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'Dá um jeito': Sob tiroteio, moradora do Jacarezinho falta e é demitida

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL
do UOL

Tatiana Campbell

Colaboração para o UOL, no Rio

17/05/2021 04h00

Uma moradora do Jacarezinho, favela da zona norte do Rio, relatou ao UOL que teve a porta de casa quebrada por policiais durante a operação mais letal do estado, no dia 6 deste mês. Os agentes buscavam suspeitos. Casada e mãe de uma criança de 2 anos, a mulher de 22 anos —que pediu para não ser identificada por temer represálias— definiu a ação como uma "caçada".

Além de ter de convencer os policiais de que sua família é de trabalhadores, ela perdeu o emprego de atendente em uma lanchonete no Grajaú, na zona norte, porque não conseguiu sair de casa em razão dos tiroteios. Foi demitida por telefone e, com isso, diz que não conseguirá concluir a faculdade de Gastronomia neste ano. Leia a seguir seu depoimento.

"Exatamente às 6h eu estava saindo de casa. Quando eu ia colocar o pé na porta ouvi os tiros e voltei. Eu mandei mensagem para a minha patroa informando que não poderia abrir a loja por causa do tiroteio. Eu ainda precisava deixar meu filho na babá, mas que mãe seria eu de sair com meu filho de 2 anos no colo nessa situação?

Quando foi 10h, a bala ainda estava comendo. Ela [a empregadora] me mandou uma mensagem dizendo: 'Dá um jeito de sair de casa para abrir a loja'. Eu avisei que não dava para sair, que estava cheio de policial. Assim que enviei essa mensagem para ela, bateram na minha porta."

Segundo a moradora, um grupo de policiais utilizava um pé de cabra para arrombar a residência dela. Ela então ouviu vizinhos gritarem: "É casa de trabalhador".

"Meu marido estava uniformizado, com a carteira de trabalho na mão, graças a Deus. Eles estavam com um pé de cabra. Usaram isso para bater na minha porta, só que a porrada foi tão forte que tirou o parafuso do lugar. Aí minha porta ficou um lado presa e o outro solta.

Eles perguntaram se alguém tinha entrado na nossa casa e dissemos que não. Fizeram essa pergunta várias e várias vezes. Eles foram extremamente grossos. A gente disse que ninguém tinha entrado na casa. Mesmo a gente negando falavam: 'Tem certeza?'. Eles estavam na caçada."

De acordo com ela, que mora há 3 anos no Jacarezinho, policiais já invadiram sua casa duas vezes.

"Eu pago aluguel, tenho filho de 2 anos e usava o salário para pagar minha faculdade de Gastronomia. Eu ajudava meu marido com as contas de casa. E agora estou demitida, fui diretamente atingida por essa operação.

Eu ouvi da minha patroa que eu deveria estar acostumada por eu morar aqui. Quem se acostuma? Eu jantava e ouvia os gritos das pessoas desesperadas do lado de fora. Fui demitida como se minha vida não valesse nada, como se a vida do meu filho não valesse nada."

O UOL procurou a Polícia Civil sobre a tentativa de arrombamento da casa da moradora. Também questionou sobre a falta de mandado judicial de busca para a ação dos policiais relatada. O posicionamento será incluído se encaminhado à reportagem.

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