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Premiê da Hungria enfrenta fúria de líderes europeus por lei homofóbica

24/06/2021 15h18

O primeiro-ministro ultraconservador da Hungria, Viktor Orbán, defendeu nesta quinta-feira (24) a polêmica lei recém-aprovada em seu país, que proíbe que se fale sobre a homossexualidade a menores de 18 anos nas escolas e na imprensa. O novo texto, incorporado a uma legislação mais antiga sobre a pedofilia, veta a "promoção de uma identidade de gênero diferente daquela do nascimento, a mudança de sexo e a homossexualidade". 

Ao desembarcar em Bruxelas para uma reunião de cúpula da União Europeia, Orbán disse que é "um defensor dos direitos dos homossexuais". "Esta lei não é sobre isso. É sobre os direitos de menores e pais. Não se trata de homossexualidade ou qualquer interferência sexual. Não se trata de homossexuais", declarou o primeiro-ministro de extrema direita, que vive em constante atrito com Bruxelas.

Apesar das críticas e da polêmica continental provocada pela iniciativa homofóbica, Orbán acrescentou que não revogará a legislação aprovada em 15 de junho no Parlamento húngaro

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse na quarta-feira (23) que a lei era "uma vergonha" porque "discrimina claramente as pessoas com base em sua orientação sexual. E o faz contra os valores fundamentais da União Europeia".

"Acredito firmemente numa União Europeia onde se é livre para amar quem quiser", enfatizou a dirigente. Por isso, "usarei todos os poderes da Comissão para assegurar que os direitos de todos os cidadãos da UE sejam garantidos, sejam quem forem e onde quer que vivam". 

Por uma iniciativa da Bélgica, 17 países, incluindo Alemanha, França, Espanha e Itália, expressaram "profunda preocupação" e redigiram uma carta ao Executivo europeu pedindo garantia ao pleno respeito dos direitos de todos os cidadãos do bloco. A Hungria não é citada nominalmente, mas os assinantes pedem respeito pelos "direitos fundamentais" da comunidade LGTBQIA+.

A lei húngara que proíbe a divulgação de conteúdo sobre homossexualidade para menores despertou fortes críticas na Europa e provocou até um desentendimento com a UEFA. A federação europeia de futebol rejeitou a iluminação do estádio de Munique com as cores do arco-íris, símbolo da diversidade e da inclusão, no jogo disputado na quarta-feira (23) entre Hungria e Alemanha pela Eurocopa. O prefeito de Munique, Dieter Reiter, queria iluminar o estádio em protesto às políticas húngaras contra as minorias sexuais, mas a UEFA rejeitou a proposta alegando que seu estatuto impede manifestações políticas em eventos esportivos.

"Nova era cultural antiliberal"

A deriva homofóbica de Orbán representa uma nova etapa no projeto do primeiro-ministro húngaro de estabelecer uma "nova era" cultural não liberal em seu país. A legislação que recebeu emendas visando a comunidade LGBTQIA+ buscava inicialmente o combate à pedofilia, com medidas como a criação de um banco de dados de condenados acessível ao público ou a sua desqualificação para determinados empregos.

Entretanto, no início de junho, membros do partido Fidesz, no governo, apresentaram emendas, rapidamente criticadas pelos defensores dos direitos humanos. "Pornografia e conteúdo que represente a sexualidade ou promova o desvio de identidade de gênero, mudança de sexo e homossexualidade não devem ser acessíveis a menores de 18 anos", alegaram correligionários de Orbán.

A partir de agora, os cursos de educação sexual terão de ser ministrados por entidades autorizadas pelo Estado, especifica o texto. A lei também denuncia a existência de estruturas "com duvidosa credibilidade profissional", que tentam "influenciar o desenvolvimento sexual das crianças" e podem "causar graves prejuízos ao seu desenvolvimento físico, mental e moral".

A lei menciona explicitamente a publicidade, mas o que acontecerá com livros, séries ou filmes em que a homossexualidade seja evocada? "O texto da lei é, aliás, muito ambíguo", afirmou Zsolt Szekeres, representante do Comitê de Helsinque, uma organização de defesa dos direitos humanos.

Embora afirme que ainda não conhece todas as suas consequências, Szekeres garantiu que o texto terá um efeito dissuasivo sobre os organizadores de eventos como a Marcha do Orgulho Gay, marcada para 24 de julho em Budapeste. Aprovada em 15 de junho, a lei deve entrar em vigor em julho.

Aliança para obter vantagens 

Antes do retorno de Orbán ao poder em 2010, a Hungria era um dos países mais progressistas da região. A homossexualidade foi descriminalizada na década de 1960 e a união civil entre pessoas do mesmo sexo foi aprovada em 1996. Mas o primeiro-ministro endureceu progressivamente a legislação, o que contribuiu para um sentimento homofóbico na mídia e na classe política. 

Integrante de uma aliança de líderes que combate os valores liberais de comportamento, assim como o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro da Hungria exorta valores cristãos tradicionais da família. Em 2019, ele baniu os estudos de gênero nas universidades húngaras. O líder nacionalista tem também uma visão arcaica do papel de homens e mulheres na sociedade e governa com um gabinete predominantemente masculino. 

"Hungria não tem mais nada o que fazer na União Europeia"

Ao chegar para a reunião em Bruxelas, o primeiro-ministro liberal da Holanda, Mark Rutte, disse que a Hungria "não tem mais nada o que fazer dentro da União Europeia", que é uma "comunidade de valores". Rutte frisou, no entanto, que não cabe a ele decidir sozinho sobre uma eventual sanção a Budapeste.

As regras europeias exigem unanimidade na aprovação de decisões. O problema é que a Hungria forma, com Polônia, Eslováquia e República Tcheca, o grupo de Visegrad, conhecido como V4, uma aliança de países que busca sistematicamente se opor às economias ocidentais do bloco, com o objetivo de obter vantagens nas negociações. 

O primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Betel, disse que pretende afirmar a Orbán que "as leis adotadas por seu governo são inaceitáveis".

Para o primeiro-ministro da Irlanda, Micheál Martin, "as autoridades húngaras estão atropelando valores fundamentais da UE".

AFP e RFI

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