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Fuga de Leopoldo López enfraquece oposição venezuelana

28/10/2020 10h44

A fuga do opositor Leopoldo López para a Espanha, no último sábado, deixou seu colega de partido Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino da Venezuela, solitário na oposição em Caracas. Especialistas ouvidos pela RFI analisam de que forma a vinda de López para a Europa pode impactar o futuro político da Venezuela.

Por Elianah Jorge, correspondente da RFI

Guaidó lançou nesta terça-feira (27) um projeto de "consulta popular" em paralelo às legislativas de 6 de dezembro - processo fixado pelos chavistas -, para que os venezuelanos decidam se concordam ou não com essas eleições contestadas pela oposição. A consulta de Guaidó deve durar uma semana, de 5 a 12 de dezembro, mas o número de votantes é uma incógnita e poderá determinar o fracasso político do opositor ou reforçar sua liderança.

O governo dos Estados Unidos já anunciou que não vai reconhecer a votação organizada pelo regime de Nicolás Maduro. Já a União Europeia pediu um adiamento do pleito, previsto para renovar os 167 deputados da Assembleia Nacional. 

Neste processo, Guaidó, perderá o cargo que permitiu a ele se autodeclarar presidente interino da Venezuela, em janeiro de 2019, e angariou o apoio de dezenas de países.

Para o analista político Aníbal Sánchez, "em 5 de janeiro de 2021, haverá uma nova Assembleia Nacional, queira ou não queira Guaidó. São várias as derrotas que ele pode ter, caso não consiga uma grande mobilização e entusiasmo em torno do que ele chama de 'consulta popular'".

Chefe no exílio

Em sua primeira coletiva em seis anos, nesta terça-feira (27) em Madri, Leopoldo López negou ajuda europeia para sua viagem e afirmou que deixou a Venezuela em um voo comercial. O opositor, que estava hospedado desde abril de 2019 na residência da Embaixada da Espanha em Caracas, foi acusado por Maduro de receber apoio do embaixador espanhol, Jesús Silva, para deixar o país.

López alegou que teve vontade de "fazer uma surpresa para os filhos", que se refugiaram na Espanha desde que a pressão sobre a família se tornou insuportável na Venezuela. "Nunca tive a intenção de deixar meu país", e como todo exilado, manifestou o desejo de voltar.

Fundador do partido Vontade Popular, López se entregou à Justiça em 2014 após comandar protestos pedindo a saída de Maduro do poder. Ele foi sentenciado a quase 14 anos de prisão.

Na coletiva, López se referiu ao governo de Maduro como uma "ditadura", chamou o líder venezuelano de "criminoso", e afirmou que continuará lutando pela organização de eleições presidenciais "livres" e "justas" na Venezuela.

López, que aumentou a lista de políticos venezuelanos espalhados pelo mundo, garantiu que a oposição não está órfã. "Ela tem o presidente legítimo Juan Guaidó". O político, de 49 anos, afirmou que a oposição "é uma equipe e queremos ampliá-la para ganhar e conquistar a liberdade. Não é fácil lutar na política venezuelana".

Mas os poucos políticos de oposição que continuam no país são constantemente assediados pelo bolivarianismo.

Para o analista político Aníbal Sánchez , "as referências da luta opositora saíram da Venezuela e isso torna opaca a figura já desgastada de Guaidó". Agora, "Leopoldo aparece como o chefe da oposição no exílio", destaca o especialista ouvido pela RFI.

Até poucos dias atrás, os opositores Julio Borges, que se refugiou na Colômbia, e Carlos Vecchio, que está nos Estados Unidos, ocupavam esse posto de referência.

Mais prisões

"É facilmente verificável que o chefe da missão diplomática espanhola na Venezuela foi o principal organizador e cúmplice confesso da fuga do criminoso Leopoldo López do território venezuelano", afirmou Maduro.

Horas após a notícia da fuga, Maduro anunciou em rede nacional a substituição do ministro do Interior e da Justiça, Nestor Reverol, que foi para a pasta de Energia. Em seu lugar, o presidente colocou Carmen Meléndez, militar de carreira e considerada de linha dura.

Pessoas próximas a López foram presas. Foi o caso da cozinheira Nubia Campos, que foi levada de sua casa por funcionários do Serviço Bolivariano de Inteligência, Sebin. Horas depois, após protestos pelas redes sociais, a mulher, de 57 anos, foi solta. Na noite desta terça-feira o presidente de um canal estatal, Freddy Ñáñez, informou a prisão de Roland Carreño, jornalista e ativista político do partido Vontade Popular - o mesmo de López e de Guaidó. Ele estava há mais de 24 horas desaparecido.

Conversas sigilosas

Segundo o doutor em ciência política Carlos Raúl Hernández, "é impossível que Leopoldo tenha fugido da casa do embaixador da Espanha (em Caracas) sem a anuência do governo (de Nicolás Maduro)".

Para Hernández, a saída de López está relacionada com articulações orquestradas pelo chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrel. A pedido da oposição, Borrel enviou em setembro uma delegação à Venezuela. Os enviados europeus conversaram com maduristas e opositores.

"Isso não foi desmentido por ninguém, e esse é um elemento muito significativo", destaca Hernández.

De acordo com Carlos Raúl, a visita dos enviados de Borrel poderia ser parte de uma negociação caso Joe Biden seja eleito para a presidência dos Estados Unidos.

"Talvez seja o começo de um processo que chamam de transição, que começaria, provavelmente, por suavizar medidas que entravam a relação comercial livre entre os países (Venezuela e EUA), e não tanto as sanções contra funcionários do chavismo", opina o cientista político. "Em troca disso, poderá começar um processo de estabilização e reinstitucionalização política da Venezuela", acredita.

Em setembro deste ano, um alto funcionário do governo de Donald Trump se reuniu no México com o então ministro venezuelano da Comunicação, Jorge Rodríguez. O encontro, mantido em sigilo por ambas as partes, foi vazado por um jornal norte-americano. O tema do encontro teria sido a transição, sem que se saiba de qual das partes, se a venezuelana, a norte-americana ou ambas.     

Outro ponto que ganhou destaque na coletiva de López foi o aceno que ele fez ao recente processo eleitoral na Bolívia.

López e Sánchez

Para o cientista político, "o opositor teve o tino de se mostrar como o líder de um eventual processo eleitoral, como um possível aspirante à presidência". Na coletiva, López falou que um possível processo de transição deveria contar com a presença de nomes do chavismo. "Apostamos em uma solução política", insistiu o opositor.

Logo que chegou à Espanha, López foi recebido por Pedro Sánchez, na qualidade de líder do Partido Socialista Operário Espanhol e não na de primeiro-ministro da Espanha. De acordo com López, a reunião com Sánchez foi cordial. "Vejo em Pedro Sánchez empatia pela causa da liberdade na Venezuela", disse ele.

Sobre os membros do governo de Maduro, o opositor propôs a premiê "ampliar e promover sanções europeias aos violadores de direitos humanos na Venezuela". Na opinião de López, as sanções devem ser dirigidas às pessoas denunciadas em um documento divulgado pela ONU sobre a violação de Direitos Humanos na Venezuela.

López mandou um recado a Maduro: "'We will come back', nós venezuelanos no exílio vamos voltar e a Venezuela será livre".

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