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Carnaval 2019

Conheça a primeira cadeirante a concorrer a Deusa do Ébano do Ilê Aiyê

Josy Brasil, a primeira cadeirante a concorrer a Deusa do Ébano do Ilê Aiyê - Arquivo Pessoal
Josy Brasil, a primeira cadeirante a concorrer a Deusa do Ébano do Ilê Aiyê Imagem: Arquivo Pessoal
do UOL

Alexandre Santos

Colaboração para o UOL, em Salvador

02/02/2019 04h00

Após 14 anos vivendo na Itália, Josimare de Cristo Reis, 33, acaba de regressar às origens para protagonizar um feito inédito: tornar-se a primeira cadeirante a disputar o título de Deusa do Ébano do Ilê Aiyê, um dos mais tradicionais blocos afro do Carnaval de Salvador.

Tão logo desembarcou na capital baiana, em julho de 2018, a comunicóloga, também conhecida como Josy Brasil, inscreveu-se na disputa, ensaiou algumas vezes e participou da fase seletiva do certame, no dia 12 de janeiro.

Concorreram, no total, mais de 100 candidatas. Josy não ficou entre as finalistas, mas diz ter saído da Senzala do Barro Preto -sede do Ilê- com uma certeza: assim como "o mais belo dos belos", pôde representar ali a trajetória de luta e resistência da mulher negra e cadeirante num país veladamente racista e preconceituoso.

"Infelizmente, existe o preconceito do negro em nosso país, um país negro, mestiço, mulato. Ser mulher negra e, acima de tudo, cadeirante é uma responsabilidade muito grande. Uma responsabilidade tripla, eu diria. Assim é o Ilê. O Ilê resiste porque existe e existe porque resiste. E o seu maior ideal é elevar a autoestima da nossa raça", define.

Soteropolitana de nascimento, Josy conta que sua imersão na dança, curiosamente, não se deu na terra natal -hoje reconhecida pela Unesco como Cidade da Música. Tal contato, segundo ela, só teve início após se mudar para o país europeu, aos 19 anos -quando ela ainda não era cadeirante.

"Quando eu cheguei à Itália, trabalhei num restaurante brasileiro em que um grupo de bailarinos perguntava o porquê de eu não dançar. Eu dizia que era muito tímida, que não conseguiria colocar nem sequer um biquíni de samba carnavalesco para um evento. Eu tinha uma cabeça muito fechada. Logo depois, vi que as coisas lá eram muito diferentes e comecei a me dar a oportunidade de conhecê-las. Foi aí que me apaixonei pela dança e passei a trabalhar como dançarina profissional", descreve Josy, que, em paralelo aos estudos na Universidade de Bergamo, fez as vezes de garçonete, babysitter, promoter, dentre outras funções.

"Mas ensaiei muito antes. Ia aos ensaios dos grupos brasileiros com os quais comecei a fazer shows pela Europa. Fiquei fixa em alguns deles, dançando música brasileira. Depois, aprendi salsa e todos os outros ritmos", acrescenta a comunicóloga. "Eram show folclorísticos, com uma vasta mistura de ritmos: frevo, lambada, capoeira, Carmem Miranda."

Mesmo dominando diferentes gêneros, principalmente o samba, à então passista faltava aproximar-se da dança afro, o que só foi possível durante as férias na Bahia.

"Eu fazia aulas particulares com professoras, amigas ou conhecidas bailarinas que dançavam bem aqui em Salvador", recorda.

Acidente só aumentou amor pelo Ilê

Um acidente automobilístico em 2017 deixou Josy paraplégica. Naquele ano, a dançarina morava em Bergamo e, segundo conta, decidiu que, quando retornasse ao Brasil, disputaria o posto de rainha do Ilê.

"Voltei bem no período que iria abrir as inscrições. Então, falei: 'Gente, esse é um dos meus sonhos. Será que ele não pode se tornar realidade agora?'", revela a dançarina.

Os familiares ficaram surpresos. "Falaram: 'O quê? Você vai participar do quê?'. Minha família não era muito a par da história. Tive que mostrar para eles o que era o Ilê Aiyê e o que ele representa para a negritude brasileira e internacional, porque tem muitas referências", diz.

"Era uma ideia minha, de muitos anos. Mesmo na cadeira de rodas, decidi encará-la e tive o apoio de todos", assinala Josy.

"Sei que hoje é totalmente diferente. As pernas perdem um pouco das curvas. O músculo atrofia. Mas todas essas questões me fazem a cada dia mais resistente. Não é fácil, mas levo minha vida adiante, sem tristeza nem nada que me deprima ou me deixe mal. Que o otimismo sempre permaneça comigo."

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