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Nada que o Brasil disser convencerá países na Cúpula do Clima de Biden, dizem especialistas

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles - Adriano Machado/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles Imagem: Adriano Machado/Reuters

Lúcia Müzell

Da RFI

22/04/2021 04h32

Líderes de 40 países se reúnem hoje e amanhã para debater medidas que ajudem o planeta a trilhar numa trajetória mais sustentável.

A Cúpula dos Líderes do Clima, convocada pelo presidente americano, Joe Biden, é uma nova oportunidade para o Brasil se reposicionar na pauta ambiental e se comprometer com a proteção da Amazônia —mas especialistas advertem que a confiança no presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está tão abalada que o Brasil não conseguirá convencer os demais países quanto às suas boas intenções, independentemente de eventuais promessas.

Nas últimas semanas, o governo americano manteve diálogos com o brasileiro para preparar o evento e estimular Brasília a mudar o rumo da sua política ambiental. Desde a posse de Bolsonaro, os índices de desmatamento bateram recordes sucessivos e as instituições de fiscalização ambiental, como o Ibama, foram sucessivamente enfraquecidas.

O país chegou a ameaçar deixar o Acordo de Paris sobre o Clima, influenciado por Donald Trump, então aliado do presidente na cena internacional.

Com a nova presidência de Biden, Bolsonaro moderou o tom, porém com compromissos insuficientes, avalia o professor de Relações Internacionais da UNB Eduardo Viola, especialista nas questões climáticas.

"O que vale é o que acontece no terreno. Os países —Estados Unidos, União Europeia, Reino Unido— esperam do Brasil um anúncio de que promete reduzir significativamente as emissões já este ano", explica.

"A meta anunciada pelo vice-presidente Mourão na semana passada é fraca, porque reduz um pouco o desmatamento em relação ano passado, mas é mais alta que as emissões de quando o governo Bolsonaro começou. Pode ser que anunciem alguma coisa a mais, mas isso, em princípio, não tem credibilidade."

Carta sem avanços

Na semana passada, Bolsonaro enviou uma carta para Biden, na qual diz que vai acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e atingir a neutralidade de carbono em 2060, reafirmando os compromissos que o país já tinha desde a Conferência do Clima de Paris, em 2015.

Mesmo assim, o presidente pede, em troca, ajuda externa para atingir o objetivo, para o qual não apresentou propostas concretas. É por isso que, na visão de Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade, o suposto reposicionamento do governo brasileiro não passa de retórica.

"Acho que, mais uma vez, o governo não agarrou essa chance de realinhamento ao futuro —ao contrário. Usou essa oportunidade para, novamente, chantagear. O governo brasileiro não tem uma visão de futuro", constata a economista e ambientalista.

"A NDC [contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês] brasileira que eles colocaram em dezembro mostra que não tem nada de novo, que é uma política de retranca, e por isso não vai levar nada especificamente para o Brasil."

O país chega à reunião poucos dias depois da notícia de que o desmatamento da Amazônia em 2020 foi o maior dos últimos 10 anos, com uma alta de 30% em relação ao ano anterior, conforme levantamento do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia).

Ana Toni frisa que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, busca recursos financeiros internacionais baseado em manobras contábeis com os números de emissões de gases de efeito estufa.

"O Salles é extremamente inteligente, hábil. Como muitos já falaram, ele consegue mentir sem mexer a face, e fala muito bem inglês. Ele é muito bem articulado, mente com convicção, e eu acho que perceberam que nem bala na agulha para negociar ele tem", acusa Toni.

"Acho que ele não conseguiu enganar os americanos e eles vão, sim, anunciar recursos, mas para as florestas tropicais como um todo, e não especificamente para o Brasil. Quem perde é o Brasil porque esses recursos todos poderiam ter sido alocados para a Amazônia."

Mudança improvável a um ano das eleições

O pesquisador Eduardo Viola destaca ainda o peso do componente político por trás da questão ambiental, para o governo Bolsonaro. A um ano das eleições, o presidente não arriscaria uma reviravolta num tema no qual perderia uma parcela importante da sua base eleitoral: o agronegócio associado ao desmatamento e outras atividades ilícitas na Amazônia, como o garimpo.

"Obviamente, o discurso de Bolsonaro é muito bom para esse seu núcleo eleitoral. Esse é um ponto-chave, que mostra o quão difícil seria, para o governo Bolsonaro, ter uma mudança forte de posição. Isso significaria romper com a sua base eleitoral", afirma.

"Seria possível apresentar resultados rápidos, como o Brasil já mostrou que sabe fazer, entre 2005 e 2012, e sem ajuda externa. Mas teria que remobilizar todo o Ibama, ICMBio e outras agências do governo, as Forças Armadas, para uma campanha concentrada. A probabilidade disso acontecer é baixíssima em um governo Bolsonaro."

A expectativa é que vários países, como Canadá e Japão, revelem metas mais ambiciosas durante a cúpula, o primeiro grande palco de Joe Biden na cena internacional. O encontro marca o reposicionamento dos Estados Unidos nas questões ambientais, depois dos anos Trump, e serve de preparação para a Conferência do Clima da ONU em Glasgow (Escócia), em novembro.

Washington deve anunciar a neutralidade de carbono na matriz elétrica até 2035 e zerar as emissões até 2050. Com essa proposta na mesa, Biden deve buscar maior comprometimento de outros grandes emissores, como a China.

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