Como o aumento de tarifas de Trump afeta a economia mundial?

Inflação nos Estados Unidos, rompimento de cadeias produtivas, guerra cambial e até uma espiral retaliatória mundial podem resultar do tarifaço do presidente americano, Donald Trump, segundo especialistas consultados pelo UOL.
No sábado (1), os EUA decidiram impor tarifas adicionais de 25% sobre todas as importações vindas do México e Canadá. Para recursos energéticos do Canadá, como petróleo, a tarifa é menor, de 10%. Também foi imposta uma taxa adicional de 10% sobre importações da China. Todas as medidas passam a valer a parir desta terça-feira (4). Mas governo do México anunciou que, após uma conversa entre os presidentes Donald Trump e Claudia Sheinbaum, um acordo foi estabelecido para pausar a aplicação de tarifas contra produtos mexicanos.
Quais são os efeitos disso?
A situação continua em aberto. É o que diz Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. "Desde 1945, a política dos Estados Unidos sempre foi a de ter um mundo com menos barreiras para o comércio internacional. Então, os países agora não sabem como reagir", diz ele.
É por isso que o dólar está subindo em relação ao real hoje. Investidores internacionais, diante da incerteza do que fazer, correm para ativos seguros, como o Tesouro Americano, o que faz o dólar se valorizar contra várias moedas, como o real. Também tiram seus investimentos do México e Canadá, prevendo que esses serão países que vão sair perdendo. "No entanto, não dá para dizer que essa valorização do dólar será necessariamente uma tendência para o curto prazo", diz Murta.
México e Canadá dependem muito das exportações para os EUA. "Esses países devem continuar com o fornecimento, só que a indústria americana vai pagar mais caro. Não é de uma hora para outra que você consegue modificar essas cadeias de suprimento, com fornecedores alternativos nacionais", explica Yi Shin Tang, professor de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), especialista em comércio internacional e políticas antitruste.
O setor que deve sofrer mais e primeiro é o automobilístico. As cadeias de fornecimento podem ser interrompidas, como aconteceu na pandemia. E isso pode afetar a indústria automobilística aqui no Brasil também, com falta de peças e demora na entrega de veículos prontos.
A China, ao contrário de México e Canadá, já vinha se preparando para esse tarifaço. Em dezembro, ela aplicou isenção tarifária total para os produtos de todos os países menos desenvolvidos com que mantém relações diplomáticas. Ou seja, ela está buscando mercados alternativos para seus produtos. Foi o que a Rússia fez diante das sanções impostas a ela em decorrência da guerra contra a Ucrânia. Ela se aliou a China e conseguiu neutralizar os efeitos dessas penalidades comerciais.
O que Canadá e México podem fazer?
Para tentar diminuir o efeito dessas tarifas, esses países podem provocar uma desvalorização de suas moedas. Isso é muito perigoso porque, em contrapartida, os EUA também podem desvalorizar o dólar e transformar uma guerra comercial também em uma guerra cambial segundo, Yi Shin Tang. Um dos resultados disso seria uma onda inflacionária mundial.
EUA pode ser o primeiro a sentir os efeitos da inflação. Por isso, numa rede social, Trump escreveu: "Haverá alguma dor? Sim. Talvez (e talvez não)." Se a inflação americana sobe, é ruim para o mundo todo, pois os juros dos EUA seriam elevados e o investimento internacional será canalizado para o Tesouro Americano. No entanto, é bom lembrar que as importações de México e Canadá são apenas 5% do total que os EUA compram do mundo.
Tem lado bom?
Não. É improvável que haja algum benefício para o Brasil ou outros países nessa confusão. É o que diz Rodrigo Pupo, advogado especializado na área de comércio internacional. "O jornal The Wall Street Journal publicou no fim de semana um editorial com o título de 'The Dumbest Trade War in History' — a guerra comercial mais idiota da história — e eu concordo", afirma o especialista. "Ninguém sai ganhando, nem mesmo os EUA", diz ele.
Alguns podem pensar, por exemplo, que o Brasil pode entrar no vácuo de México e Canadá e passar a fornecer os produtos taxados de maneira mais barata. Mas é provável que, para que isso não aconteça, Trump logo estenda as tarifas a outras nações. "Mas as empresas exportadoras brasileiras, sejam elas de que tamanho for, devem se preocupar em buscar outros mercados quanto antes", diz o advogado.
Espiral retaliatória
Os países que saem perdendo com essas tarifas poderão buscar outros mercados, como fez a China. Dois grandes mercados consumidores são a União Europeia e o Brasil. Então, diz Pupo, pode acontecer uma enxurrada da oferta de importados nesses mercados. "Para proteger a indústria local dessa busca comercial, esses países podem também impor tarifas, o que criaria uma espiral retaliatória mundialmente.
O professor da USP concorda. "A atitude de Trump pode incentivar uma onda de proteção da indústria doméstica por meio de tarifas, o que pode destruir cadeias de suprimentos muito complexas. Muitos setores industriais podem ser afetados e isso também provocaria alta nos preços", diz Yi Shin Tang. Murta concorda. "Por conta desses reflexos, também acredito que tudo isso é um grande tiro pela culatra", conclui o professor da PUC.