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Por que Auxílio Brasil de R$ 400 fez dólar subir e bolsa desabar

Anúncio do substituto do Bolsa Família, previsto para esta terça, foi adiado indefinidamente - Reuters
Anúncio do substituto do Bolsa Família, previsto para esta terça, foi adiado indefinidamente Imagem: Reuters

19/10/2021 18h52

O presidente Jair Bolsonaro iria anunciar nesta terça-feira (19/10) o novo Auxílio Brasil com valor de R$ 400, para substituir o Bolsa Família em 2022, ano de eleições.

Pouco antes do horário previsto, porém, o Ministério da Cidadania informou que a cerimônia, que seria realizada no Palácio do Planalto, estava cancelada e sem previsão de nova data.

Enquanto os beneficiários do Bolsa Família seguem no escuro sobre o que será da sua renda a partir de novembro, quando chega ao fim o auxílio emergencial pago durante a pandemia do coronavírus, a desistência de Bolsonaro é mais um capítulo de uma série de tentativas frustradas do governo de reformular o programa social gestado nos anos Lula.

O cancelamento do anúncio foi uma resposta à reação extremamente negativa do agentes do mercado financeiro à proposta. Na tarde desta terça-feira, a bolsa de valores chegou a cair mais de 3% e o dólar superou os R$ 5,60.

A perspectiva de que parte dos R$ 400 previstos para o novo auxílio venha de recursos fora do teto de gastos foi o motivo desse profundo mau humor dos mercados.

Aprovado em 2016, o teto de gastos limita o crescimento da despesa do governo de cada ano à variação da inflação do ano anterior. A ideia da regra é limitar o crescimento descontrolado da dívida pública, mas as tentativas do governo de furar a lei têm sido frequentes.

Segundo economistas, o possível descontrole das contas públicas que seria resultado desse gasto fora do teto piora as perspectivas para a inflação futura, o que pode fazer com que o Banco Central tenha que elevar ainda mais os juros para conter a alta de preços.

Com mais inflação e mais juros, as empresas tendem a retrair investimentos, prejudicando o crescimento do PIB e, consequentemente, a geração de empregos.

"É um enorme equívoco o governo e o Congresso insistirem em falsas soluções, usando como escudo os mais vulneráveis para extrair benefícios privados", diz Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da RPS Capital e ex-diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado federal. Ele avalia, assim como os demais economistas, que o governo Bolsonaro está fazendo as mudanças de olho nas eleições de 2022.

"Com a perda do poder de compra da população, gerada pelo aumento da inflação que vai resultar da disparada do dólar, o governo está dando com uma mão e tirando com a outra. As pessoas não vão ter o benefício que está sendo vendido", diz o analista.

O que se sabe sobre o novo Auxílio Brasil

O presidente Bolsonaro enviou, em 10 de agosto, uma Medida Provisória com a criação do Auxílio Brasil. Por ser uma Medida Provisória, o texto passa a valer imediatamente, mas ainda terá que passar por votação no Congresso em até 120 dias para que se torne definitivo.

Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto; ainda não há clareza sobre a viabilidade do novo benefício - Cleia Viana/Câmara dos Deputados - Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Presidente Jair Bolsonaro rodeado por parlamentares durante entrega da MP do Auxílio Brasil, em agosto; ainda não há clareza sobre a viabilidade do novo benefício
Imagem: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

A expectativa do governo era começar a pagar o benefício já em novembro, posto que a última parcela do auxílio emergencial já está sendo paga. Mas ainda não há certeza se será possível viabilizar o novo benefício até lá e há possibilidade de o auxílio ser prorrogado novamente.

Incialmente, o governo planejava pagar R$ 300 de Auxílio Brasil, para 17 milhões de pessoas. O Bolsa Família atende atualmente 14,6 milhões, com um valor médio de R$ 190.

Para bancar a diferença em novembro e dezembro desse ano, o governo aumentou em setembro a alíquota do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), um imposto que incide sobre operações como empréstimos, compra de moedas, contratações de seguros e investimentos, de pessoas físicas e jurídicas.

Com esse o aumento de imposto, o governo previu arrecadar R$ 1,6 bilhão, que complementaria R$ 7,7 bilhões em recursos não utilizados do Bolsa Família, somando os R$ 9,4 bilhões estimados como necessários para pagar o Auxílio Brasil de R$ 300 reais por dois meses.

Para 2022, o financiamento do benefício ainda estava em aberto, dependendo de medidas incertas como a aprovação da PEC dos Precatórios, que adiaria o pagamento pelo governo de dívidas com decisão judicial definitiva; e a reforma tributária, que prevê a taxação de lucros e dividendos, o que também geraria um aumento de receita.

No entanto, candidato à reeleição em 2022, Bolsonaro determinou que o auxílio emergencial deveria ter valor de R$ 400, e não R$ 300 como previsto inicialmente. Assim, o novo benefício teria valor superior ao auxílio emergencial, que atualmente é de R$ 150, R$ 250 ou R$ 375.

Para acomodar o gasto extra em 2022, seria necessário uma despesa fora do teto de gastos de R$ 30 bilhões, conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo. Foi esse gasto fora do teto que azedou o humor dos mercados.

O Bolsa Família atende atualmente 14,6 milhões de pessoas, com um valor médio de R$ 190 - Jefferson Rudy/Agência Senado - Jefferson Rudy/Agência Senado
O Bolsa Família atende atualmente 14,6 milhões de pessoas, com um valor médio de R$ 190
Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Terremoto no mercado

"O mercado reagiu mal porque é uma destruição do arcabouço fiscal atual que nós temos, que é o teto de gastos", diz Barros, da RPS Capital, referindo-se ao conjunto de regras criadas para tentar manter a estabilidade das contas públicas.

"Ao invés de equilibrar a responsabilidade fiscal com a social, o que é perfeitamente possível, o governo está usando as pessoas mais vulneráveis para atender a interesses questionáveis, fragilizando as contas públicas", acrescenta o analista.

Ao mirar a reeleição de Bolsonaro, em detrimento da saúde das contas públicas, o mercado passa a não ter segurança quanto à trajetória futura da dívida pública do país. Com isso, aumenta a percepção de risco em relação ao Brasil, o que se reflete em alta da curva de juros futuros e do dólar.

"O câmbio mais desvalorizado contamina a inflação e isso retira poder de compra da população", diz Barros.

O câmbio afeta, por exemplo, o preço dos combustíveis, já que o petróleo é cotado em dólar. Pesa também sobre os alimentos, com o aumento da exportação que reduz a oferta interna, e sobre os custos industriais, já que muitos insumos da nossa indústria são importados.

"A curva de juros mais inclinada piora as condições de investimento produtivo na economia, porque a decisão de investir não é dada pela Selic de hoje, mas pela curva de juros futuros. Quando tem uma decisão política tão desastrada como essa, isso afeta portanto o investimento da economia real e a geração de emprego e renda", explica o analista.

Ainda conforme Barros, a perspectiva de inflação maior pode fazer o Banco Central ter de aumentar mais a Selic, o que tende a funcionar também como um freio para os investimentos e o consumo.

Em resumo, diz o economista, ao tentar dar um benefício maior aos mais pobres bagunçando as contas públicas, são justamente os mais pobres quem podem sair mais prejudicados. "O saldo líquido é negativo, estão usando os vulneráveis como escudo. É uma covardia isso."

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