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Disseminação de fake news sobre covid-19 pode levar "infodemia" às redações

A campanha "Use Máscara" foi organizada para desmentir alegações falsas sobre o uso de máscaras - Aprillio Akbar/Antara
A campanha "Use Máscara" foi organizada para desmentir alegações falsas sobre o uso de máscaras Imagem: Aprillio Akbar/Antara
do UOL

Do Antara (Indonésia), para o World News Day

28/09/2020 04h00

"Não estamos combatendo apenas uma epidemia, estamos combatendo uma 'infodemia'", notou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), em seu discurso em uma conferência de segurança em Munique no dia 15 de fevereiro. "As fake news se disseminam mais rápida e facilmente que este vírus e são igualmente perigosas", acentuou.

Apontada como algo mais perigoso que a própria pandemia do novo coronavírus, a "infodemia" une informação e pandemia. Cunhado por David J. Rothkopf em seu artigo "When the Buzz Bites Back", o termo foi publicado no jornal The Washington Post em 2003, em meio à epidemia da SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave).

Em seu artigo, o cientista político e jornalista definiu assim a "infodemia":

"Poucos fatos que, misturados ao medo, a especulações e rumores, são amplificados e transmitidos rapidamente por todo o mundo pelas tecnologias modernas de informação e que afetam economias, políticas e até mesmo a segurança nacional e internacional de formas totalmente desproporcionais à realidade".

Rothkopf expôs que uma "infodemia" não se restringe apenas a notícias falsas ou a uma percepção equivocada da informação. Antes, trata-se de um fenômeno complexo que surge da interação das mídias tradicional e especializada e de sites de internet com a "mídia informal", que abrange de celulares e mensagens de texto e e-mails, "todos transmitindo alguma combinação de fato, rumor, interpretação e propaganda".

A confusão, assim, surge quando as fontes de informação são contaminadas por uma série virulenta de notícias falsas, mito e desinformação. O público, então, passa a duvidar de evidências científicas e de notícias baseadas em fatos, declarações de especialistas, médicos, cientistas e autoridades.

Como a internet e as redes sociais têm sido uma das maiores fontes de informação, as pessoas têm lidado com a realidade da "infodemia" que atingiu seu ápice durante a pandemia.

UOL participa do projeto mundial World News Day, junto com cerca de 100 veículos de comunicação, nesta segunda-feira (28) - Divulgação/WND - Divulgação/WND
UOL participa do projeto mundial World News Day, junto com cerca de 100 veículos de comunicação, nesta segunda-feira (28)
Imagem: Divulgação/WND

Usuária ativa de redes sociais de Java Ocidental, Amira Hasna Ruzuar, de 26 anos, expressa preocupação com o fato de a "infodemia" — impulsionada pelo uso da internet em meio à pandemia de covid-19 — poder afetar a qualidade das reportagens publicadas pelos veículos tradicionais de comunicação.

"Eu não acredito que o governo deva ser a única fonte de informação [confiável], pois tem optado por pintar imagens positivas de sua resposta à covid-19 mesmo sendo alvo de críticas crescentes de especialistas em saúde pública desde o início da pandemia", diz ela, que cita ainda as manchetes "caça-cliques" criada para atrair a atenção dos leitores.

Leitora assídua de notícias em formato digital, Ruzuar costuma sentir-se decepcionada com algumas informações publicadas pela imprensa.

Honestamente, eu só confiaria em veículos que conheço ou em especialistas com bom histórico na divulgação de informações factuais ou críveis. Não acho que toda a informação divulgada pelos veículos de notícias seja confiável, especialmente em plataformas digitais que tendem a produzir conteúdo em abundância e a deixar pouco espaço para uma meticulosa checagem de fatos."
Amira Hasna Ruzuar, usuária ativa de redes sociais

Ruzuar poderia ser a única pessoa ou leitora a ser citada aqui, já que suas opiniões foram amplificadas por muitos usuários de redes sociais, tanto no Twitter como no Facebook. Muitos se mostram descontentes com a falta de informações confiáveis em algumas reportagens.

Força-tarefa para a covid-19 da Indonésia

Dentro desse cenário, a Força-Tarefa para a covid-19 da Indonésia oferece dados atualizados sobre contaminados, recuperados e mortos pelo novo coronavírus no país. Por meio de briefings de imprensa semanais que abrangem plataformas nacionais de mídia, informa diligentemente o público num esforço de transparência — principalmente em termos de exposição de dados.

"Estamos trabalhando com dados coletados de todas as partes do país, e todos os relatos devem ser transparentes e monitorados pelo público e pelas mídias local e nacional", afirma o porta-voz da força-tarefa, o professor Wiku Adisasmito.

Desde sua formação, a força-tarefa vem engajando ativamente a mídia de massa para a atualização regular do público a respeito da pandemia de covid-19. Ainda assim, persistem a desconfiança e as dúvidas acerca das informações que o público recebe e das que são oferecidas pelos veículos de comunicação.

Apesar disso, Força-Tarefa tem assegurado a transparência dos dados que fornece e pede o mesmo dos veículos e jornalistas. Por meio de uma relação amistosa, atuam juntos para manter o público bem informado sobre a covid-19.

"Estamos lutando por transparência nos dados, e a mídia é uma amiga com a qual realmente trabalhamos juntos, não apenas na Indonésia, mas também por esta região e pelo mundo", explica Adisasmito.

Por conta desse importante papel, cabe ao jornalismo ter consciência de sua posição e da qualidade das coberturas durante a pandemia, já que a informação fornecida pelo noticiário certamente influenciará o público.

Informação desequilibrada

Governador de Gorontalo, Rusli Habibie, revelou dados sobre o primeiro paciente com covid-19 em 9 de abril - Adiwinata Solihin/Antara - Adiwinata Solihin/Antara
Governador de Gorontalo, Rusli Habibie, revelou dados sobre o primeiro paciente com covid-19 em 9 de abril
Imagem: Adiwinata Solihin/Antara

No que se refere à mídia e aos jornalistas da Indonésia, a cobertura da covid-19 tem sido, em geral, bastante informativa e educativa, avalia Irwan Julianto, especialista em comunicação de saúde e ex-jornalista sênior do jornal "Kompas". Contudo, a desinformação e as notícias baseadas em opiniões desequilibradas ou em informações manipuladoras ainda são vistas no país.

Um exemplo é o caso do site Tempo.co, que publicou a manchete: "Associação de Médicos ameaça fazer greve e interromper tratamento de pacientes com covid-19". Na verdade, a associação, junto a outras quatro organizações de profissionais de saúde, havia feito uma declaração conjunta pedindo a seus membros que não atendessem pacientes com covid-19 sem equipamentos de proteção individual adequados.

"A chamada da matéria da Tempo.co nunca foi corrigida, apesar de o conteúdo ter sido posteriormente atualizado com a refutação por parte da associação", revela Julianto.

Parte dos erros que observa no noticiário, diz, se deve ao fato de apenas 200 veículos on-line, de um total de 40 mil portais de notícias e de opinião do país, serem verificados pelo Conselho de Imprensa da Indonésia.

"Ainda existem vários portais de notícias falsas que existem apenas para provocar sensacionalismo. Na verdade, alguns dos portais de notícias verificados também buscam visualizações com notícias contendo títulos 'caça-clique'", explica.

Outro ponto que vale ser destacado é que, com a chegada do novo coronavírus à Indonésia — entre janeiro e fevereiro deste ano — apenas alguns poucos veículos tradicionais de mídia lembraram o governo de se manter preparado e proativo para responder a uma possível pandemia.

"Era apenas 2 de março quando os primeiros dois casos de covid-19 foram anunciados. Houve agitação na Indonésia. De fato, o governo central, os governos locais e os jornalistas fracassaram em proteger a privacidade dos primeiros indonésios a contrair a doença", aponta.

Em resposta, o Conselho de Imprensa da Indonésia argumentou que as pessoas não deveriam julgar a mídia de massa tradicional de forma generalizada dizendo que toda a cobertura de covid-19 é de baixa qualidade devido a alguns erros cometidos.

Sem ignorar o fato de problemas ainda serem encontrados, a imprensa indonésia sempre contribuiu de forma positiva ao enfrentamento da pandemia, especialmente por meio da disseminação de informações, avalia Agus Sudibjo, chefe da Força-Tarefa para a Sustentabilidade da Mídia do Conselho de Imprensa da Indonésia.

"Quando as autoridades de saúde do governo pedem à imprensa que faça anúncios de utilidade pública, ou que divulgue uma conferência ou um comunicado de imprensa, os colegas da imprensa o fazem de maneira útil. Acho que contribuem de forma significativa, mas, certamente, precisamos avaliar alguns problemas", pondera.

Sudibjo enfatiza que erros na cobertura não ocorreram apenas durante esta pandemia: já existiam antes dela. É o caso dos títulos "caça-cliques" e da produção de textos sensacionalistas, problemas que já existiam em outras situações.

Dessa forma, cobra o enfrentamento desses problemas e da tendência de veículos de massa de manipular o público durante a pandemia, uma vez que isso provoca estresse e preocupação na população à custa de credibilidade.

O jornalismo negligente, que ignora a verdade da informação, que não tem consideração pelo impacto da notícia sobre o público e que dá margem para especulação não deveria ser permitido em nenhuma situação."
Agus Sudibjo, chefe da Força-Tarefa para a Sustentabilidade da Mídia do Conselho de Imprensa da Indonésia

"Nova mídia"

Talvez o maior erro cometido pelos veículos de comunicação hoje seja o de seguir a conduta da "nova mídia" (as redes sociais), e sua fórmula de rapidez e sensacionalismo, sem checagem, onde qualquer um pode ser um "especialista". "A mídia de massa não deveria seguir essa conduta, pois se todos são 'especialistas', haverá desconfiança. Não haverá mais diferença entre os veículos de comunicação e as redes sociais", afirma Sudibjo.

"As redes sociais tendem a usar 'caça-cliques', mentiras e desinformação. As redes sociais são nossas verdadeiras inimigas ou, talvez, 'aminimigas' [amigas, porém inimigas], já que tanto a mídia quanto as redes sociais buscam a mesma coisa, que é atrair a atenção do público e os anúncios", pondera.

Assim, os veículos de comunicação devem competir com as redes sociais atuando de modo diferente, e não produzindo coisas que o público pode obter facilmente nas redes sociais.

A única forma de os veículos sobreviverem nesta era de disrupção, gostemos ou não, é por meio de bom jornalismo. A tendência global de desenvolvimento nos mostrou que não há espaço para mídia que desafia a lei do bom jornalismo."
Agus Sudibjo

Além disso, não basta apenas competir com as redes sociais, mas atuar como uma "câmara de compensação" para ajudar a eliminar desinformação e mentiras ligadas à covid-19 que circulem nas redes sociais.

Para Julianto, o dever dos jornalistas profissionais é edificar e exercer controle social, além de educar o público. "Em tempos de pandemia, seria melhor se todos nos tornássemos mais céticos e críticos dos vários tipos de informação que recebemos."

A pandemia de covid-19 que atualmente assola o mundo pode, de fato, ser o momento para os veículos de comunicação e seus jornalistas avaliarem a qualidade da informação e notícias que fornecem.

É a hora certa de realizar uma autorreflexão sobre se, de fato, praticam bom jornalismo.

Um fotógrafo tira uma foto da equipe da força-tarefa para covid-19 realizando exames em Tegal, Java Central - Oky Lukmansyah/Antara - Oky Lukmansyah/Antara
Fotógrafo registra equipe da força-tarefa para covid-19 realizando exames em Tegal, Java Central
Imagem: Oky Lukmansyah/Antara

UOL participa do World News Day

Nesta segunda-feira (28) a redação de UOL Notícias participa do World News Day, projeto que une este ano cerca de uma centena de veículos jornalísticos num único dia, compartilhando e publicando reportagens de vários pontos do globo. A iniciativa é liderada pela The Canadian Journalism Foundation (CJF) e pelo World Editors Forum (WEF), com apoio do Google News Initiative.

O UOL participa com reportagem do colunista Rubens Valente, "Ação sigilosa do governo mira professores e policiais antifascistas", que foi traduzida para o inglês e deve ser distribuída por veículos participantes do projeto.

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