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Ex-Casa Civil de SC teria cobrado 'pedágio' de 3% em compra de respiradores

O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSC) - Maurício Vieira/Secom/Governo de Santa Catarina
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSC) Imagem: Maurício Vieira/Secom/Governo de Santa Catarina

Pepita Ortega e Fausto Macedo

São Paulo

30/09/2020 12h16

Ao determinar o cumprimento de mandados de busca contra o governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), na manhã desta quarta, 30, o ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça citou uma mensagem de áudio em que um dos investigados da Operação Pleumon afirmou: "[…] o Governador já tinha liberado o processo de aquisição e já tinha mandado pra Secretaria de Fazenda pra solicitar os dados de conta pra fazer depósito […]. Segundo Gonçalves, a mensagem indica que Moisés não só teria conhecimento da negociação envolvendo a compra de 200 respiradores por R$ 33 milhões sob suspeita, como teria determinado o pagamento antecipado dos respiradores.

Ainda com relação ao governador de SC, Benedito Gonçalves indicou que Douglas Borba, apontado como responsável por indicar o grupo empresário para o qual foi direcionada a compra dos respiradores, 'sempre falava em nome do Governador', conforme depoimento de uma servidora. Além disso, segundo o ministro do STJ, em seus pronunciamentos públicos, o chefe do Executivo de Santa Catarina dava a entender que tinha conhecimento das tratativas para compras de insumos destinados ao combate à pandemia no estado.

Além da mensagem que implicaria o governador, o ministro cita uma conversa envolvendo Amândio Júnior, um dos ex-chefes da Casa Civil de Moisés que são investigados. Ele teria assumido a pasta após a exoneração de Douglas Borba e antes disso foi Secretário Adjunto de Estado de Desenvolvimento Econômico e Sustentável de Santa Catarina por um ano.

Conversas mantidas entre dois empresários investigados em abril apontam que Amândio teria solicitado 'pedágio' de 3% do valor do contrato da compra dos respiradores, caso conseguisse evitar o cancelamento da compra pelo governo, apontaram os investigadores. "Ao que parece, Amândio Júnior articulava politicamente para influenciar no processo de compra de insumos para o combate à pandemia, inclusive a compra de respiradores, com indícios de que receberia comissão pela intermediação", registrou Benedito Gonçalves em sua decisão.

O despacho de Benedito cita ainda que Amândio participava de um grupo no Whatsapp com empresários investigados. Outro integrante era Sandro Yuri Pinheiro, que foi Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovações da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina à época em que Amândio chefiava a pasta. Após a transferência deste último para a Casa Civil, Sandro passou a ocupar vaga de Assessor Especial. Segundo Gonçalves, Sandro mantinha relações de caráter comercial com empresários ainda no exercício de função no Governo de Santa Catarina.

Operação Pleumon

Moisés foi o principal alvo da Operação Pleumon, deflagrada pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República na manhã desta quarta, 30, para cumprir cinco mandados de busca e apreensão com o intuito de apurar crimes de fraude à licitação, peculato, corrupção, concussão, organização criminosa e lavagem de dinheiro.

"Vislumbra-se a hipótese criminal de que uma organização criminosa na qual agentes públicos do Estado de Santa Catarina, dentre eles o governador Carlos Moisés, atuaram de maneira a favorecer grupo de particulares no processo de compra de 200 (duzentos) respiradores pulmonares, causando o prejuízo de, pelo menos, R$33.000.000,00 (trinta e três milhões de reais) ao erário, valor este desviado no todo ou em parte para interesses privados. Apura-se, também, a ocorrência de lavagem de ativos decorrente da prática do crime antecedente contra a administração pública, mediante ocultação e distanciamento da origem dos recursos públicos desviados da compra de respiradores", aponta Benedito Gonçalves o ministro na decisão que deflagrou a ofensiva.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, os investigadores buscam provas da relação entre o governador, sua equipe e empresários que venderam 200 respiradores ao estado de Santa Catarina. As investigações revelaram indícios de participação do chefe do Executivo estadual na contratação da empresa Veigamed, diz o MPF. Para a Procuradoria, há elementos que demonstram a constituição de um esquema criminoso de desvio de dinheiro público.

O histórico das investigações

A investigação sobre a compra de R$ 33 milhões em respiradores para o Estado de Santa Catarina chegou ao STJ após decisão do juiz Elleston Canali, da Vara Criminal de Florianópolis, que enviou à corte superior os autos da Operação Oxigênio. Tal apuração, conduzida pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Civil de Santa Catarina cumpriu 35 mandados de busca e apreensão em quatro Estados, somente na primeira ofensiva aberta no âmbito do inquérito.

Uma manifestação da Promotoria inclusive serviu como base para a fundamentação do despacho de Canali. No documento, o MPSC vislumbrou participação do governador Carlos Moisés (PSL) no pagamento antecipado da compra dos respiradores, sendo que os equipamentos não foram entregues no prazo.

A Promotoria apontou que Moisés 'tinha ciência e possível participação nos fatos delituosos que estão sendo apurados'. Perícia da Polícia Civil localizou mensagens trocadas pelo empresário Samuel de Brito Rodovalho, alvo da Oxigênio, que apontaram a suposta ação do governador no processo de compra dos respiradores com a Veigamed.

A compra dos respiradores foi feita em questão de horas e o pagamento foi efetuado antes da entrega dos equipamentos. Cada aparelho custou R$ 165 mil - valor muito acima dos preços praticados pela União e pelos outros Estados, que variam de R$ 60 mil a R$ 100 mil.

Além da entrega não ter sido realizada no prazo, a Veigamed tinha sede no Rio de Janeiro e não apresentava, em seu site, a venda de respiradores como um dos produtos da empresa. Em abril, a Justiça bloqueou os R$ 33 milhões transferidos do governo para a empresa por considerar 'dúvidas' no processo de contratação.

Ao pedir o envio do caso para o STJ, a Promotoria também apontou que o próprio Carlos Moisés informou secretários e assessores após o caso ser revelado. "A SES (Secretaria de Estado de Saúde) vai precisar falar sobre o assunto", escreveu, no dia 28 de abril, em um grupo de WhatsApp.

Em seguida, o secretário Jorge Eduardo Tasca questionou se houve, de fato, pagamento antecipado dos equipamentos. O então chefe da Casa Civil, Douglas Borba, respondeu que sim, mas pediu a 'discrição' dos colegas sobre o tema.

Leia trecho da decisão do ministro Benedito Gonçalves

Vislumbra-se a hipótese criminal de que uma organização criminosa na qual agentes públicos do Estado de Santa Catarina, dentre eles o governador CARLOS MOISÉS, atuaram de maneira a favorecer grupo de particulares no processo de compra de 200 (duzentos) respiradores pulmonares, causando o prejuízo de, pelo menos, R$33.000.000,00 (trinta e três milhões de reais) ao erário, valor este desviado no todo ou em parte para interesses privados. Apura-se, também, a ocorrência de lavagem de ativos decorrente da prática do crime antecedente contra a administração pública, mediante ocultação e distanciamento da origem dos recursos públicos desviados da compra de respiradores.

Min. Benedito Gonçalves

Governador Carlos Moisés

Embora não tenha participado formalmente do processo de compra dos respiradores, não só tinha conhecimento da negociação como teria determinado o pagamento antecipado dos respiradores. A ordem de pagamento antecipado poderia ter vindo diretamente do governador MOISÉS, conforme se depreende da mensagem em áudio enviada pelo investigado Deivis no dia 26/03/2020 informando que "(…) o Governador já tinha liberado o processo de aquisição e já tinha mandado pra Secretaria de Fazenda pra solicitar os dados de conta pra fazer depósito (…)". Há informações de que Douglas Borba, o então Chefe da Casa Civil sempre falava em nome do Governador, conforme depoimento da servidora Márcia Pauli. Douglas Borba foi responsável indicar o grupo empresário para o qual foi direcionada a compra dos respiradores. Em seus pronunciamentos públicos, o governador CARLOS MOISÉS dava a entender que tinha conhecimento das tratativas para compras de insumos destinados ao combate à pandemia no estado.

Amândio Júnior

Foi nomeado Chefe da Casa Civil do Governo de Santa Catarina logo após ato de exoneração de DOUGLAS BORBA (também investigado). Antes disso, foi Secretário Adjunto de Estado de Desenvolvimento Econômico e Sustentável de Santa Catarina no período de 02/01/2019 a 02/01/2020. Segundo conversas mantidas entre os sócios MÁRCIO MENDONÇA e SAMUEL RODOVALHO no dia 08/04/2020, AMÂNDIO JÚNIOR teria solicitado "pedágio" de 3% do valor do contrato da compra dos respiradores, caso conseguisse evitar o cancelamento da compra pelo governo.

Sandro Yuri Pinheiro

Exerceu a função de Diretor de Ciência, Tecnologia e Inovações da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catarina, na ocasião em que AMÂNDIO JOÃO DA SILVA JÚNIOR era o Secretário Adjunto daquela pasta. Com a assunção de AMÂNDIO à Chefia da Casa Civil do Governo de Santa Catarina, SANDRO passou a ocupar vaga de Assessor Especial na referida Secretaria de Estado. Havia inclusive um grupo de Whatsapp formado pelos empresários/sócios SAMUEL DE BRITO RODOVALHO e MÁRCIO MENDONÇA juntamente com AMÂNDIO JOÃO DA SILVA JÚNIOR e SANDRO YURI PINHEIRO. Ao que parece, AMÂNDIO JÚNIOR articulava politicamente para influenciar no processo de compra de insumos para o combate à pandemia, inclusive a compra de respiradores, com indícios de que receberia comissão pela intermediação. SANDRO YURI PINHEIRO mantinha relações de caráter comercial com os empresários MÁRCIO e SAMUEL ainda na constância do exercício de função no Governo do Estado de Santa Catarina.

Com a palavra, o governador de Santa Catarina

Até a publicação desta matéria, a reportagem entrou em contato, por e-mail, com o governador e ainda aguardava resposta. O espaço permanece aberto a manifestações.

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