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Covid-19: variante com dupla mutação avança na Índia e gera preocupação mundial

19/04/2021 11h35

Em plena segunda onda da pandemia, a situação na Índia é catastrófica. Os casos diários de Covid-19 na Índia saltaram para um recorde de 273.810 nesta segunda-feira (19). Para tentar conter o desastre, a capital Nova Délhi entra em lockdown a partir de hoje por uma semana. Especialistas alertam para uma variante que poderia estar acelerando o contágio.  

Por causa da situação sanitária, o governo britânico cancelou a viagem do primeiro-ministro Boris Johnson à Índia, prevista para ter início no dia 26 de abril.  

Com 1,3 bilhão de habitantes, a Índia teve o quinto dia consecutivo com mais de 200 mil casos diários. Nos últimos sete dias, o país registrou mais de 1,4 milhão de casos, ou seja, 64% a mais que na semana anterior. O sistema de saúde entrou em colapso sob o peso de novas infecções. Os hospitais indianos estão lutando contra a falta de leitos, oxigênio e medicamentos essenciais.

Em Nova Délhi - a cidade mais afetada pela doença na Índia - foram registrados 25.500 novos casos no domingo, com quase um terço dos testes com resultados positivos para a Covid-19. 

Menos de 100 leitos de cuidados intensivos estavam disponíveis na capital, que tem uma população de mais de 20 milhões de pessoas, disse o ministro-chefe Arvind Kejriwal no domingo.  

O número total de mortos ultrapassa a marca de 15 milhões; a Índia só perde apenas para os Estados Unidos, que tem mais de 31 milhões de óbitos. O Brasil se aproxima da marca de 14 milhões nesta segunda-feira. 

Variante pode ser responsável

Uma nova variante, que tem uma chamada "dupla mutação", pode ser a responsável pela vaga mortal. "Estamos seguindo o curso dessa variante com muito interesse", declarou Maria van Kerkhove, responsável técnica da Organização Mundial da Saúde (OMS) na luta contra a Covid-19, na última sexta-feira (16). 

A nova variante, chamada de B.1.617, foi identificada com duas mutações, a E484Q e a L452R. Ela foi observada na Índia pela primeira vez no ano passado, por um cientista.  

"Com duas dessas mutações, que foram vistas em outras variantes no mundo, é preocupante", disse van Kerkhove. Ela acrescentou que há uma semelhança com mutações que aumentam a transmissão e, ao mesmo tempo, reduzem a neutralização, o que pode afetar a eficácia das vacinas contra essa nova variante. 

"A Índia pode ser o novo Brasil em termos de crise", alerta Eric Feigl-Ding, da Federação Americana de Cientistas, pelo Twitter, diante da alta positividade, que quintuplicou no último mês.  

O clínico-geral Surandipta Chandra trabalha sem parar em uma clínica no sul de Nova Délhi. Entrevistado pela RFI na semana passada, ele relata: "O vírus se espalha como um incêndio na floresta".  

Para o médico, o mais preocupante é que os testes PCR não conseguem mais detectar todos os casos. "O vírus está se adaptando de forma inteligente e essa mutação indiana parece escapar das detecções. Muitos pacientes recebem resultados negativos nos testes, mas desenvolvem sintomas graves", explica. 

"Se não impormos um lockdown agora, teremos um desastre maior", afirmou o ministro chefe de Nova Délhi, Arvind Kejriwal. Ele anunciou que o comércio permanecerá fechado na cidade e os deslocamentos serão autorizados apenas para os serviços considerados essenciais. 

"O isolamento não vai acabar com a pandemia, mas vai desacelerar. Vamos aproveitar o confinamento de uma semana para melhorar a situação dos hospitais, que estão sob forte pressão e perto do limite", completou. 

 Após o anúncio, longas filas foram formadas nas lojas de bebidas de Nova Délhi, cenas que recordam os dias prévios ao lockdown nacional do ano passado. 

Medidas similares já foram adotadas em outras regiões do país, em particular nos estados de Maharashtra (oeste), onde fica a capital financeira Mumbai, e Tamil Nadu (sul). 

O governo afirmou que vai atender os pedidos apresentados por vários estados de mais oxigênio e medicamentos. 

O que aconteceu? 

A Índia abriga o Instituto Serum, o maior fabricante de vacinas no mundo, e lançou uma campanha de vacinação de massa em meados de janeiro. Pouco tempo depois, foi iniciado o envio de vacinas para outros países. 

No início de março, o ministro indiano da Saude, Harsh Vardhan, declarou que o país estava na fase final da pandemia. Ele estava entusiasmado com o forte declínio das contaminações.  

Depois de um pico de mais de 93 mil casos por dia em meados de setembro, a média passou a 11 mil casos por dia. As autoridades estavam eufóricas, acreditando que tinham dobrado a curva da Covid. O presidente Modi chegou a ser chamado de "guru da vacina". 

Mas a situação mudou rapidamente, e nos últimos sete dias a Índia registrou mais de 1,4 milhão de casos, ou seja, 64% a mais que na semana anterior. 

Mais de 108 milhões de indianos já foram vacinados, mas diante da explosão das contaminações, o país aprovou a vacina russa Sputnik V - o terceiro imunizante aprovado no país, depois do produto desenvolvido pela AstraZeneca/Oxford e da Covaxin, da empresa indiana Bharat Biotech. Segundo os acordos de produção assinados pelo fundo soberano russo que promove a vacina, o fabricante indiano produzirá 852 milhões de doses da Sputnik V. 

O objetivo é de vacinar 300 milhões de pessoas até o final de julho. Mas o calendário já registra atrasos devido à ruptura do estoque de imunizantes em alguns estados e a desconfiança de uma parte da população em relação às vacinas. 

Festejos religiosos e comícios

Além da presença da variante, outros fatores podem ter influenciado a explosão no número de contaminações. Alguns culpam o relaxamento da população, que parou de respeitar medidas de prevenção. Especialistas criticam festivais religiosos como o Kumbh Mela, ao qual compareceram milhões de peregrinos, e os comícios para as eleições estaduais, que teriam funcionado como "superpropagadores" do vírus.

Nas redes sociais, as famílias reclamam da falta de leitos nos hospitais, oxigênio e medicamentos. A imprensa destaca as longas filas nos crematórios. 

Viver a pandemia na Índia 

"A população é enorme, é muito difícil manter o distanciamento", conta a carioca Layla Correa Mishra, 43 anos, que mora em Kato, no Rajastão (noroeste), há cinco anos. "No momento em que você está na rua, as filas são gigantescas, é muita gente, não dá mesmo. Claro que o ideal é ficar em casa. Eu posso fazer isso, sou tradutora e trabalho em casa, mas há muitos autônomos que precisam circular", explica.  

Para Layla, a campanha de vacinação tem sido rápida. "Agora estão chamando as pessoas na faixa de 45 anos, então estamos aguardando, pois ainda não chegamos lá". Há mais de um ano sem ir à escola, os filhos de Layla têm aulas à distância, com uma professora particular para dar um apoio em casa. "Isso torna a situação mais custosa - e cruel para as crianças, que são pequenas e precisam ficar de quatro a cinco horas por dia diante de um computador".  

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