Topo
Notícias

R$ 45 bi: Lula conta com empresas da Lava Jato para retomar indústria naval

Estaleiro Rio Grande vai entregar quatro navios para a Transpetro. Empresa pertence à Ecovix, antiga Engevix, denunciada na Lava Jato - Matheus Vieira/Ecovix
Estaleiro Rio Grande vai entregar quatro navios para a Transpetro. Empresa pertence à Ecovix, antiga Engevix, denunciada na Lava Jato Imagem: Matheus Vieira/Ecovix

Do UOL, em São Paulo

18/02/2025 16h20

Abandonada pelos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), a indústria naval brasileira vem sendo retomada pelo governo Lula (PT), que já aprovou investimentos de R$ 45 bilhões para construir embarcações no Brasil, como navios, submarinos, balsas e plataformas de petróleo. Para retomar essa indústria, o governo espera contar com a volta de diversas empresas que ocuparam o setor em seu auge, em 2014, quando a Operação Lava Jato enquadrou algumas delas, que cancelaram obras contratadas pela Petrobras e demitiram em massa.

O que aconteceu

Na segunda-feira (17), Lula foi até Angra dos Reis (RJ) lançar uma licitação. As empresas interessadas terão três meses para apresentar uma proposta para fornecer oito navios para a Petrobras triplicar o transporte de gás liquefeito de petróleo, o GLP.

Lula retoma investimentos após o abandono dessa indústria nas gestões passadas. O governo aprovou R$ 45 bilhões para 1.300 projetos nos últimos dois anos, 70% mais do que o projetado entre 2019 e 2022. Só no ano passado, foram firmados R$ 5,3 bilhões em contratos, o maior volume desde 2012.

Outros projetos também estão saindo do papel. No ano passado, foram fechadas 415 obras para navegação no interior do Brasil, por meio de hidrovias. Serão R$ 4 bilhões para construir 400 balsas e 15 empurradores (embarcações que movimentam barcaças) para transporte de minérios de ferro e manganês.

Lula já participou da entrega de um navio de guerra. Lançada em agosto do ano passado, a Fragata Tamandaré é o primeiro de quatro navios que vão renovar a frota de esquadra da Marinha, um gasto de R$ 9 bilhões.

fragata tamandaré - Ricardo Stuckert/Presidência da República - Ricardo Stuckert/Presidência da República
Fragata Tamandaré: Com 107 metros de comprimento e mais de 3 mil toneladas de peso, navio da Marinha tem capacidade para 130 marinheiros
Imagem: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Bancos estatais vão financiar a retomada dessa indústria. As empresas que vencerem as licitações poderão contratar financiamento com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Banco do Brasil, Caixa Econômica e Banco da Amazônia, segundo Resolução do Conselho Diretor do Fundo da Marinha Mercante. Outra ajuda será a isenção fiscal para novos estaleiros —as instalações onde os navios são construídos e consertados.

lula durante lançamento de licitação para compra de oito navios com - Ricardo Stuckert/Presidência da República - Ricardo Stuckert/Presidência da República
17.fev.2025 - Lula durante lançamento de licitação para compra de oito navios para a Petrobras com capacidade para até 14 mil metros cúbicos de GLP
Imagem: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Empreiteiras e empregos de volta?

O governo espera que a retomada dessa indústria empregue cada vez mais gente. A expectativa da Frente Única dos Petroleiros é que 44 mil empregos sejam criados nos estaleiros até o final do ano que vem, mais que dobrando o número de vagas ocupadas em dezembro do ano passado, quando 32 mil trabalhavam no setor.

Para isso, o governo precisa atrair as empreiteiras que foram alvo da Operação Lava Jato. Em 2023, o presidente da Transpetro, Sérgio Bacci, foi ao TCU (Tribunal de Contas da União) e à CGU (Controladoria Geral da União) para discutir essa possibilidade. Hoje, só a Odebrecht Ambiental e a Schahin Engenharia (hoje Base Engenharia) estão impedidas de negociar com a Petrobras.

As outras já foram reabilitadas após colaborarem com autoridades e terem suas penas amenizadas. Essas empreiteiras são donas de estaleiros como EAS (que pertence à Camargo Corrêa e Queiroz Galvão), Enseada (Novonor, ex-Odebrecht), Sinergy (dona do Estaleiro Eisa), Ecovix (Engevix), QGI (Queiroz Galvão), Mauá (do grupo Synergy) e Keppel.

Uma delas já fechou negócio. Em novembro do ano passado, o Estaleiro Rio Grande foi o único a fazer proposta na primeira licitação da Transpetro (controlada pela Petrobras) no governo Lula para comprar quatro navios. De propriedade da Ecovix —antiga Engevix, denunciada na operação—, o estaleiro cobrou US$ 278 milhões pelas embarcações, cerca de R$ 1,5 bilhão.

"Não faremos comentários" sobre a contratação de empresas denunciadas na Lava Jato, disse em nota a Transpetro. O Ministério dos Portos e Aeroportos não respondeu. "Iniciativas dessa magnitude sempre exigem um olhar técnico e regulatório extremamente apurados", diz José Luiz Pimenta, professor de relações internacionais da ESPM especializado em Comércio Exterior. "Mas é fundamental que as empresas interessadas estejam devidamente habilitadas para atuar."

embarcação na hdrovia paraná paraguai - Ministério de Portos e Aeroportos - Ministério de Portos e Aeroportos
Embarcação na hidrovia Paraná Paraguai
Imagem: Ministério de Portos e Aeroportos

Setor naufragou com a Lava Jato

Depois de crescer entre os anos 1950 e 1980, a indústria naval parou nos anos 1990. Com as reformas econômicas daquela década, as privatizações reduziram o número de trabalhadores de 40 mil para 4.000 pessoas em 2001, segundo o Sinaval (Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore).

A retomada começou no primeiro governo Lula. Em março de 2003, ele cancelou um edital para comprar do exterior uma plataforma de petróleo, e decidiu que ela deveria ser montada no Brasil. Com a descoberta do pré-sal, a Petrobras passou a privilegiar a contratação de embarcações e plataformas em estaleiros nacionais. Em 2014, já sob Dilma Rousseff (PT), 84 mil pessoas trabalhavam na indústria naval.

Naquele ano, porém, a Operação Lava Jato atingiu gravemente o setor. Sócias dos principais estaleiros nacionais, construtoras como Camargo Correa, OAS, Odebrecht e UTC acabaram denunciadas. Diante dos prejuízos financeiros, a Petrobras reduziu investimentos, cancelou suas encomendas e vendeu parte de seu patrimônio. Em 2017, os empregados contavam 33 mil; em 2021, eram 15 mil.

lava jato empreiteiras - Rafael Arbex - Rafael Arbex
Arquivo - Diretor de Relações Internacionais da Odebrecht, Alexandrino Alencar chega à Polícia Federal de São Paulo
Imagem: Rafael Arbex

O PT culpou o então presidente Michel Temer. "A Petrobras vai precisar de 80 plataformas e 210 navios nos próximos 25 anos para explorar o pré-sal, mas deixa de comprar no país para comprar lá fora, gerando empregos na China, na Coreia e em Singapura", disse o senador Humberto Costa (PT-PE) em 2018.

Bolsonaro acelerou o processo ao zerar o imposto de importação para embarcações destinadas à cabotagem. Em 2021, o Senado aprovou o projeto enviado pelo governo: entre as mudanças estava a liberação de navios estrangeiros para esse tipo de navegação, que acontece entre pequenas distâncias, perto do litoral.

A retomada dessa indústria deve ser encarada como política de Estado, não de governo, diz Pimenta. "O que se observa agora é um fortalecimento da articulação política para impulsionar a construção naval, consolidando seu papel estratégico na economia e ampliando sua competitividade no longo prazo", afirma. "Os novos projetos têm o potencial de gerar empregos diretos e fortalecer a indústria brasileira no longo prazo."

Lula considera a nacionalização das embarcações uma "missão" pessoal. "A nossa ideia de colocar as coisas nacionais, fabricadas pelas nossas empresas, nos nossos navios, na nossa plataforma, na nossa refinaria, é uma missão que a gente vai cumprir", disse ele no lançamento da licitação de segunda.

Não é o Brasil que é da Petrobras, é a Petrobras que é do Brasil. Vamos continuar construindo navio, construindo sonda, construindo plataforma, pesquisando, produzindo e refinando petróleo.
Lula, presidente do Brasil

instalações do estaleiro mauá, em niterói, - 7.ago.2023 - Eduardo Anizelli/Folhapress - 7.ago.2023 - Eduardo Anizelli/Folhapress
Instalações do estaleiro Mauá, em Niterói, no Rio de Janeiro
Imagem: 7.ago.2023 - Eduardo Anizelli/Folhapress

Notícias