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Petrobras tem margem enorme para reduzir preço, se quiser, diz especialista

do UOL

01/06/2022 11h39

Não há qualquer razão legal que impeça alterações na política de preços da Petrobras, e existe enorme margem para mudar essa política, sem quebra de restrições e limites legais. A política de preços baseada na PPI (Paridade de Preços de Importação), visa a obtenção de lucros máximos em curto prazo, e beneficia apenas um grupo restrito da sociedade. Estas são as conclusões do economista Eduardo Costa Pinto, professor do IE-UFRJ (Instituto de Economia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisador do Ineep (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo), que é vinculado à FUP (Federação Única dos Petroleiros).

"Os números mostram que é possível, a partir de escolhas gerenciais adequadas, reduzir preços, criar valor econômico e aumentar investimentos", diz o economista, que acompanha de perto as estratégias empresariais e os resultados obtidos pela Petrobras. Essas conclusões se sustentam em análises técnicas das informações contábeis da estatal e dos comunicados ao mercado emitidos pela diretoria da empresa, como forma de expor suas estratégias empresariais e operacionais.

Eduardo Costa Pinto, pesquisador do Ineep e professor do Instituto de Economia da UFRJ - Divulgação - Divulgação
Eduardo Costa Pinto, professor do Instituto de Economia da UFRJ
Imagem: Divulgação

Na entrevista a seguir, Costa Pinto detalha como funciona a PPI e como seria possível adotar outras estratégias. Ele também mostra o que aconteceria, por exemplo, com uma redução linear de 20% nos preços de todos os combustíveis.

É possível uma ação ativa do governo para baixar os preços dos combustíveis?

Eduardo Costa Pinto: Sim, é possível. Como qualquer empresa, a Petrobras pode definir a política de preços para os derivados que vende. No caso da Petrobras, o governo federal é o acionista majoritário e, assim, tem poderes para escolher a maior parte do conselho de administração, a presidência e a diretoria da empresa, que é responsável pela elaboração e a execução da política de preços.

Mas a diretoria pode alterar a política de preços como quiser ou precisa da autorização, por exemplo, do Congresso Nacional?

A política de preços da Petrobras não depende de nada além da decisão de sua diretoria, levando em considerando que essa política deve resguardar os preços de concorrência, de mercado.

Não há, porém, nenhuma lei, regra ou qualquer dispositivo legal que defina exatamente o que vêm a ser esses "preços de concorrência" ou de "mercado". Contudo, agências reguladoras ou de defesa da concorrência podem abrir processo contra determinada política de preços, que, eventualmente, possam ferir a concorrência, configurarem dumping etc.

Mas a escolha e a decisão são da diretoria da empresa e, se não ficar provado que a política fere a concorrência, poderá ser adotada.

E o acionista minoritário, como fica?

Aqui cabe a seguinte pergunta: a gestão dessa política de preços e os lucros obtidos interferem na geração de valor adicionado para o acionista minoritário? É preciso preservar esse valor, e a questão é definir os limites dessa restrição.

O artigo 238 da Lei das SAs (Lei das Sociedades Anônimas) diz que o controlador de empresa de economia mista, embora tenha deveres ante os acionistas minoritários, poderá "orientar os interesses da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação".

Se a Petrobras mudar a política de preços, deixando de acompanhar a PPI e adotando, por exemplo, uma outra, que leve em conta os custos internos de produção e mais uma margem, é evidente que não vai haver mais maximização de lucros. A Petrobras pode ter lucro, mas não será o lucro máximo. Então, o minoritário pode alegar que se trata de gestão temerária, que o leva a perder dinheiro com a companhia, ferindo os interesses dele.

O minoritário não vai sempre se sentir prejudicado, caso a política de preços adotada não produza lucros máximos?

Se a taxa de lucro cai a um nível inferior ao custo de oportunidade do acionista minoritário, eu imagino que isso abre, juridicamente, uma brecha maior de contestação.

Mas se a política de preços, mesmo não maximizando lucros, gera valor adicionado para o acionista, ou seja, a taxa de retorno do investimento dele supera o custo de oportunidade da aplicação, será muito mais difícil contestar essa política.

Como foi no caso da PPI?

A PPI foi uma deliberação da diretoria da Petrobras, numa decisão tomada logo no início do governo Temer, em outubro de 2016. Ela foi simplesmente comunicada à praça pela diretoria executiva da empresa. Como se tratava de uma política de maximização de lucros, não houve contestação por acionistas minoritários. Mas, como se vê agora, a função social cabível ao acionista controlador, o governo federal, prevista no artigo 238, foi desprezada.

Qual seria então o menor preço que poderia ser praticado nos combustíveis, atendendo a todos esses requisitos?

Fiz um exercício em que os preços de todos os derivados poderiam ser reduzidos em 20% de forma linear. Em 2021, quando a Petrobras obteve um lucro de R$ 106,6 bilhões, esse corte de 20% reduziria o lucro a R$ 46,8 bilhões.

Seria uma queda de quase 60% no lucro?

Sim, até porque estou considerando que a Petrobras se responsabilizaria pelo total da importação de derivados. Estou acrescentando na conta o custo para a Petrobras de responder por toda a importação de combustíveis. Estou assumindo que essa redução de preços na refinaria expulsaria os importadores privados do mercado. Isso implicaria num aumento de custo para a Petrobras de quase R$ 30 bilhões, além da perda de receita com a redução de preços.

Não é uma redução muito grande no lucro?

Com esse menor nível de lucro seria possível aumentar os investimentos da Petrobras em 25% e distribuir 25% do lucro aos acionistas. A margem líquida recuaria de 23,7% para 11,8%, ainda assim bem acima da margem líquida média obtida pelas grandes petroleiras, exceto a Saudi Aramco, de 8,2%.

Os minoritários não poderiam alegar perda de valor de seu investimento, pois o ganho ainda superaria o custo de oportunidade da aplicação, ou seja, continuaria gerando valor ao acionista.

Se a Petrobras teria de se transformar na única importadora, é real, portanto, a informação de que, se a Petrobras baixar preços há risco de abastecimento.

É real desde que a Petrobras não assuma o total das importações. Mas a Petrobras tem toda a capacidade para arcar com essa necessidade. A empresa tem capacidade de infraestrutura, de estocagem, de tudo o que seria necessário para garantir essa operação.

Claro que isso reduziria a margem de lucro. Falando nisso, é bom saber que a Petrobras, nos últimos anos, tem reduzido seus estoques físicos de combustíveis. Como a política é de maximização de lucros, é coerente reduzir estoques para cortar custos. É uma política que, obviamente, aumenta o risco de desabastecimento.

Há dados sobre essa redução de estoques?

A Petrobras não divulga dados de estoques físicos. Mas sabe-se dos estoques em termos dos seus valores monetários. No primeiro trimestre de 2022, por exemplo, os preços dos derivados subiram muito acima do valor dos estoques, significando que os estoques caíram.

Por que isso está acontecendo?

A explicação é que a Petrobras produziu e importou a um preço mais baixo do que conseguiu vender. Numa estratégia de maximização de lucros, faz sentido reduzir estoques e obter maiores margens vendendo ao preço agora no pico o que compra e produz mais barato.

O custo total de produção de petróleo da Petrobras — custo de extração, depreciação e amortização, royalties etc. — no primeiro trimestre de 2022, foi de US$ 41 por barril.

Levando em conta todos o custos, incluindo refino, o custo dos derivado produzidos internamente não passa de US$ 53 por barril. O custo total de derivados produzidos e importados pela Petrobras vai a US$ 56 por barril.

Em média, no primeiro trimestre de 2022, os combustíveis foram vendidos pela Petrobras, nas refinarias, a US$ 102 o barril. Isso dá uma margem operacional de 48%.

Qual é a margem média obtida pelas demais petroleiras internacionais?

Essa margem de 48% só perde, no momento, para a da Saudi Aramco, a estatal da Arábia Saudita, líder mundial, que é de 53%. As demais, na média, operam com margem operacional de no máximo metade da que a Petrobras consegue.

Pode-se concluir, então, que tem espaço para rever a política de preços da Petrobras?

É enorme a margem de manobra. Ainda mais considerando que o Brasil é hoje produtor e exportador de petróleo, e os preços altos no mercado internacional geram renda no território brasileiro. O problema é como essa renda está sendo utilizada. Os ganhos estão indo para um grupo restrito.

Os números mostram que é possível, a partir de escolhas gerenciais adequadas, reduzir preços, criar valor econômico e aumentar investimentos.

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