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Decapitação de professor francês pode ter sido motivada por falso testemunho de aluna

21/10/2020 09h34

Os detalhes do trágico episódio que chocou a França vêm à tona a conta-gotas, incitando ainda mais a indignação da opinião pública. A reportagem da Franceinfo, que teve acesso à transcrição do depoimento do professor Samuel Paty à polícia, dias antes de sua decapitação, mostra que o escândalo pode ter sido motivado por um falso testemunho de uma aluna.

"Não cometi nenhuma infração no quadro de minhas funções": é desta forma que, em 12 de outubro, quatro dias antes de ser decapitado por um islamita radical, Samuel Paty expressou, diante da polícia, sua incompreensão com a denúncia de um pai de uma aluna por "difusão de imagens pornográficas" em sala de aula.

O professor de História e Geografia foi interrogado na delegacia de Conflans-Sainte-Honorine, na grande região parisiense, sobre os métodos utilizados durante a aula para falar sobre liberdade de expressão. A exibição de duas caricaturas de Maomé, publicadas no passado pelo jornal satírico Charlie Hebdo, suscitou emoção entre alguns alunos da 7a série do ensino fundamental, a tal ponto que uma estudante resolveu relatar os fatos ao pai. 

Irritado com a situação, o homem gravou um vídeo de protesto contra o professor. Na gravação que viralizou nas redes sociais, o pai da adolescente classificou Samuel Paty de "bandido", informando o número de seu telefone celular e o endereço da escola. No entanto, em seu relato, ele exclui um detalhe: a adolescente não estava presente na aula. 

O que ocorreu em sala de aula

Um dia antes de exibir as caricaturas para a classe, dentro de um programa de moral e cívica previsto nas aulas de História e Geografia, o professor resolveu conversar com os alunos. Ele explicou que os desenhos que pretendia mostrar poderiam chocar alguns estudantes e que, quem desejasse, poderia sair da sala, fechar os olhos ou desviar o olhar.

Uma adolescente, descrita frequentemente por outros professores e colegas de classe como "insolente", deu, então, início a um enérgico bate-boca com Paty. A discussão teria sido tão virulenta que a direção da escola precisou ser acionada e a jovem recebeu uma expulsão de dois dias. No entanto, no vídeo, o pai diz que sua filha teria sido expulsa por se recusar a deixar a classe durante a aula: uma situação impossível já que a adolescente, cumprindo a sanção, não estava presente. 

Ao ser interrogado pela polícia, em 12 de outubro, Paty disse ser vítima de uma mentira e relatou aos policiais que a jovem não assistiu à aula. "Ela inventou uma história através de rumores de colegas. Trata-se de uma falsa declaração com o objetivo de prejudicar a imagem do professor que eu represento, da escola e da educação como instituição", afirmou o professor, segundo a transcrição à qual a Franceinfo teve acesso. 

Além disso, Paty recusou outra informação divulgada pelo pai da jovem no vídeo. "Em nenhum momento disse aos alunos: 'os muçulmanos devem sair da sala porque vão se chocar'. E eu não pedi que os estudantes de confissão muçulmana se identificassem", declarou. 

Revoltado com a repercussão do vídeo, Paty também resolveu registrar na polícia uma denúncia por "difamação pública". A diretora da escola, que acompanhou o professor à delegacia, também foi ouvida pelos policiais. Ela apoiou o colega e descreveu o clima pesado no estabelecimento, que, desde a viralização do protesto do pai da aluna, foi alvo de telefonemas ameaçadores. 

Terrorista teve contato com pai da aluna

Quatro dias mais tarde, em 16 de outubro, por volta das 17 horas, ao deixar a escola a pé em direção de sua casa, Paty foi alvo de várias facadas. Logo depois, o autor do ataque, Abdouallakh Anzorov, jovem de origem chechena de 18 anos, decapitou o professor. 

Segundo os investigadores, o islamita radical, que morava em uma cidade a 50 quilômetros do local do atentado, teria tido contato e trocado mensagens por telefone com o pai da estudante. Ele também teria pago centenas de euros a alunos em troca de informações sobre o professor. 

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