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Vacina contra covid: como serão feitos os estudos da ButanVac

De acordo com Doria, o Butantan já terá fabricado 40 milhões de doses da ButanVac até outubro deste ano - Getty Images
De acordo com Doria, o Butantan já terá fabricado 40 milhões de doses da ButanVac até outubro deste ano Imagem: Getty Images

André Biernath - Da BBC News Brasil em São Paulo

16/06/2021 20h27

Anunciada no final de março como mais uma candidata a vacina contra a covid-19, a ButanVac deve começar a ser testada em seres humanos nas próximas semanas.

Os estudos clínicos com o imunizante receberam a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 11 de junho.

Os detalhes de como isso será realizado na prática foram divulgados na quarta-feira (16/6) em uma coletiva de imprensa do Butantan e do governo de São Paulo, ao qual o instituto é ligado.

"Lançamos o programa com orientações e pré-cadastro para voluntários com mais de 18 anos que desejam participar dos testes", informou o governador de São Paulo, João Dória (PSDB).

A estimativa inicial era que a ButanVac já estivesse testada e aprovada pelas agências regulatórias em julho de 2021, mas o prazo era realmente apertado e foi impactado por uma série de entraves burocráticos.

Agora, a expectativa é concluir as três etapas de pesquisa necessárias em cerca de 17 semanas, pouco mais de quatro meses.

"É preciso destacar que as fases de estudo são progressivas e, portanto, o avanço depende dos resultados que tivermos em cada uma delas", destacou Dimas Covas, diretor do Butantan, que ficou responsável por parte do desenvolvimento da vacina e de sua fabricação no Brasil.

Embora o anúncio não tenha apresentado todas as minúcias de como vão ocorrer os testes, já é possível ter uma boa ideia de como eles se desenvolverão a partir das próximas semanas.

Primeiros passos

Com o sinal verde da Anvisa, o Butantan e os centros de pesquisa parceiros estão quase liberados para iniciar as fases 1 e 2 da pesquisa com a ButanVac.

Há ainda um último entrave para que tudo comece para valer: o estudo ainda precisa ser aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). A expectativa o Butantan é que isso aconteça nos próximos dias.

Nesse estágio inicial, a meta definir se a vacina é segura e não provoca efeitos colaterais preocupantes.

Outro objetivo aqui é determinar a dosagem ideal. Será que precisa de uma ou duas doses? Quantos mililitros do produto devem ser aplicados nas pessoas? Se for necessário fazer duas aplicações, qual o intervalo mínimo entre elas?

De acordo com as informações divulgadas hoje, a fase 1 da ButanVac envolverá um total de 418 voluntários.

O trabalho do Butantan neste momento é fornecer as doses para os estudos. O instituto não é responsável pela pesquisa em si: quem faz todo o processo são os centros parceiros.

"Esse ensaio clínico será realizado pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto", detalhou Doria.

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Governador de São Paulo anuncia pré-cadastro de voluntários para testes da ButanVac
Imagem: Governo do Estado de São Paulo

Quem pode participar?

Nesse primeiro momento, a ButanVac será testada em voluntários com mais de 18 anos.

Diferentemente do que ocorreu com a CoronaVac, outra vacina contra covid-19 estudada no país com apoio do Butantan, os candidatos não precisarão ser profissionais de saúde para participarem.

O governo de São Paulo lançou hoje um site em que as pessoas interessadas em se voluntariar podem realizar um pré-cadastro.

Esses dados serão direcionados para os responsáveis diretos pela pesquisa para que eles façam o recrutamento posteriormente.

Sem entrar em detalhes, Covas adiantou que a fase 3 do estudo deve incluir grupos com perfis específicos.

A taxa de eficácia do imunizante só será determinada justamente nessa etapa, que costuma envolver milhares de indivíduos.

"A progressão do estudo prevê a inclusão não apenas de pessoas que ainda não foram vacinadas, mas também de indivíduos já imunizados e aqueles que tiveram covid-19 anteriormente", detalhou.

"O objetivo é comparar a resposta imune em diferentes perfis e situações."

Prazos, resultados e perspectivas

Ainda segundo Covas, a tendência é que o estudo inteiro, que engloba as fases 1, 2 e 3, demore ao redor de 17 semanas.

Na prática, isso significa que, se tudo correr conforme o planejado, os resultados de eficácia estarão disponíveis a partir do final de novembro.

"Quando tivermos essas informações, poderemos submeter o pedido de aprovação para uso da ButanVac na Anvisa", explicou o diretor do Butantan.

Covas - Governo do Estado de São Paulo - Governo do Estado de São Paulo
Covas estima que todas as fases de estudo da Butanvac podem ser concluídas em 17 semanas
Imagem: Governo do Estado de São Paulo

Essa futura aprovação regulatória depende, claro, do desempenho do imunizante na pesquisa: para ser aceito, o produto deverá apresentar uma eficácia mínima de 50%, como preconizado pela Organização Mundial da Saúde. Até o momento, essa taxa foi superada por todas as vacinas disponíveis hoje no país.

O cronograma estipulado hoje na coletiva de imprensa parece ser um pouco mais realista do que os prazos anteriores, quando a ButanVac foi anunciada.

No dia 26 de março, Doria assegurou que seria possível entregar ao Programa Nacional de Imunizações um total de "40 milhões de doses, se possível, em julho".

À época, especialistas em imunização ouvidos pela BBC News Brasil destacaram que a estimativa era irreal.

O imunologista Gustavo Cabral, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), calculou que era possível terminar as fases 1 e 2 até julho, mas o estudo completo demoraria um pouco mais para ficar pronto.

O que a ButanVac traz de novo?

Um dos principais pontos fortes dessa vacina é o fato de ela não depender da importação de insumos para ficar pronta.

O Butantan possui toda a tecnologia e o equipamento necessários para produzi-la 100% em território nacional.

O aparato é o mesmo utilizado pelo instituto na fabricação das 80 milhões de doses do imunizante contra a gripe, que são entregues todos os anos ao Ministério da Saúde.

Tanto a vacina contra o vírus influenza como essa nova, que promete barrar o coronavírus, são fabricadas a partir de ovos de galinha embrionados.

A técnica é bastante conhecida e garante uma produção rápida e barata ? Doria estimou que cada dose da Butanvac sairá por R$ 10, um valor de cinco a sete vezes mais baixo que os imunizantes importados.

A candidata a vacina se baseia na tecnologia do vetor viral: os cientistas pegam o vírus da doença de Newcastle (que não provoca nenhum problema em seres humanos) e usam a engenharia genética para colocar dentro dele a proteína S.

O "S" vem de spike, ou espícula em português: essa é a parte do coronavírus responsável por se conectar aos receptores na superfície de nossas células para dar início à infecção.

A ideia é que, após a vacinação, nosso sistema imune reconheça a proteína S e passe a produzir anticorpos contra o agente causador da covid-19. Esse mecanismo será testado e validado nos estudos clínicos.

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Ovos sendo inspecionados no Butantan; é neles que está sendo injetado vírus da 'doença de Newcastle' com proteína S do coronavírus, para produzir a ButanVac
Imagem: Instituto Butantan

Um novo nível de exigências

Há ainda um detalhe interessante em relação à fase 3 do estudo da Butanvac: ao contrário das outras vacinas testadas até agora, ela não será comparada com placebo.

Como não existiam opções de imunizantes contra o coronavírus, a primeira geração de imunizantes foi confrontada com essas substâncias inertes, sem nenhum efeito no nosso organismo.

Nesses estudos, metade dos voluntários recebia a vacina de verdade, enquanto a outra parcela tomava o placebo. Depois de algum tempo, os cientistas avaliaram quantos participantes de cada grupo tinham covid-19. A partir daí, era possível definir a taxa de eficácia de cada produto.

Só que a barra de exigências subiu um pouquinho: não é considerado justo (e nem ético) dar placebo a uma parte dos voluntários quando se sabe que há imunizantes testados e aprovados no mercado.

A ButanVac, portanto, será avaliada diante das melhores alternativas que temos até o momento.

"Nós faremos agora um estudo de comparação da resposta imune. Vamos avaliar a ação desta vacina em relação às outras já disponíveis", assegurou Covas.

Outro desafio que os testes clínicos terão que responder é o poderio desta candidata a vacina contra as variantes do coronavírus.

Por ser um produto novo, é importante que ela seja capaz de conter as linhagens mais preocupantes, que mostram uma maior taxa de transmissibilidade ou a capacidade de "driblar" uma resposta imune prévia.

A vacina é brasileira?

Outro detalhe bastante evidente na coletiva de quarta-feira foi a origem da Butanvac: nos anúncios de março, o governo paulista e o Butantan reforçaram a ideia de que ela seria uma vacina 100% brasileira.

Mas reportagens publicadas naquele mesmo dia apontaram que o desenvolvimento da fórmula aconteceu no exterior, mais especificamente na Icahn School of Medicine de Mount Sinai e na Universidade do Texas em Austin, ambas nos Estados Unidos.

Após a criação "molecular" da vacina, ela foi oferecida pelo Centro Path de Inovação e Acesso à Vacina a potenciais parceiros internacionais.

Foi aí que o Butantan entrou na história e se tornou um dos responsáveis por realizar os estudos clínicos e, caso dê tudo certo, pela futura fabricação e distribuição em larga escala.

Além do centro brasileiro, o imunizante também será testado e desenvolvido pelo Instituto de Vacinas e Biologia Médica do Vietnã e pela Organização Farmacêutica Governamental da Tailândia.

"A ButanVac é produto do desenvolvimento de um consórcio internacional, que pode fornecer um grande quantitativo de vacinas 2.0 contra a covid-19", esclareceu Covas.

Por que testar mais candidatas?

Outro ponto reforçado durante a coletiva foi a necessidade de criar novos imunizantes contra o coronavírus, mesmo que o Brasil já tenha uma gama deles à disposição.

Se os testes apresentarem bons resultados e a Anvisa aprovar, a ButanVac será mais uma opção para o Programa Nacional de Imunizações, que hoje depende das remessas ou insumos que vêm do exterior.

Com um produto fabricado inteiramente em território nacional, essa dependência é bem menor e fica mais fácil planejar e dar previsibilidade aos esforços brasileiros contra o coronavírus.

Covas ainda antecipa um possível problema a ser enfrentado a partir de 2022: a necessidade de aplicar doses de reforço nas pessoas que já foram imunizadas nesses últimos meses.

"Tudo indica que precisaremos fazer campanhas de vacinação contra a covid-19 de tempos em tempos, então vamos necessitar de mais doses no futuro", adianta.

De acordo com Doria, o Butantan já terá fabricado 40 milhões de doses da Butanvac até outubro deste ano.

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