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Marcelo Gomes reflete sobre tempo e neoliberalismo no Berlinale

09/02/2019 14h16

Elena Garuz

Berlim, 9 fev (EFE).- O cineasta brasileiro Marcelo Gomes estreia neste sábado no Berlinale com o filme "Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar", uma reflexão sobre o tempo, o processo neoliberal "no qual cada um é escravo de si mesmo" e um encontro com sua memória afetiva.

A ideia deste documentário nasceu a partir de uma viagem de Gomes pela região de Agreste, passando por Toritama, que conhecia de sua infância, e do quão impressionado ficou com os imensos cartazes que promovem essa cidade como "a capital do jeans", explicou o diretor em entrevista à Agência Efe.

Em Toritama, com cerca de 40 mil habitantes, são produzidas por ano cerca de 20 milhões de calças jeans e junto às grandes fábricas, as pessoas da cidade criaram em seus pátios e garagens os próprios negócios como pequenos empresários autônomos.

Lá contam a história que sua gente, que trabalha o ano todo, para para a folga de carnaval, quando vendem tudo o que foi acumulado para uma semana de descanso.

"E essa história me encantou, porque eu gosto de fazer filmes sobre coisas que não compreendo bem. Não entendia bem se era uma transgressão contra o capitalismo, se era o desespero ou se era uma coisa sem pensar", diz.

Gomes conhece, além disso, a região da qual provém a sua família, mas de onde seus pais decidiram sair para tentar a vida na capital antes do nascimento do cineasta, o mais novo de seis filhos.

Marcelo é, portanto, "um filho da migração", e viveu toda sua infância ouvindo histórias do que tinha sido a vida no Agreste, que conheceu quando era criança e viajava com seu pai por motivos de trabalho.

A decisão de rodar o documentário, que se projeta dentro da seção Panorama, a segunda em importância do festival, se deve a três razões, afirmou.

Primeiro, estava o desejo de pesquisar por que essas pessoas estavam tão desesperadas para curtir o carnaval, depois o reencontro com sua memória afetiva de infância e, por fim, o fato de que, aos 50 anos, estava começando a refletir sobre o que estava fazendo com o seu tempo, para o que dedica a vida e o trabalho.

Quando viu a Toritama atual, que passou de "uma cidadizinha de nada" a uma cidade industrial, o que lhe interessou não foi tanto a mudança urbanística, mas a transformação de sua gente.

Marcelo descobriu que hoje em dia o lazer já não existe, que as pessoas estão contentes de trabalhar e descansar o corpo para o dia seguinte, com a esperança de que isso lhes permite consumir.

"Talvez esta seja a fase mais cruel do neoliberalismo", apontou.

A chegada da industrialização a Toritama, uma zona muito pobre, supôs para seus cidadãos uma solução para os problemas financeiros mais básicos, mas destruiu a vida e esta "autonomia" que aparentemente conquistaram é uma "falácia", porque "qual liberdade é essa que tira a minha vida porque tenho que trabalhar", disse.

"O filme fala de uma cidadizinha perdida no Brasil que produz muitos jeans, mas também está falando de nós, da nossa vida, do nosso dia a dia. Essa nova fase do neoliberalismo está aí para todos nós", advertiu.

Para Gomes, é "impressionante como o passado da revolução industrial se encontra com o futuro", no que talvez seja "uma enorme Toritama". Dedicamos nossa vida a trabalhar, competindo com o vizinho nesta guerra "neoliberal" na qual as relações sociais acabaram.

"Em Toritama é possível ver as feridas provocadas por um processo de desenvolvimento econômico tão forte em uma região tão pobre. Talvez na China, no Paquistão e na Índia tenha ocorrido o mesmo, mas lá não há carnaval", lembrou. EFE

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