Topo
Notícias

Comissão sobre incesto na França revela que mães que denunciam são vistas como suspeitas

27/10/2021 12h34

A Comissão Independente sobre Incesto e Violência Sexual contra Crianças (Ciivise), lançada em janeiro de 2021 pelo presidente Emmanuel Macron com o objetivo de prevenir a violência sexual, proteger as crianças que são vítimas e lutar contra a impunidade dos autores, emitiu suas três primeiras recomendações nesta quarta-feira (27). E revelou uma deformação do sistema: as mães que denunciam são vistas como suspeitas e não têm suas queixas levadas a sério. 

Na França, 22.000 crianças são vítimas a cada ano de violência sexual por parte do pai, de acordo com a Comissão sobre Incesto, que recomenda a suspensão do direito de visita e do exercício da autoridade parental desde as primeiras suspeitas.

Esta instância foi criada logo após o lançamento do livro "La Família grande", da advogada Camille Kouchner, que acusou o padrasto, o conhecido intelectual francês Olivier Duhamel, de incesto envolvendo o irmão gêmeo dela, na adolescência. O livro teve forte repercussão no país, por ter quebrado o tabu de apontar os abusos de uma pessoa influente.

Depois de receber mais de 5 mil testemunhos de mães de crianças abusadas, a Ciivise faz três recomendações. A primeira delas consiste em "suspender" a ação penal por "falta de representação da criança" contra uma mãe que se recusa a deixar seu filho com o pai suspeito, ao abrir uma investigação por incesto.

Em segundo lugar, caso seja instaurado um processo penal contra um dos pais, a Justiça deve suspender o direito de visita e de alojamento do menor com o suspeito, bem como "o exercício da autoridade parental" da pessoa implicada, explica o juiz Édouard Durand, copresidente da comissão.

Finalmente, em caso de condenação de um dos pais por incesto, o exercício da autoridade parental deve ser retirado automaticamente.

Mães que denunciam são vistas como suspeitas

Desde o início das suas atividades, em março, a Ciivise recebeu pedidos de ajuda de centenas de mães cujos filhos revelaram violência sexual por parte do pai. Mas, em vez de serem ouvidas pelas instituições, elas foram julgadas suspeitas de manipular seus filhos para prejudicar seu cônjuge, na maioria das vezes no contexto de uma separação.

Uma mãe, citada no relatório da Ciivise, abandonou o marido após violência doméstica. Sua filha de 4 anos de idade revelou aos profissionais da saúde e da escola a violência sexual infligida pelo pai. A mãe apresentou queixa, e esta foi indeferida. Um ano depois, a garota fez as mesmas revelações para sua professora. Para a mãe, ela confidenciou: "Quero morrer porque é demais". À pergunta "por quê?", ela respondeu: "por causa do papai".

O juiz de menores, então, retirou a menina de sua mãe. "A grande maioria dos testemunhos que nos foram transmitidos repetiram este mesmo mecanismo: apesar das revelações da criança, não é o pai que é questionado, mas sim a mãe, acusada de manipular a criança", observa a comissão.

De acordo com o testemunho de outra mãe, um menino de 5 anos disse a uma psicóloga: "Papai fez cócegas nas minhas nádegas à noite, estou triste, muito, muito triste". A psicóloga respondeu: "Sua mãe mandou você dizer isso?"

No entanto, o risco não é inventar a violência, mas não proteger corretamente as vítimas, observa a Ciivise.

Apesar da escala do problema e do número de vítimas de incesto ser enorme, apenas 1.697 pessoas foram processadas em 2020 por estupro incestuoso ou agressão sexual a um menor.

(Com AFP e France Inter)

Notícias