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Política e amor, um encontro nada romântico

Astrid Prange

12/08/2020 11h06

Política e amor, um encontro nada romântico - É verdade que o amor não é turismo. Mas ele pode se transformar numa questão política. Pois grandes emoções podem ser usadas para manter e fortalecer as bases de poder.Caros Brasileiros,

sera que foi a pandemia? Ou o calor? Faz poucos dias, em meio a temperaturas tropicais, o ministro do Interior alemão, Horst Seehofer, num momento raro de simpatia, revogou as restrições de viagens para casais não casados.

Provavelmente, muitos de vocês vão se perguntar por que o ministro demorou tanto para tomar a decisão. Afinal, outros países da União Europeia liberaram esse tipo de viagens bem antes – por exemplo, Dinamarca, Holanda, Noruega, Suíça, República Tcheca e Finlândia, como informa o movimento Love is not Tourism.

Como a atitude do ministro do Interior diz muito sobre política e também sobre a hipocrisia humana, queria compartilhar com vocês nesta coluna os meus pensamentos a respeito. Porque, para mim, o Brasil foi uma grande escola. Algumas lições de politica estratégica que aprendi nos meus tempos de correspondente no Brasil me servem até hoje.

Politicamente, o ministro Seehofer é uma raposa velha. Teve vários cargos de ministro e, durante dez anos, de 2008 a 2018, foi governador do estado alemão da Baviera. Em 2015, quando a Alemanha recebeu mais de um milhão de refugiados , ele se posicionou contra a chanceler federal, Angela Merkel.

Enquanto Merkel proferia a famosa frase "Wir schaffen das" (Nós vamos conseguir), ele insistia que a Alemanha não poderia receber mais do que 300 mil refugiados por ano. A briga em torno deste "limite" foi feia e virou uma prova de fogo para a coalizão de governo, formada por três partidos.

Mas, na realidade, as diferenças entre as posições de Merkel e Seehofer não eram tão drásticas. Seehofer usou o "limite" como estratégia para combater a ascensão do partido populista Alternativa para a Alemanha (AfD), que ameaçou a maioria tradicional do partido dele na Baviera, a União Social Cristã (CSU).

Mas não é só isso. Seehofer também faz política com assuntos amorosos, mesmo que isso seja escandaloso. Como politico conservador, o ministro defende os valores tradicionais da família e do casamento. Mas, na vida pessoal, ele não dá um bom exemplo. Está casado pela segunda vez e é pai de uma filha fruto de um relacionamento extraconjugal.

A hipocrisia humana dele se reflete provavelmente também nos seus eleitores na Baviera. Muitos deles perdoariam o caso amoroso de Seehofer, mas não o perdoariam por abdicar do ideal da família tradicional e dos valores morais conservadores, defendidos, entre outros, pela Igreja Católica.

Seguindo essa linha de pensamento, o coronavírus reforçou a instituição do casamento. Antes de revogar as restrições de viagens para namorados, o ministro deve ter se perguntado por que, então, os casais não aproveitavam a oportunidade e simplesmente se casavam?

Confesso que guardo uma certa simpatia por esse raciocínio. Faz poucos dias, uma amiga minha do Rio de Janeiro seguiu esse caminho. Ela se casou online com o namorado sueco, pois a Suécia ainda não liberou viagens para casais sem certidão de casamento. Mesmo com mais de 10.000 quilômetros de distância, a felicidade dos noivos foi comovente. O amor desse casal superou fronteiras, mesmo que, devido à pandemia, de maneira virtual.

Mas o que vale para casais decididos e com uma longa estrada, provavelmente não funciona para namorados recém-apaixonados. O que fazer se o novo amor morre na seca da solidão, sem perspectiva de ser molhada pela correnteza da paixão?

É uma conclusão desencantadora e nada romântica que na política, seja na Alemanha ou no Brasil, as grandes emoções somente são consideradas válidas quando servem estrategicamente para se manter no poder.

Por isso, vale a pena não desistir e pesquisar todos os caminhos possíveis rumo ao amor. Incluindo as conexões com várias escalas. Assim como fazem muitos casais. E assim como faz o movimento Love is Not Tourism. Parabéns! Viva o amor!

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Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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Autor: Astrid Prange

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