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Tunisianos estão divididos sobre decisão de presidente que se atribuiu super poderes

26/07/2021 11h55

Manifestantes contra e pró-governo se envolveram em confrontos nesta segunda-feira (26) em frente ao Parlamento da Tunísia, na capital Túnis. A sede do Legislativo está cercada pelo Exército desde domingo, depois que o presidente do país, Kais Saied, suspendeu as atividades da Câmara, demitiu o primeiro-ministro e se autoatribuiu plenos poderes executivos. 

A Tunísia amanheceu dividida: parte das forças políticas apoiam as decisões radicais do presidente, enquanto o partido islamita Ennahdha, que tem a maioria no Parlamento, denuncia um "golpe de Estado". 

No domingo (25), após mais um dia de protestos contra a gestão da pandemia de Covid-19 e as infindáveis disputas na base de apoio ao governo, o presidente Saied anunciou uma série de medidas drásticas, como a demissão do primeiro-ministro Hichem Mechichi e a suspensão da imunidade dos parlamentares. Saied declarou ainda que assumiu o controle dos serviços do procurador-geral. 

"A Constituição não me permite dissolver o Parlamento, mas sim suspender sua atividade", declarou o chefe de Estado, que afirma ter tomado a decisão com base no artigo 80 da Carta Magna, que permite adotar este tipo de medida frente a um "perigo iminente".

"Tomei as decisões que a situação exige para salvar a Tunísia, o Estado e o povo tunisiano", afirmou o presidente após se reunir com autoridades das forças de segurança. "Estamos em um momento muito delicado da história da Tunísia", acrescentou. O país enfrenta o pior momento desde o início da pandemia, com milhares de novas contaminações e mortes provocadas pela propagação da variante Delta. 

Mais cedo, milhares de tunisianos tinham protestado contra os políticos, especialmente contra os representantes do Ennahdha, que embore apoie o governo e tenha a maioria no Parlamento, vive em atrito com o Poder Executivo. Entre os cartazes de reinvidicação nos protestos viam-se slogans como "Vamos mudar de regime" ou "O povo quer a dissolução do Parlamento", além de críticas ao primeiro-ministro Mechichi.

As disputas entre partidos paralisam os serviços públicos há vários meses e deixaram o país sem abastecimento de oxigênio em meio à crise sanitária. O país, de 12 milhões de habitantes, acumula 18 mil mortes por Covid-19 desde o início da pandemia, uma das piores taxas de mortalidade no mundo. 

Por isso, depois da fala do presidente, milhares de tunisianos voltaram às ruas, apesar do toque de recolher, desta vez para festejar as decisões anunciadas por Saied. Eles dispararam fogos de artifício e fizeram um buzinaço em Túnis e em outras cidades do país. Muitos consideraram os anúncios corajosos. "É o presidente que amamos!", disseram. Outros temem uma guinada autoritária. "Esses idiotas estão comemorando o nascimento de um novo ditador", lamentou um homem de cerca de 40 anos interrogado pela AFP.

Jogo político   

Além do Ennahda, os partidos da coalizão Qalb Tounes e o movimento nacionalista islâmico Karama, condenaram as decisões de Saied. Na oposição, a Corrente Democrática, um partido social-democrata que apoiou repetidamente o presidente Saied, rejeitou a concentração de poder. A sigla de esquerda, no entanto, atribuiu a responsabilidade da tensão popular e da crise social, econômica e de saúde à falta de perspectivas da coalizão liderada pelo Ennahdha.

O partido Chaab, uma pequena formação nacionalista, por sua vez, apoiou essas decisões, assegurando que Saied "assumiu suas responsabilidades" para "retificar o processo da revolução".

A Tunísia foi o primeiro país a entrar na Primavera Árabe, em 2011, quando destituiu o então ditador Ben Ali. Desde 2014, a jovem democracia tunisiana funciona com um sistema parlamentar misto, em que o chefe de Estado tem prerrogativas apenas nas áreas diplomática e de segurança. 

Manifestação diante do Parlamento

Nesta manhã, Saied nomeou um de seus mais próximos assessores, Khaled Yahyaoui, chefe da segurança presidencial, para supervisionar as atividades do Ministério do Interior. O chefe de governo destituído, Hichem Mechichi, estaria em sua casa, segundo autoridades da área de segurança, e não seria alvo de um mandado de prisão, de acordo com as mesmas fontes. Nenhum substituto para o cargo foi designado.

O presidente da Câmara, Rached Ghannouchi, líder do Ennahdha, tentou ingressar no Parlamento, acompanhado de alguns deputados e funcionários. Porém, soldados cercavam a sede do Legislativo e impediram a aproximação.

"O que Kais Saied está fazendo é um golpe de Estado contra a revolução e a Constituição, e os membros do Ennahda e o povo da Tunísia defenderão a revolução", afirmou o partido em um comunicado publicado em sua página no Facebook. "O Exército deve proteger o país e a religião", disse Ghannouchi aos soldados, ao mesmo tempo em que exigiu a reabertura do Parlamento.

"Somos militares, cumprimos ordens. Nos pediram para fechar o Parlamento", respondeu um dos militares. "Soldados ou oficiais, pedimos que fiquem ao lado do povo", declarou Ghannouchi.

O presidente Saied, que tem uma ampla base de sustentação, alertou contra qualquer tentativa de resposta violenta às medidas anunciadas. "Se houver disparos, as Forças Armadas vão responder com balas", afirmou em um comunicado retransmitido pela televisão pública.

Apoio da maior central de trabalhadores

A União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT), uma central sindical influente, apoiou implicitamente a suspensão das atividades parlamentares determinada pelo presidente tunisiano. Para a UGTT, as decisões estão "de acordo" com a Constituição. Ao mesmo tempo, a entidade apelou à continuação do processo democrático.

Estas "medidas excepcionais tomadas pelo presidente da República nos termos do artigo 80 da Constituição" visam "prevenir um perigo iminente e restabelecer o funcionamento normal das engrenagens do Estado, ante a epidemia de Covid-19", sublinha o sindicato em um comunicado de imprensa.

"Está na hora" de os responsáveis ??pela situação de "degradação" do país "assumirem suas responsabilidades" e "porem fim a esta era que incendiou a Tunísia", diz a UGTT.

(Com informações da AFP)

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