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Brasileiro faz ato pela Nigéria em SP e acaba atacado: "Vai para seu país"

Brasileiro criado na Nigéria, o bacharel de direito Ibrahim Arolu, de 24 anos, foi expulso do aeroporto de Guarulhos após protestar contra a violência policial no país africano - Arquivo Pessoal
Brasileiro criado na Nigéria, o bacharel de direito Ibrahim Arolu, de 24 anos, foi expulso do aeroporto de Guarulhos após protestar contra a violência policial no país africano Imagem: Arquivo Pessoal
do UOL

Paulo Eduardo Dias

Colaboração para o UOL, de São Paulo

30/10/2020 12h07Atualizada em 30/10/2020 17h54

Nascido no Brasil e criado na Nigéria, Ibrahim Arolu, 24 anos, resolveu se mobilizar contra a violência no país africano. Teve uma ideia: um protesto solitário no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, por onde passam inúmeros estrangeiros diariamente. O que Arolu não esperava é que ele mesmo acabasse vítima de ataques.

A placa que o jovem segurava foi quebrada por seguranças. Arolu ainda ouviu insultos — o bacharel em direito foi chamado de "vagabundo", "negão", e mandado de volta para "o seu país", sendo que nasceu em solo brasileiro. A concessionária do terminal apura a situação em sindicância interna e o caso foi registrado no 7º Distrito Policial de Guarulhos (SP) como injúria racial.

O caso aconteceu na penúltima terça-feira (20). Para chamar a atenção dos brasileiros para a onda de violência no país em que foi criado, Arolu levou até o aeroporto uma placa com os dizeres "Nigéria é a fortaleza dos negros e está na ponta do extermínio". Adicionou a hashtag #EndSars, que virou símbolo do movimento popular na Nigéria por pedir o fim da Sars (Esquadrão Especial Anti-Roubo), conhecido por ações violentas.

"Algumas pessoas me perguntaram sobre o que eu estava protestando e eu explicava", conta.

Cansados dos abusos cometidos por integrantes da tropa, nigerianos foram às ruas exigir o fim do batalhão. A repressão aos manifestantes causou a morte de dezenas de pessoas, segundo a Anistia Internacional. Até o dia 20 de outubro, data do ato solitário de Arolu, cerca de 50 pessoas haviam morrido na Nigéria.

Pouco tempo após chegar ao local, já no terminal 3, o jovem foi abordado por um segurança branco, que teria perguntado em tom de piada: "o que está acontecendo com nosso povo?".

Formado em direito, jovem sabia que não praticava ato ilegal

Enquanto ele explicava, outro segurança questionou sua presença no aeroporto. Arolu informou aos dois vigilantes que sua atitude não era ilegal.

Formado em direito em julho, e aguardando a 2º fase do exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para se tornar advogado, o homem é professor de inglês, além de falar outras três línguas. Ainda assim, Arolu deixou o local para entrar em contato com um ex-professor e saber se realmente não estava fazendo nada de errado. Com a resposta, voltou aeroporto, dessa vez pelo terminal 2.

Os dois seguranças voltaram a abordá-lo e o arrastaram para fora. Com a movimentação, ele conta que passou a ser observado por passageiros, sendo xingado por um que passava pelo local. "Vagabundo, vai para seu país", disse ele.

O comportamento dos vigilantes ficou mais agressivo, e eles quebraram sua placa.

Advogado passava pelo local e interveio na confusão

O UOL conversou com uma das pessoas que passava pelo local e presenciou a cena. O advogado Alexsandro Nunes Nazário, 46, disse que o protesto solitário chamou sua atenção. Resolveu intervir quando viu que a situação poderia virar uma briga. Alertou os funcionários de que não poderiam chamar Arolu de "negão".

Estava com meu filho subindo a escada rolante para comer. Na hora que vi que pegarem ele, eu desci a escada voando. Eu disse que a Constituição é clara: qualquer pessoa pode fazer manifestação de forma pacífica e ele estava fazendo isso.
Alexsandro Nunes Nazário, advogado

Diante do fato, Arolu e Nazário decidiram procurar a 3ª Delegacia de Atendimento ao Turista (Deatur). No entanto, de acordo com o jovem, a delegada que os atendeu acabou por repreender seu ato.

Chegando lá, ouviu da delegada, segundo conta: "Aqui não é lugar de fazer protesto, é área de segurança. Você não deveria ter vindo para cá para fazer manifestação. Deveria ter ido para a avenida Paulista ou para [a praça da] República".

Concessionária do aeroporto repudia ofensas

Procurada pelo UOL, a Polícia Civil informou que "na ocasião, os seguranças foram chamados para comparecer à unidade policial, e a vítima foi orientada a aguardá-los"

O boletim de ocorrência só foi feito dois dias depois no 7° DP de Guarulhos. Segundo a polícia, o caso foi registrado como injúria racial e encaminhando à Deatur.

Já a GRU Airport, concessionária que administra o Aeroporto Internacional de São Paulo, afirma que a denúncia foi encaminhada para sindicância interna. "A concessionária repudia veementemente qualquer tipo de ofensa e prática discriminatória e reforça que qualquer opinião que contrarie o respeito à diversidade não reflete os valores e os princípios da empresa."

O bacharel em direito critica a postura dos vigilantes. Para ele, a maior falta de respeito foi a maneira com que era chamado de "negão".

Eles diziam, 'Seu negão, estou falando com você'. Isso não é respeito, é racismo. Se fosse um cara branco, será que isso ia acontecer? Eles acham que mostram superioridade, que esse 'negão' é só mais um africano, acham que o que fizerem comigo não vai ter repercussão. Isso é muito triste.
Ibrahim Arolu, bacharel em direito

Um paulistano filho de imigrantes, como muitos outros em São Paulo

Filho de um engenheiro mecânico brasileiro e de uma vendedora de semijoias nigeriana, Arolu nasceu no bairro do Morumbi, na zona sul paulistana, em maio de 1996.

Quando ele tinha dois meses de vida, a família voltou para a África. Arolu permaneceu lá até seus 18 anos e voltou ao Brasil. Seu pai, uma irmã e um irmão estão na Nigéria, o que faz o bacharel temer por suas vidas. A mãe, em visita ao Brasil, está em sua casa.

Todo mundo na Nigéria já sofreu com Sars. É fato conhecido na Nigéria. Eles sequestram, abusam sexualmente das mulheres, matam. Eu me preocupo com meus familiares. Hoje eles matam meu vizinho, amanhã podem ser meus irmãos, por isso as pessoas saem nas ruas para protestar
Ibrahim Arolu, bacharel em direito

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