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Santos admite que recompensas militares incentivaram execuções na Colômbia

12/06/2021 04h22

Bogotá, 11 jun (EFE).- O ex-presidente da Colômbia Juan Manuel Santos (2010-2018) reconheceu nesta sexta-feira que a política de recompensar mortes de guerrilheiros promovida durante o governo de Álvaro Uribe (2002-2010) incentivou execuções extrajudiciais cometidas por membros das Forças Armadas e que ficaram conhecidas no país como "falsos positivos".

As vítimas dessas execuções, um dos capítulos mais macabros do conflito entre o governo e guerrilhas como as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), eram em sua maioria jovens pobres recrutados por militares sob falsas ofertas de trabalho para serem executados em outras regiões do país e apresentados como guerrilheiros mortos em combate.

Com as mortes, os militares envolvidos mostravam "melhores resultados" a seus superiores a fim de obterem licenças, prêmios e outros benefícios.

Santos, que foi ministro da Defesa entre 2006 e 2009 no governo Uribe, admitiu em um depoimento voluntário à Comissão da Verdade do país que "a pressão para produzir baixas e as recompensas para alcançá-las foram, sem dúvida, os principais incentivos para produzir tal degradação do conflito".

Entretanto, ele garantiu que fez "tudo o que era humano e legalmente possível para evitar os 'falsos positivos".

"Devo dizer que o presidente Uribe não se opôs à mudança desta doutrina nefasta que ele mesmo havia encorajado", acrescentou Santos, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2016 pelo esforço de pacificação entre o governo colombiano e as Farc quando ele ocupou a presidência.

O ex-presidente contou que em seus primeiros meses como ministro da Defesa ouviu "rumores sobre a possível existência de 'falsos positivos", mas, como não havia provas, não lhes deu credibilidade.

"Eu não podia acreditar que algo assim pudesse estar acontecendo", declarou Santos, acrescentando que "a verdade é a base para a reconciliação que o país está buscando".

DERROTAR AS FARC.

Relatórios apresentados à Jurisdição Especial para a Paz (JEP), criada como parte do acordo de paz assinado em 2016 entre o governo e os guerrilheiros das Farc, mostram que um dos períodos em que essas execuções mais ocorreram foi de 2002 a 2008, o que coincide com os dois governos de Uribe, com pelo menos 6.402 casos documentados.

"Não tenho dúvidas de que o pecado original que deu origem a essas atrocidades foi a pressão para produzir vítimas e tudo o que foi tecido em torno do que muitos chamaram de 'doutrina do Vietnã'", disse o ex-presidente.

Santos afirmou ainda que, quando chegou ao Ministério da Defesa, tinha o mesmo objetivo de Uribe de derrotar os guerrilheiros, embora os dois políticos tivessem notáveis diferenças "sobre como fazê-lo".

"Uribe queria acabar com as Farc militarmente, ele queria uma derrota total. Ele nunca quis sequer reconhecer a existência de um conflito armado, os guerrilheiros para ele eram simplesmente traficantes de drogas e terroristas", declarou.

Já ele, como ministro e subordinado de Uribe, "considerava mais viável e conveniente, mais rápido e menos dispendioso, derrotá-los estrategicamente, enfraquecê-los psicologicamente e militarmente e trazê-los à mesa de negociações", como aconteceu quando se tornou presidente.

FORTALECIMENTO DOS DIREITOS HUMANOS.

O ex-presidente reconheceu que os "falsos positivos" não são uma história fácil de entender não só porque "é inconcebível" que homens do Exército tivessem cometido ou tolerado esses atos, mas também porque eles ocorreram enquanto o Ministério da Defesa estava fortalecendo uma política de direitos humanos nas Forças Armadas.

Ele disse que, no início de 2007, "levantou o véu" sobre os "falsos positivos" por causa de advertências confidenciais que recebeu de organizações internacionais, incluindo a ONU, e especialmente de seu então vice-ministro Sergio Jaramillo.

"Não foi fácil para nós saber com absoluta certeza o que estava acontecendo em campo", alegou.

Isso mudou quando Santos soube do caso de um homem de 67 anos morto em 8 de julho de 2008 por soldados que o apresentaram como guerrilheiro morto em combate.

O filho da vítima, que também era um soldado, denunciou a execução, e pela primeira vez houve confirmação, "com toda a clareza, da realidade dos falsos positivos", explicou.

"Tudo ficou mais claro e piorou um mês e meio depois, quando saiu a notícia sobre os casos em Soacha (uma cidade ao sul de Bogotá onde ocorreram alguns dos casos mais emblemáticos), o que fez nossos cabelos ficarem de pé", lembrou.

Santos "imediatamente" deu a ordem de criar uma comissão para investigar esses casos e, ao tomar conhecimento dos resultados da investigação, decidiu "que 20 oficiais e sete suboficiais tinham que ser demitidos, incluindo três generais e quatro coronéis".

No final de seu depoimento, Santos fez um mea culpa pelas mortes e reconheceu que este "horror" que custou a vida de jovens inocentes "nunca deveria ter acontecido".

"Fico com o remorso e o profundo pesar de que durante meu período no Ministério muitas, muitas mães, inclusive as de Soacha, perderam seus filhos para esta prática implacável, jovens inocentes que deveriam estar vivos hoje", afirmou.

O político disse que em algum momento o Exército deve dizer à Colômbia e ao mundo que permitiu que isso acontecesse e pedir perdão, mesmo que essa política criminosa não fosse uma doutrina.

"Com este reconhecimento não pretendo minimizar a gravidade do que aconteceu na Colômbia entre 2002 e 2008, quando membros de nosso Exército violaram seu juramento de proteger a vida dos colombianos e fizeram o contrário, se tornando seus assassinos", concluiu.

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