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Governo tem de dar auxílio mesmo com dívida, diz representante de estados

do UOL

Giulia Fontes

Do UOL, em São Paulo

06/03/2021 04h00

O governo federal tem de pagar o novo auxílio emergencial para a população pobre se manter na pandemia de covid-19 mesmo que isso aumente a dívida pública. Agora é urgente, depois se pensa em como recuperar as contas.

Essa é a posição de Rafael Fonteles, presidente do Consefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal), em entrevista exclusiva ao UOL. Ele representa os estados e o DF nessa área de finanças públicas e também é secretário da Fazenda do Piauí.

É claro que há um efeito colateral do aumento do endividamento. É algo que tem que ser observado, mas pode ser tratado em médio e longo prazo. No curto prazo, nessa situação de óbitos ascendentes, o remédio tem que ser aplicado
Rafael Fonteles

Ele também criticou a proposta do governo federal para o ICMS sobre combustíveis, afirmando que a medida não resolve o problema e que pode até aumentar o preço.

Leia os principais trechos da entrevista:

UOL: O senhor acha que está havendo uma lentidão do governo federal e do Congresso para retomar medidas como o auxílio emergencial? Tinha que ser mais rápido?

Rafael Fonteles: Não cabe a nós apontar culpados nesse momento, mas o fato é que o Brasil está atrasado em relação a outros países - ainda mais considerando que temos um sistema de saúde robusto e experiência na vacinação em massa.

Isso termina gerando mais prejuízo social e econômico, porque você só resolve essa crise quando resolver a pandemia, e a única solução para a pandemia é a vacina. Todos os países estão nesse esforço de avançar ao máximo na vacinação.

Estamos empenhados, os nossos governadores principalmente, em fazer essa articulação junto com a União, o Congresso e o Poder Judiciário para termos alternativas para acelerar a vacinação da população brasileira.

Os estados teriam condição fiscal de comprar as vacinas por si mesmos? Como o senhor vê essa possibilidade de descentralização da responsabilidade pelo plano de vacinação?

O ideal seria que houvesse uma centralização dentro do Plano Nacional de Imunização, como acontece com todas as vacinas. Mas, dado que há urgência, alguns governadores e prefeitos já se manifestam no sentido de comprar diretamente as vacinas, se for necessário.

Eu não posso falar por todos os estados, mas alguns têm, sim, condições de comprar pelo menos uma parte das vacinas para acelerar esse calendário. O ideal é que isso seja feito de forma coordenada pelo Ministério da Saúde e pelo governo central, dentro do Plano Nacional de Imunizações, como já é a expertise do Brasil.

Há estados implementando outras medidas por conta própria (auxílios financeiros para a população, por exemplo). O senhor acha que isso é ruim do ponto de vista nacional, porque fica cada um por si?

Os estados e os municípios não podem se financiar emitindo títulos. É muito difícil para os estados - e eles ainda fazem esse esforço de utilizar o seu próprio orçamento para mitigar esses efeitos [da pandemia], chegando ao ponto de propor a compra de parte das vacinas mesmo em uma situação econômica difícil.

Esse papel é do governo central porque ele pode se financiar. É claro que há um efeito colateral do aumento do endividamento. É algo que tem que ser observado, mas isso pode ser tratado em médio e longo prazo, principalmente com a sinalização de reformas importantes. No curto prazo, nessa situação de óbitos ascendentes, de colapso nos sistemas de saúde, o remédio tem que ser aplicado.

O estímulo fiscal, seja no auxílio às redes de saúde, seja no auxílio aos trabalhadores que perderam a renda, tem que ser executado, independente do aumento do endividamento, que deve ser tratado logo em seguida.

Há estados que estão com colapso do sistema de saúde pela falta de auxílio do governo federal?

É uma conjugação de fatores. Como eu disse, não cabe a nós atribuir culpados nessa questão. O fato é que não prorrogar auxílios nem habilitar leitos de UTI contribui para agravar o problema.

Há também o fator externo, as novas variantes do vírus. O que nós temos que fazer é lançar mão de toda e qualquer medida que mitigue esses efeitos.

Qual é a opinião do Comsefaz sobre a proposta do governo federal para alterar a cobrança do ICMS sobre combustíveis?

Os 27 secretários de Fazenda dos estados já adotaram uma posição unânime, ainda antes do Carnaval, de que qualquer proposta de reforma ou de alteração tributária sobre os combustíveis deve ser discutida dentro do contexto da reforma tributária. Somente a reforma tributária pode, além de simplificar o sistema, corrigir uma série de distorções.

Alterações pontuais não resolvem o problema tributário. [A proposta de Bolsonaro] sequer reduz a carga tributária sobre os combustíveis. Ela propõe uma alíquota uniforme, e isso levaria alguns estados a terem que aumentar o valor cobrado e outros a diminuir. Então, não é uma proposta que resolve o problema que se busca atingir.

Fizemos um alerta de que essa subida dos preços não tem a ver com a questão tributária, que não teve alterações nos últimos anos. [O aumento] tem a ver com a política de preços da Petrobras que coloca o preço, mesmo o Brasil sendo um grande produtor de petróleo, em paridade com o mercado internacional, sofrendo as oscilações diárias do preço do barril.

O senhor acha que existe uma tentativa do governo federal de atribuir aos estados a responsabilidade sobre o aumento dos combustíveis? Considera que é uma manobra política?

Não cabe a nós julgar as intenções que outro ente da federação tem. O que nos cabe é debater o tema, com toda a responsabilidade. Dado que o tema veio à tona, nós já fizemos a nossa manifestação, com argumentos técnicos, para dizer onde está o problema e o que funciona e o que não funciona para resolver a questão.

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