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OPINIÃO

Governo entendeu que investimento privado é única saída para infraestrutura

do UOL

16/04/2021 04h00

Na última semana, tivemos uma série de leilões para a concessão de ativos no setor de infraestrutura que envolveram cinco terminais portuários, 3 blocos com 22 aeroportos e uma ferrovia (Governo arrecada R$ 216 milhões em último dia de leilões de infraestrutura). O governo comemorou muito o resultado obtido, sendo que o ministro da infraestrutura, Tarcísio de Freitas, chegou a afirmar que isso mostra não só que o Brasil tem futuro, mas também o compromisso do governo Bolsonaro com a agenda liberal.

Particularmente eu não iria tão longe. Afirmar que este governo tem compromisso com agenda liberal chega a ser um escárnio. O presidente Jair Bolsonaro nunca se mostrou um liberal e tem sido um dos principais entraves à verdadeira privatização de empresas como Eletrobras, Petrobras, Banco do Brasil, Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), dentre outras. Pior ainda, ele tem dado declarações de caráter tipicamente intervencionista e agido como se essas empresas fossem mais um instrumento político, inclusive no processo de negociações de cargos para alcançar objetivos bastante questionáveis.

Por outro lado, é fato que investidores na área de infraestrutura olham para o longo prazo, ou seja, para a perspectiva de retorno do investimento compatível com o período da concessão e não para questões conjunturais. Entretanto, mesmo nesse aspecto, temos muito a melhorar para tornar nossos ativos cada vez mais atrativos e induzirmos as empresas mais eficientes ao redor do mundo a participarem dos futuros leilões por aqui.

E isso passa pelo reconhecimento, por parte dos investidores, de que o país conseguiu atingir um grau de maturidade institucional bastante sólida, que seja capaz de garantir a estabilidade política e econômica e a segurança jurídica para contratos, algo que nem de longe se observa nos dias de hoje no país. Basta lembrar, por exemplo, do que tem ocorrido com as concessões da Linha Amarela e do BRT no Rio de Janeiro. Na realidade, nosso ambiente para negócios está bem longe de ser um dos melhores do mundo. No ranking Doing Business de 2019 do Banco Mundial, por exemplo, o Brasil ocupa a 124ª posição dentre um total de 190 países.

No que diz respeito à dinâmica e ao resultado dos leilões, não esperava nada de diferente. Dado o contexto da pandemia e a incerteza futura associada ao péssimo ambiente político-econômico vigente no país, os poucos grupos que participaram são, em sua maioria, aqueles que já estão no Brasil e conhecem a dinâmica local. Mesmo o propalado ágio (diferença entre o valor pago e o lance mínimo aceito pelo governo) obtido nos leilões com os blocos de aeroportos diz muito pouco a respeito do eventual sucesso do governo neste processo.

Na realidade, no caso de aeroportos, o ágio observado pode derivar de vários fatores. Por exemplo, pode estar associado à subestimação do valor dos ativos concedidos por parte do Estado ou à superestimação dos resultados potenciais a serem obtidos pelos grupos vencedores. Também poderia ser reflexo da preocupação dos grupos vencedores em evitar a entrada de concorrentes na prestação de serviços aeroportuários ou o reconhecimento de que os novos ativos potencializariam o valor dos aeroportos que já estão sob a responsabilidade dos vencedores. Vale lembrar que o grupo CCR já gerencia o aeroporto de Confins e, o grupo Vinci, o de Salvador (este último, inclusive, atua também em outros países da América Latina).

De toda forma, dado o contexto atual, vejo como positivo o resultado obtido. Em primeiro, porque sinaliza que o governo entendeu que em um ambiente de total escassez de recursos públicos para investimentos em infraestrutura, a única saída é contar com a iniciativa privada, que, por uma série de peculiaridades que não cabe aqui discutir, tende a ser mais eficiente na gestão de negócios de infraestrutura. Vale lembrar que a qualidade da nossa infraestrutura atual é bem ruim, quando comparamos com outros países (pelo ranking The Global Competitiveness Report 2019, estamos classificados em 78º lugar entre 140 países avaliados). E isso reduz também a atratividade de investimentos para outros setores da nossa economia.

Em segundo, porque a crítica de que o governo poderia obter mais recursos se deixasse para realizar os leilões depois da pandemia, em um contexto de crescimento econômico, desconsidera o custo de oportunidade envolvido nessa decisão. Abrir mão de leiloar agora implicaria atrasar investimentos que podem gerar mais empregos no país e retardar a melhor prestação de serviços para a sociedade; sem falar que muitos desses ativos podem se depreciar ao longo do tempo por falta de investimentos. Ademais, conforme já destacado aqui, os potenciais investidores precificam a concessão olhando as perspectivas de resultado no longo prazo, ou seja, circunstâncias momentâneas pouco alteram a disposição em pagar pelo direito de prestar o serviço em infraestrutura.

Nesse sentido, o que o Estado pode fazer para arrecadar mais é melhorar o ambiente de negócio nesses setores. E isso envolve, por exemplo, estabilizar as regras do jogo, por meio de construção e manutenção de arcabouço regulatório eficiente, blindando as agências de interferências políticas (principalmente indicando nomes técnicos para os cargos de diretoria). Também é importante que o nosso Judiciário entenda definitivamente que suas decisões não são neutras. A pretexto de proteger os usuários dos serviços públicos, algumas determinações podem gerar o efeito contrário, criando um nível de insegurança jurídica que desincentive investimentos futuros, reduzindo a qualidade do serviço prestado.

Finalmente, nossos legislativos pelo país afora devem compreender que interferências populistas sobre concessões em andamento só reduzem a disposição futura dos investidores em pagar pelo direito de prestar o serviço. Sem que este quadro seja bem compreendido por toda a sociedade, continuaremos estagnados, com uma infraestrutura de baixa qualidade ou com o Estado arrecadando menos do que poderia.

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