sem querer a um show da banda Smile, formada por futuros músicos do Queen. A informação foi corrigida.

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