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A vida destruída de Radwin, uma mulher trans no Afeganistão

28/09/2021 12h42

Cabul, 28 Set 2021 (AFP) - "Deus me criou assim, sou assim, mas ninguém entende". Para Radwin, uma mulher transgênero que já sofria perseguição no Afeganistão, restam poucas opções após o retorno do Talibã ao poder em seu país: se esconder, fugir ou morrer.

"Ninguém nos ajuda, ninguém ouve nosso grito. Antes que os talibãs nos matem, teremos que fugir", disse ela, em entrevista à AFP.

Desde que o movimento radical islâmico chegou ao poder em meados de agosto, "literalmente não posso sair de casa", explica ela, que concedeu entrevista em um lugar secreto.

Radwin é um nome falso que escolheu para se proteger.

"Se eu sair, tenho que estar totalmente coberta para que ninguém possa me identificar", diz.

Na sociedade afegã muito conservadora, as pessoas trans não são reconhecidas de forma alguma. A homossexualidade e todas as questões relacionadas à comunidade LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, trans, intersexuais e queers) são um total tabu.

Ainda no governo deposto, as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo eram "ilegais" e seus adeptos sofriam perseguição e discriminação constantes, por exemplo, no trabalho e no acesso a cuidados médicos.

Com a volta do Talibã, as ameaças se multiplicam enquanto o movimento prega uma interpretação estrita da Sharia, a lei islâmica. Quando os fundamentalistas chegaram ao poder entre 1996 e 2001, as relações homossexuais podiam terminar em pena de morte.

- Estupros -Radwin assumiu sua identidade há cinco anos, quando decidiu aparecer como mulher em público. Desde então, seu cotidiano se transformou em ameaças e agressões sexuais.

"Tentaram me estuprar várias vezes", diz.

Há dois anos, quando ela caminhava pela rua com uma amiga, homens armados em uma motocicleta as atacaram com uma faca e as obrigaram a acompanhá-los para fora da cidade. Eles estavam drogados "e fizeram conosco o que quiseram", lembra ela.

Após esse estupro, de extrema crueldade, Radwin foi hospitalizada devido aos ferimentos. A polícia iniciou uma investigação e descobriu que ela foi drogada. A família de Radwin foi avisada, mas os culpados nunca foram encontrados.

Algumas semanas atrás, ela foi atingida na cabeça quando caminhava sozinha pela rua. As cicatrizes desse último ataque ainda estão abertas.

Mas nesta vida de medo constante, Radwin também experimentou alguns momentos de liberdade e alegria, especialmente quando seus amigos a aceitaram quando ela apareceu diante deles como mulher.

"Antes da chegada do Talibã, eu ia para a casa dos meus amigos vestida de mulher e me sentia muito bem", lembra ela.

- Escuridão -Radwin teme nunca mais ser capaz de desfrutar dessa liberdade novamente e se ver presa em seu sexo biológico, atribuído às pessoas no nascimento com base em seus órgãos genitais.

"Quero me vestir de novo com roupas lindas que eu mesma escolherei. Quero ser manequim e ensinar dança", sonha em voz alta.

"Mas isso nunca vai acontecer", admite rapidamente, com uma cara séria. A menos que Radwin consiga fugir. "Não posso ficar e destruir minha vida porque aqui nunca terei a vida que desejo", diz.

Mas como sair do Afeganistão? A pequena comunidade transgênero do país não tem mais uma rede de apoio. A maioria de seus membros fugiu para o exterior, muitos para o Irã.

"Não sobrou ninguém para nos ajudar aqui", disse Radwin, que afirma ter contatado ONGs europeias em vão.

Os talibãs afirmam que seu governo será mais moderado desta vez, mas para Radwin é tudo uma "fachada".

"Em alguns dias veremos que eles estão ainda piores do que antes", diz. "Não vejo como isso pode ser solucionado. Vejo apenas escuridão", diz ela.

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