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Tiro no pé: tarifaço de Trump vai sacrificar empregos e exportações dos EUA

Imagem ilustrativa - Desemprego no setor automobilístico, que compra aço, aumentou nos EUA após tarifço de George W. Bush  - Divulgação
Imagem ilustrativa - Desemprego no setor automobilístico, que compra aço, aumentou nos EUA após tarifço de George W. Bush Imagem: Divulgação

Do UOL, em São Paulo

14/02/2025 10h11

As tarifas que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou esta semana para conter suas importações tem o potencial de fazer um estrago na economia americana que pode durar por quase uma década. O anúncio de quinta-feira (13) se soma à tarifação sobre a importação de aço, que, sozinha, deverá derrubar exportações e custar centenas de milhares de empregos em território americano ao longo dos próximos anos, como aconteceu na primeira década do século 21.

O que aconteceu

Dois estudos recentes analisaram as consequências das tarifas que o ex-presidente George W. Bush impôs sobre o aço em 2002. O caso é em tudo semelhante à taxação que Trump anunciou esta semana: pressionado pelo lobby siderúrgico, Bush impôs tarifas de 8% a 30% a todos os países que exportavam aço para os Estados Unidos. A promessa era a mesma usada por Trump: fortalecer a indústria siderúrgica americana e criar empregos.

O resultado foi exatamente o oposto, mostram os dois estudos. Além de não criar empregos nas siderúrgicas, as tarifas de 2002 custaram centenas de milhares de postos de trabalho nas indústrias que usavam aço como matéria-prima: como a tarifa de importação encareceu o aço, a indústria que utiliza o material —como a automobilística— precisou pagar mais pelo metal, reduzindo sua produção. As demissões foram massivas porque, para cada trabalhador produzindo aço, 80 trabalham em setores que compram o material para fabricar mercadorias.

O tarifaço de Bush custou uma média de 168 mil empregos por ano entre 2002 e 2009. Já no primeiro ano, 153 mil pessoas perderam o emprego em razão da sobretaxa, enquanto esse número atingiu o pico de 247 mil demissões em 2008, segundo a pesquisa "O impacto a longo prazo das tarifas sobre o aço na indústria dos EUA", de 2023, de Lídia Cox, da Universidade de Yale.

O número é semelhante ao do outro estudo, de 2022. Aproximadamente 200 mil pessoas perderam o emprego em 2002, segundo a pesquisa "Efeitos no mercado de trabalho local das tarifas de aço de Bush de 2002", de Lago James (Universidade do Tennessee) e Ding Liu (Universidade Metodista do Sul), que citam uma estimativa de 2003.

A indústria do carro foi uma das mais afetadas. "O impacto foi mais forte (...) no setor automobilístico, onde o emprego nos EUA caiu 30%" até 2008, dizem os autores.

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Siderurgia americana não criou empregos quando Bush aumentou as tarifas sobre a exportação, como Trump faz agora
Imagem: Getty Images

As exportações de produtos feitos com aço despencaram. Elas caíram entre US$ 8,2 bilhões (em 2003) e US$ 46,5 (2008) em relação aos níveis de 2001, ou US$ 196 bilhões em artigos feitos com aço entre 2003 e 2009. "As perdas anuais somam entre 1% e 6% das exportações da indústria downstream [fase final da cadeia de produção]", diz Cox no estudo.

O desastre para as indústrias que utilizavam aço durou quase uma década. O desemprego e a queda nas exportações perduraram, pelo menos, até 2009, embora a sobretaxa tenha sido criada em 2002 e removida no ano seguinte por ordem da Organização Mundial do Comércio, que a considerou abusiva.

Isso indica que a saída de estabelecimentos não foi um fenômeno temporário, mas sim uma mudança duradoura no cenário industrial.
Lago James e Ding Liu, em estudo

Vai acontecer de novo?

O desemprego em massa e a queda nas exportações devem se repetir. "É plausível que aconteça novamente porque a indústria que utiliza aço é 80 vezes maior que a siderúrgica em termos de emprego", afirma Bernardo Guimarães, professor de macroeconomia e finanças internacionais da FGV EESP. "A empresa que precisar de aço terá de pagar mais caro, o que pode reduzir a produção e os empregos. Parece que será um tiro no pé."

Até a popularidade de Trump pode chamuscar. O eleitor deve associar a tarifa sobre o aço ao desemprego. "Botaram tarifa no aço e eu, meu cunhado perdemos o emprego", exemplifica Guimarães. "A empresa que produz aço não vai ficar investindo porque não sabe por quanto tempo vai durar a tarifa."

Essas tarifas não servem para melhorar as contas do governo, mas para proteger a indústria. Acontece que o setor que produz aço é muito menor do que o que compra aço. É com isso que os EUA deveriam se preocupar.
Bernardo Guimarães, economista

Tarifa e inflação

A inflação dos EUA - Getty Images - Getty Images
Em alta, a inflação dos EUA pode piorar com as sobretaxas de Trump
Imagem: Getty Images

Na quinta-feira (13), Trump decidiu impor "tarifas de reciprocidade". Isso significa que os EUA vão tarifar todos os países com a mesma alíquota cobrada de exportadores americanos.

Se as tarifas de reciprocidade atingirem o consumo, o resultado será inflação. "Pode afetar a produção de alguns setores americanos que dependem de insumos de outros países", diz Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM. "Isso pode ter impacto inflacionário nos Estados Unidos."

A inflação de janeiro subiu mais do que o esperado por lá. O índice variou 0,5% no mês passado, depois de alta de 0,4% em dezembro, chegando a 3% em 12 meses. Como a inflação continua acima da meta de 2%, o banco central americano deve manter a taxa de juros na faixa de 4,25% e 4,50%, apesar da pressão de Trump para baixá-la a fim de estimular a economia.

A Casa Branca citou o Brasil ao comunicar as tarifas de reciprocidade em nota oficial: "A tarifa dos EUA sobre o etanol é de apenas 2,5%. No entanto, o Brasil impõe uma tarifa de 18% sobre as exportações de etanol dos EUA".

Como resultado, os EUA importaram mais de US$ 200 milhões em etanol do Brasil em 2024, enquanto exportaram apenas US$ 52 milhões para o Brasil.
Casa Branca, em nota.

Prejuízo dobrado no Brasil

antes de ser usada para a produção do etanol, a celulose é separada do - Divulgação/Novozymes - Divulgação/Novozymes
Tarifa recíproca sobre o etanol pelso EUA vai afetar as exportações brasileiras
Imagem: Divulgação/Novozymes

A nova tarifa sobre o álcool deve prejudicar o Brasil em dobro. "São dois efeitos: o impacto sobre as nossas exportações para os Estados Unidos e maior dificuldade para buscar novos mercados, pois aumentará a competição entre os países", diz Holzhacker.

O jeito será negociar. "Pela tradição brasileira, provavelmente vamos buscar negociar setorialmente antes de qualquer medida de retaliação. O setor empresarial brasileiro também buscará atuar em ações de lobby nos Estados Unidos", afirma a professora.

O etanol nacional é vendido principalmente para o estado da Califórnia, que precisa respeitar leis de redução de CO2. "O aumento para 18% afetará o setor de etanol brasileiro, dado que é o segundo mercado exportador do produto brasileiro", informa a professora. Só a Coreia do Sul importa mais etanol brasileiro que os EUA.

O setor sucroalcooleiro (açúcar, aguardente, etanol e solventes derivados do açúcar) exportou US$ 19,7 bilhões no ano passado. O resultado do ramo respondeu por 12% de todas as exportações do agronegócio brasileiro em 2024.

O Brasil sempre reclamou das taxas americanas contra o setor de açúcar brasileiro, já o setor agrícola do meio oeste americano sempre reclamou das barreiras para entrar no mercado de etanol brasileiro.
Denilde Holzhacker, professora

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