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Decisão sobre PJs expõe 'guerra de tribunais' e afeta milhares de processos

O Ministro Gilmar Mendes, do STF - Evaristo Sá/AFP
O Ministro Gilmar Mendes, do STF Imagem: Evaristo Sá/AFP

Do UOL, em São Paulo

16/04/2025 11h16Atualizada em 19/04/2025 01h30

A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes, que suspendeu todos os processos que tratam da pejotização, afeta milhares de ações em tramitação na Justiça e expõe um embate entre o STF e a Justiça trabalhista, dizem advogados ouvidos pelo UOL.

Milhares de processos afetados

Decisão desconsidera direito à Justiça, diz advogado. "O impacto da decisão é muito ruim. São milhares de processos na Justiça do Trabalho nesse tema. Entendo o valor da segurança jurídica, mas a decisão se choca com o direito de acesso à Justiça e o princípio da celeridade processual. Milhares de trabalhadores terão seus processos suspensos", diz Bruno Freire, professor de direito processual do trabalho na UERJ e fundador do Bruno Freire Advogados.

Justiça do Trabalho tinha quase 460 mil ações sobre reconhecimento de relação trabalhista em 2024. O dado é da ANPT (Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho). Ainda segundo a entidade, o MPT (Ministério Público do Trabalho) tem 4.700 inquéritos civis em aberto, que investigam fraude na contratação de trabalhadores.

Decisão tem "viés desrespeitoso" e alimenta sanha por redução de direitos, diz associação. Em nota pública, a ANPT disse que ministros do STF têm alimentado a busca por redução dos direitos sociais e da proteção trabalhista. Já a Comissão de Direitos Sociais e Trabalhistas da OAB/MG divulgou nota em conjunto com outras duas entidades em que manifestou "perplexidade" com as colocações do ministro.

Há muito alguns ministros do STF se debruçam sobre a legislação trabalhista e sobre a Justiça do Trabalho com um viés desrespeitoso e, quiçá preconceituoso, alimentando a sanha reducionista de direitos sociais e lançando à margem da proteção trabalhista os falsos autônomos, parceiros, pejotizados, plataformizados e demais contratados sob qualquer roupagem de direito civil, ajudando a estigmatizar o empregado celetista, hoje sob a alcunha de "colaborador".
ANPT, em nota pública

Medida vai permitir ter segurança jurídica, diz advogada. Para Silvia Pellegrini, responsável pela área trabalhista do escritório Feijó Lopes, ainda que paralise as ações, a medida é positiva, pois vai permitir segurança jurídica no tema. "Há entendimentos muito diferentes em alguns casos, e a decisão do ministro Gilmar vem no sentido de buscar uma uniformidade. As decisões conflitantes são ruins para ambas as partes", diz.

Embate com TST

A decisão de Gilmar Mendes expõe um embate entre STF e TST (Tribunal Superior do Trabalho). "O STF validou a constitucionalidade e a licitude da terceirização da atividade fim e validou que a CLT não é a única forma de divisão do trabalho. Mas os tribunais trabalhistas não acolhem essa tese. Com os dois tribunais em guerra, as pessoas começam a entrar com recursos no STF contra decisões do TST, dizendo que o tribunal trabalhista não está respeitando a sua decisão", diz Tatiana Junqueira Ruiz, sócia da área trabalhista do Petrone Garcia Pavoni Advogados.

Existe uma distorção na aplicação do entendimento do STF. Para Bruno Freire, da UERJ, não há divergência da Justiça trabalhista em relação à decisão do STF. "O que há é uma distorção na aplicação do entendimento do STF. Existe liberdade de contratação, mas se tiver fraude, ela tem que ser examinada, e isso é competência da Justiça do Trabalho", diz.

Supremo vai definir se tema continua a ser analisado pela Justiça do Trabalho. Pela decisão de Gilmar Mendes, o STF vai definir alguns pontos-chave sobre o tema. Um deles é se esse tipo de discussão deve ser analisada pela Justiça trabalhista. Ou se, por serem contratos civis de prestação de serviços, caberia a outra instância da Justiça julgar as ações.

Para associação, a possibilidade de retirada do tema da Justiça do Trabalho é uma "tentativa de desqualificação institucional". Em nota de repúdio, a Abrat (Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista) "condena a tentativa de desqualificação institucional e o desrespeito à competência constitucional" da Justiça do Trabalho.

Outro ponto a ser discutido no STF é a legalidade da contratação como PJ. Há a expectativa de que o Supremo deixe mais claro em quais condições essa contratação é permitida. A Corte vai decidir ainda quem tem o ônus da prova nesse tipo de ação.

Legislação atual define que tipo de trabalhador pode ser contratado como PJ. Pela lei, trabalhadores com ensino superior e salário igual ou acima de duas vezes o teto da previdência - o que hoje significa cerca de R$ 16,3 mil - são considerados hipersuficientes, ou seja, têm autonomia para negociar com a empresa e podem ser contratados como PJ. "Não é fim da CLT. O chão de fábrica, os empregados sujeitos a controle de jornada, vão continuar sendo CLT", diz Tatiana Junqueira Ruiz, do Petrone Garcia Pavoni Advogados.

Entenda

Gilmar Mendes suspendeu processos em curso que tratam do tema da pejotização. A suspensão afeta todos os processos que discutem a legalidade da contratação de trabalhador autônomo ou PJ (pessoa jurídica) para prestação de serviços e vale até o julgamento definitivo do tema.

Ministro diz que há "reiterada recusa" da Justiça trabalhista em aplicar a orientação do STF sobre o tema. Na decisão, o ministro diz que parcela significativa das reclamações em tramitação no STF "foram ajuizadas contra decisões da Justiça do Trabalho que, em maior ou menor grau, restringiam a liberdade de organização produtiva".

Esse fato se deve, em grande parte, à reiterada recusa da Justiça trabalhista em aplicar a orientação desta Suprema Corte sobre o tema. Conforme evidenciado, o descumprimento sistemático da orientação do Supremo Tribunal Federal pela Justiça do Trabalho tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica, resultando na multiplicação de demandas que chegam ao STF, transformando-o, na prática, em instância revisora de decisões trabalhistas.
Gilmar Mendes, ministro do STF, em decisão

Após a reforma trabalhista de 2017, o STF decidiu que é permitida a terceirização da atividade fim de uma empresa. Antes, o entendimento era de que somente atividades secundárias ao negócio poderiam ser terceirizadas. Segundo o ministro Gilmar Mendes, a Justiça do Trabalho não tem respeitado essa decisão do Supremo.

Objetivo da paralisação é tomar uma decisão que sirva de orientação para todos os processos. Agora, o assunto será analisado pelo STF com repercussão geral, ou seja, o resultado deverá ser seguido por todos os tribunais que julgarem a mesma questão.

Houve aumento da procura pelo STF para casos envolvendo pejotização. Gilmar destacou que a controvérsia sobre o tema "tem gerado um aumento expressivo do volume de processos que têm chegado ao STF, especialmente por intermédio de reclamações constitucionais".

Em 2024, a Corte recebeu mais de 2 milhões de novos processos desse tipo. É um recorde desde a aprovação da reforma trabalhista em 2017 e uma alta de 14,1% em comparação com 2023.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o significado correto da sigla STF é Supremo Tribunal Federal.

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