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Prefeito de Araraquara fala sobre o sucesso do lockdown mais restrito do Brasil

21.fev.2021 - Ruas de Araraquara (SP) ficam vazias em meio ao lockdown - Tetê Viviane/Futura Press/Estadão Conteúdo
21.fev.2021 - Ruas de Araraquara (SP) ficam vazias em meio ao lockdown Imagem: Tetê Viviane/Futura Press/Estadão Conteúdo

Paloma Varón

21/04/2021 15h27

A 285 quilômetros da capital, Araraquara tornou-se referência no combate ao coronavírus em São Paulo, tendo a menor letalidade do estado e uma das menores do Brasil. Prefeito da cidade desde 2017, eleito para um segundo mandato em 2020, Edinho Silva (PT) conta à RFI sobre o sucesso na gestão da Covid no município e quais são os próximos passos no enfrentamento à pandemia.

Edinho Silva se tornou uma exceção no Brasil ao decretar um lockdown estrito para conter o aumento brusco do números de casos de Covid-19 e de ocupação de leitos de UTI. O município suspendeu todos os serviços que não têm relação direta com a área da saúde, incluindo transporte público e supermercados que só podiam funcionar pelo sistema de delivery.

"Eu sempre digo que as medidas restritivas e aquilo que se caracteriza como lockdown não é algo simples de fazer e nem é uma medida que o gestor público toma de forma prazerosa. É algo muito difícil. O lockdown se impõe pela realidade. Quando você já não tem outra medida a adotar, você se obriga a adotar o lockdown", afirma.

Em 2020, Araraquara já havia criado uma estrutura de combate à pandemia que fez com que o município, de 238 mil habitantes, tivesse a menor letalidade em cidades com mais de 100 mil habitantes de todo o estado de São Paulo e a terceira menor letalidade do Brasil, lembra o prefeito.

E foi justamente esta estrutura que permitiu a detecção do crescimento da curva de contaminados no final de janeiro de 2021. "Diante disso, nós remetemos as amostras dos testes de pacientes positivados ao Instituto de Medicina Tropical da USP, que é a principal universidade do Brasil, e recebemos a devolutiva de que a variante P1 estava circulando ativamente em Araraquara", conta.

Como o ritmo de contaminação é muito mais forte com esta variante, e o prefeito já tinhas as imagens do colapso hospitalar em Manaus, com falta de vagas e de oxigênio, entre outros, a primeira providência foi ampliar a rede de assistência médica e hospitalar, assim como a capacidade de oxigênio, os sedativos para intubação, montagem de equipes médicas.

Cidade criou um comitê científico em 2020

"Criamos a estrutura para que a população tivesse assistência médica. Mas como o Brasil não tem uma política de vacinação acelerada, a única forma que temos para evitar que as pessoas se contaminem é o isolamento social. Adotamos essas medidas já na primeira semana de fevereiro. Infelizmente, as restrições que foram impostas não fizeram com que a curva caísse e nós, imediatamente, ouvindo o comitê científico, que montamos na cidade desde 2020, assim como pesquisadores da OMS e da OPAS, resolvemos adotar a restrição máxima, que foi o lockdown", explica Silva.

"Nós não tínhamos nenhuma experiência no Brasil. Olhamos as experiências internacionais e nós retiramos os transportes públicos de circulação, porque aglomera, mesmo com todos os cuidados; chegamos a fechar na primeira semana todos os supermercados, mas reabrimos depois para garantir o abastecimento das famílias. Tomamos as medidas que a ciência impõe, que a ciência diz que é o correto", afirma o prefeito, que disse ter tido amplo apoio da cidade porque conversou com os diversos setores da economia e da sociedade.

"Foi possível construir um consenso em torno das medidas e felizmente elas surtiram efeito. Araraquara está há praticamente dois meses sem nenhum paciente aguardando internação, não tem fila aqui. Hoje atendemos mais pacientes da região e de outros estados brasileiros. As taxas de ocupação de leitos hospitalares pelos moradores de Araraquara é de 18% para enfermaria e 43% para UTI. Nós tivemos uma queda de 77% nas contaminações e tivemos uma queda nos óbitos de 63% se compararmos a primeira semana de fevereiro a esta semana em que estamos agora", comemora.

"Claro que é uma medida difícil, porque o Brasil, ao contrário da maioria dos países, não tem uma política de ajuda, de crédito aos pequenos e médios empresários atingidos pela pandemia. O país não tem uma política de ajuda aos setores econômicos e nós sabemos o quanto que os empresários sofrem com as medidas de isolamento. Mas mesmo assim a cidade nos apoiou", afirmou o prefeito, que disse ter havido mobilizações dos negacionistas, mas que elas foram minoritárias.

O desafio de ser o único a fazer lockdown estrito

Edinho Silva diz que, apesar da rede de solidariedade da ampliação dos programas sociais criados em Araraquara para resistir ao lockdown, o município sozinho pode não se manter isolado por muito tempo.

"O Brasil não tem uma política de enfrentamento à pandemia. Nós vamos chegar em maio a 400 mil mortes; é a maior tragédia humanitária da História do país. Nós não temos uma política federal de ampliação de leitos, de liberação de recursos para que municípios e estados enfrentem a pandemia, fora uma única vez em 2020. Não temos uma política nacional de vacinação e todos os dias o governo federal desautoriza municípios e estados nas suas políticas de isolamento", denuncia.

"O que Araraquara está tentando fazer é proteger os seus habitantes. Mas, sem uma política nacional de enfrentamento à pandemia, nós corremos o risco de termos novamente a curva de contaminação crescendo", lamenta.

Edinho Silva, que estuda os resultados de práticas internacionais, pensa em fazer isolamento vertical e territorializado de agora em diante. "Vamos ampliar a política de testagem para que se feche lugares específicos, caso haja dois ou mais contaminados em um estabelecimento comercial, por exemplo. Nós dividimos a cidade em 50 regiões e vamos monitorá-las através de testagens em massa e também pelo sistema de esgotos, para que a gente possa, se for necessário, isolar aquela área da cidade."

"Mas, se chegamos a 30% de contaminações, vamos fechar a cidade toda de novo. E só reabriremos quando a taxa de contaminação cair abaixo de 20%. São métodos que a cidade está construindo para que a gente possa voltar às atividades de forma segura", finaliza.

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