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Quatro anos de desamor entre Trump e os europeus

19/10/2020 12h02

Berlim, 19 Out 2020 (AFP) - A "moribunda" relação transatlântica ainda pode ser salva? As disputas com os europeus que afetaram a presidência de Donald Trump abriram uma brecha difícil de superar, independente do resultado das eleições americanas, de acordo com os analistas.

Para a Alemanha, alvo favorito do presidente americano, o mandato termina como começou: com uma série de ataques de Trump contra o país, que ele chama de "mau pagador" e que teria tomado os Estados Unidos por "tontos".

Com estes termos, nada lisonjeiros, Donald Trump justificou a decisão de retirar quase 12.000 militares americanos da Alemanha.

E Berlim, que tradicionalmente é um dos aliados mais próximos de Washington no Velho Continente, acabou se acostumando a virar alvo das provocações do presidente americano.

- Desdém -Mesmo antes de assumir o cargo, Donald Trump criticou a Alemanha e Angela Merkel por sua política migratória, seu superávit e os gastos militares, que considerou insuficientes.

Além da Alemanha, o diálogo com a União Europeia registrou um forte declínio.

"A relação transatlântica é quase moribunda", disse à AFP Sudha David-Wilp, do centro de pesquisas German Marshall Fund of the United States.

"O presidente republicano mostra abertamente seu desdém pela UE. Nunca antes um presidente americano havia chamado a UE de adversário", observa a analista.

A sequência de tuítes, discursos e decisões que provocaram mal-estar na Europa é longa: críticas à Otan, retirada do acordo de Paris sobre o clima, denúncia do acordo sobre o programa nuclear iraniano, guerras comerciais com ameaças de tarifas para todos os lados, apoio ao Brexit...

Com Berlim, os pontos de discórdia não são apenas políticos. A sintonia entre Donald Trump e Angela Merkel nunca foi boa: a chanceler alemã é uma "mulher forte" que desconcerta o presidente americano, destaca Bruce Stokes, pesquisador associado do centro Chatham House.

A chanceler tampouco tentou buscar algum tipo de cumplicidade com Trump, ao contrário de outros governantes como o francês Emmanuel Macron, destaca a analista Sudha David-Wilp.

A desconfiança estabelecida entre Europa e Estados Unidos deixará sequelas, advertiram vários observadores.

Nunca a imagem dos Estados Unidos havia sido tão ruim, de acordo com uma pesquisa do instituto Pew Research Center: no Reino Unido, apesar da relação especial com os Estados Unidos, apenas 41% dos entrevistados - o menor número já registrado - têm uma opinião positiva dos Estados Unidos; Na França a proporção é 10 pontos menor e na Alemanha apenas 26% avaliam positivamente o país.

- Copo meio cheio? -"As eleições presidenciais mostrarão se o 'efeito Trump' em termos de política antiliberal e protecionista é um fenômeno passageiro ou uma tendência mais profunda na política americana", afirma um comunicado da Fundação Robert Schumann, com sede em Bruxelas.

Uma vitória de Joe Biden não mudaria necessariamente a mesa, pois embora o democrata tenha consciência da "necessidade de revitalizar as relações com os aliados", primeiro terá que enfrentar os muitos desafios que abalam o seu país, a começar pela luta contra a pandemia de coronavírus, lembra David-Wilp.

Não acontecerá um "retorno" à situação anterior, antecipa Bruce Stoks, que considera, no entanto, a possibilidade de "definir uma nova relação" entre Washington e Bruxelas.

"Mas para muitos alemães, os Estados Unidos continuarão sendo um aliado considerado com muito ceticismo", afirmou o jornal Süddeutsche Zeitung, sem arriscar uma previsão de "se e quando" renascerá o sentimento de uma "comunidade de valores".

Se Donald Trump vencer as eleições, a Europa saberá pelo menos o que esperar. Ao contrário de 2016, não existirá um efeito surpresa.

"Se queremos ver o copo meio cheio, a presidência Trump pode ter acelerado a unidade dos europeus", obrigados a cerrar fileiras, observa Bruce Stokes.

De qualquer forma, mesmo sob um segundo mandato de Trump, Estados Unidos e UE poderão continuar a formar uma frente única quando for conveniente, aponta o pesquisador.

Este seria o caso, por exemplo, dos desafios representados por Pequim. "Europa e Estados Unidos devem permanecer juntos para enfrentar o enorme desafio que a China constitui", defende Peter Beyer, secretário alemão para relações transatlânticas.

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