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'Fui encontrado ainda bebê enrolado no casaco da minha mãe, isso era tudo o que sabia sobre minha origem'

Por 70 anos, Tony May não teve nenhuma ideia de quem era seu pai - Phil Coomes
Por 70 anos, Tony May não teve nenhuma ideia de quem era seu pai Imagem: Phil Coomes

Claire Bates

BBC News

12/08/2020 09h59

Tony May tinha apenas algumas semanas de vida quando foi abandonado às margens do rio Tâmisa, em Londres, no meio da Segunda Guerra Mundial. Por mais de 70 anos, ele não tinha ideia de quem eram seus pais, até que uma detetive de DNA descobriu a verdade sobre seu passado.

Poucos dias antes do Natal de 1942, um bebê foi levado para a delegacia perto do Parlamento britânico em Londres.

Ele foi encontrado embrulhado em um casaco feminino azul brilhante em Victoria Embankment, uma avenida às margens do rio Tâmisa.

Tony tinha cerca de um mês e, como foi abandonado, ganhou uma nova data de aniversário. Também teria que receber um nome. Naquela época, era costume se referir ao local onde a criança foi encontrada, então ele foi batizado de Victor Banks.

"Sempre me perguntei quem eles eram. E por que eles me abandonaram. Acho que isso é o principal."

Tony May conversa com a BBC sentado em uma velha poltrona em seu apartamento em St. Albans, uma cidade alguns quilômetros ao norte de Londres. Há uma pilha de CDs de jazz sobre a mesa e fotos de trompetistas na parede.

"Eu comandava um clube que fazia parte do circuito de jazz", diz ele. "Apresentamos músicos que tocaram no Ronnie Scott's (um lendário clube de jazz em Londres)."

Tony está na casa dos 70 anos. Embora se mova com cuidado pelo apartamento, sua voz está cheia de energia. Ele aponta para uma das fotos na prateleira.

"Minha mãe e meu pai, Arthur e Ivy, eram filhos únicos, mas tinham amigos que chamávamos de tio e tia. Eles foram amáveis comigo."

Tony May como bebê - Tony May - Tony May
Tony May como bebê
Imagem: Tony May

O casal adotou Victor Banks em 1944 e mudou seu nome para Tony May. Então, adotaram uma menina chamada Eleanor, que se tornou irmã de Tony. Ele se lembra de ter ouvido que foi adotado quando tinha cerca de 7 anos.

"Não foi grande coisa, realmente. Mas eu lembro que minha irmã foi contar a todos que éramos adotados e isso me envergonhou."

Quando cresceu, Tony se sentiu particularmente próximo de seu pai.

"Meu pai era muito inteligente, mas embora se interessasse por esportes, não era bom nisso. Quando percebeu que eu era bom, todas as noites treinava eu e meu amigo Mick no críquete. Chegava em casa do banco — eu ainda posso lembrar dele com seu chapéu e guarda-chuva — e vinha ao jardim para nos ajudar. E também me levou para ver os eventos esportivos importantes no White City Stadium, em Londres."

"Tornei-me um jogador de críquete muito bom e um atleta porque ele acreditou em mim. E quando você é adotado, precisa que as pessoas acreditem em você."

A adoção de Tony foi um tópico pouco mencionado por seus pais.

"Lembro-me de uma vez que meu pai bateu na porta do meu quarto quando era adolescente e me perguntou que tipo de música eu estava ouvindo", diz Tony.

"Era John Coltrane (saxofonista) tocando baladas. Ele disse: 'Você acredita que pôs essa música triste para tocar porque é adotado?' Eu respondi: 'Não, pai, esta é uma música famosa tocada em todo o mundo.' Ele disse: 'Tudo bem, então'. A partir daquele momento, não retomamos esse assunto."

Adotado

Tony só descobriu que havia sido encontrado na rua no dia em que se casou, aos 23 anos.

Ivy May - Tony May - Tony May
Ivy May
Imagem: Tony May

"Meu pai se aproximou furtivamente de mim durante a cerimônia", diz.

"Ele me disse que quando eu voltasse da lua de mel, teria um envelope para mim com minhas notas no boletim escolar e o certificado de adoção. Falou: 'Há uma palavra que você talvez não conheça, a palavra órfão. Só para você saber.'"

"Durante anos, não entendi seu significado. Foi muito mais tarde que percebi que havia sido abandonado."

Tony foi trabalhar no setor bancário, como o pai, e depois na área de recursos humanos. Ele também teve dois filhos.

Refletindo sobre o passado, ele se pergunta se o fato de não saber de suas origens o afetou, apesar do que disse a seu pai sobre a música que ouvia naquela época.

"Estava muito preocupado com o que poderia dar errado, então trabalhei muito para acertar. Isso significava que quando os auditores me visitavam no trabalho, eu sabia que tudo estaria perfeito."

"Embora eu risse e brincasse muito, não sou uma pessoa muito calorosa. Sou bastante reservado, diria, sem demonstrar emoção. Mas posso desatar a chorar assistindo a uma partida de rúgbi."

Descobrindo sua origem

Foi só quando seus pais adotivos morreram que Tony se sentiu pronto para investigar de onde ele vinha.

O primeiro lugar que ele perguntou foi o London Records Office, o órgão de registro civil de Londres, mas não havia referência sobre quem o havia encontrado ou a que horas do dia.

Após ser examinado em um hospital de Chelsea, ele foi levado para a creche Easenye, ao norte de Londres, longe do risco de bombardeio.

O pequeno Victor conheceu Arthur e Ivy May em Easenye. Antes de serem autorizados a adotá-lo, eles o acolheram por um ano e Tony reage visivelmente comovido ao ler em voz alta o relatório dos assistentes sociais daquela época.

"Data da visita: 5 de novembro de 1943. A criança é bem cuidada? A resposta é: 'Ela passa o tempo todo cuidando do bebê e ele está respondendo bem aos cuidados individuais e está interessado em pessoas e coisas. 'Os candidatos estão satisfeitos com a criança? Eles estão muito felizes com ele e encantados por terem seu próprio filho.'

"Isso é lindo", diz Tony, enquanto dá tapas na mesa.

A detetive de DNA Julia Bell tomou para si desafio de encontrar pais de Tony - BBC - BBC
A detetive de DNA Julia Bell tomou para si desafio de encontrar pais de Tony
Imagem: BBC

As cartas nos arquivos de Tony revelam que os Mays escreveram às autoridades para ver se poderiam saber mais detalhes sobre sua história. A resposta foi definitiva: investigações extensas foram feitas para localizar os pais, mas todos os esforços fracassaram.

Em meio ao impasse, Tony levou sua história à imprensa na esperança de estimular a memória de alguém. Apareceu no rádio, na TV e em jornais em meados da década de 1990.

Algumas enfermeiras que trabalharam no berçário de Easenye durante a guerra responderam, mas Tony não estava nem perto de descobrir as circunstâncias de seu nascimento.

"Tinha desistido. Pensei: 'Ninguém fez mais do que eu, então isso é o suficiente'", diz.

Detetive genético

Então, quatro anos atrás, Tony se juntou a um grupo no Facebook para órfãos. Eles compartilharam histórias sobre suas vidas e hipóteses de por que podem ter sido abandonados.

Tony pensou que poderia ser o produto de um relacionamento entre uma mulher britânica e um soldado americano. Estima-se que 22 mil crianças nasceram assim entre 1942 e 1945.

"Eles me encontraram em Londres e sei que essa é uma área onde isso aconteceu", diz ele.

Mary com o pai de Sheena - Sheena Haig - Sheena Haig
Mary com o pai de Sheena
Imagem: Sheena Haig

Tony mencionou sua hipótese ao grupo do Facebook e isso acabou mudando sua vida.

A mensagem foi vista por Julia Bell, especialista em genealogia genética que usou DNA para rastrear soldados americanos que tiveram filhos durante a Segunda Guerra Mundial.

O primeiro caso de sucesso de Julia ocorreu quando ela descobriu quem havia sido o soldado que era seu próprio avô.

"Minha mãe não acreditou na descoberta. O pai dela morreu em 2009, mas ele tinha cinco irmãos morando nos Estados Unidos. Agora eles lhe enviam presentes de aniversário."

Julia se inspirou em sua experiência para trabalhar em outros casos de soldados, mas agora ela estava procurando um novo desafio.

"Estava resolvendo os casos de soldados americanos com muita facilidade. Todos sabiam quem eram suas mães, mas não seus pais. Pensei: 'Como seria dar esse presente de saber de onde você vem para pessoas que não conheceram seus pais?' "

Ela estava analisando casos de crianças abandonadas quando viu a mensagem de Tony no Facebook, então se apresentou e se ofereceu para ajudá-lo sem nenhum custo.

"Pensei 'por que não?'", diz Tony.

"Tentei tudo o que podia, se você quiser, pode tentar. Não pensei que daria certo. Como ela conseguiria com tão pouca informação?"

E ele tinha razão, o caso era difícil. Na verdade, foi o mais complicado que Julia tentou resolver.

A primeira coisa que Julia fez foi pesquisar arquivos de jornais, onde encontrou um pequeno artigo de 20 de dezembro de 1942, relatando a descoberta de Tony.

O artigo dizia: "Um menino de quatro semanas, de olhos azuis, envolto em um casaco azul brilhante, parte de um traje feminino, foi encontrado abandonado no Embankment."

Julia especulou se isso era um sinal de que Tony havia sido abandonado repentinamente e que, talvez, não tivesse sido algo planejado.

Então, começou com o DNA, que ela estava convencida de que ajudaria a resolver o caso de Tony. Era 2016 e havia um grande aumento no número de pessoas nos EUA e no Reino Unido que recorriam a kits de teste de DNA para pesquisar suas histórias de família.

O primeiro passo foi enviar amostras da saliva de Tony para uma das várias empresas privadas que se oferecem para pesquisar em seu banco de dados por DNA correspondências com outros clientes.

A quantidade de DNA que compartilhamos com outras pessoas é medida em centimorgans (cM). O número varia de um pequeno número para primos distantes a 3,4 mil centimorgans para um pai ou filho.

O teste revelou que uma mulher chamada Deborah, em Toronto, Canadá, parecia ser mais ou menos uma prima em terceiro grau de Tony, a julgar pela quantidade de DNA que compartilhavam.

Mas esse fio de esperança acabou se tornando um beco sem saída. Julia percebeu que Deborah era muito possivelmente parente de Tony pelo lado paterno e ela disse que não sabia quem era seu pai.

Depois de Deborah, o parente mais próximo era uma prima de quarto grau chamada June, na Escócia. Isso significava que eles tinham tataravós em comum, que viveram durante o século 19.

"Agora June tinha uma árvore genealógica mais completa que estava disposta a compartilhar comigo", diz Julia.

Para encontrar o casal de ancestrais que Tony e June tinham em comum, a detetive pesquisou os bancos de dados de empresas de genealogia de DNA e encontrou alguém que era primo de Tony e June a uma distância semelhante.

"Isso se chama triangulação", explica Julia.

"Encontrei um casal de ancestrais que viveram na década de 1860 que eram comuns a essas três pessoas. Em seguida, fiz um gráfico com todas as linhas de descendência possíveis, com cada casamento e cada nascimento."

"Procurei por pessoas mais abaixo nessas linhas que eram descendentes vivos e pedi a cada um para fazer um teste de DNA. Cada vez eu encontrei uma correspondência mais próxima que me ajudou a estreitar o foco mais e mais, ficando mais perto do meu objetivo."

Por "correspondência mais próxima", Julia se refere ao primo mais próximo de Tony em sua árvore genealógica, com quem ele compartilha uma quantidade maior de DNA.

O teste de DNA mais comum analisa pares de cromossomos herdados de cada um dos pais (exceto o par de cromossomos que determinam o sexo), mas Julia também fez Tony fazer outro teste que analisa o DNA mitocondrial, que é transmitido pela mãe para a criança via óvulo.

Isso indicava um forte vínculo maternal em Lanarkshire, nas planícies centrais da Escócia.

Meia-irmã

Foi um trabalho lento e árduo, mas no final de 2018, Julia identificou um casal que ela pensou ser os avós maternos de Tony, que moravam em Kirkcaldy, ao norte de Edimburgo.

Eles tinham um filho que ainda morava na Escócia, chamado Bill, de 90 anos, que não queria fazer o teste. No entanto, a filha de Bill, Kathleen, concordou assim que descobriu a história de Tony. Os resultados mostraram que Kathleen era quase certamente sua prima em primeiro grau.

"Portanto, pensei que a mãe de Tony provavelmente fosse irmã de Bill", diz Julia.

"Bill teve uma irmã, Mary, que morreu em 1988. Mary teve dois filhos: Peter, que morreu em 2006, e Sheena, que ainda estava viva."

Depois de muito pensar, Sheena concordou em se encontrar com Julia.

"Bem, isso foi em janeiro de 2019", lembra Sheena, sentada na varanda coberta de sua casa em Kettering, na região central da Inglaterra.

"Minha prima Kathleen me explicou sobre Julia e essa pessoa que estava procurando pelos pais dela. Pensei que quem quer que fosse esse Tony, ele merecia conhecer sua família, mas não achei que pudesse ter algo a ver comigo."

"Ela me disse: Tenho 80% de certeza de que sua mãe é a mesma de Tony'. Bem, quase caí para trás. Não sabia nada disso".

"'Como minha mãe poderia ter feito isso?' E então pensei: 'O que aconteceu com ela para sentir-se capaz de fazer algo assim?'. Se ao menos ela tivesse podido nos contar."

Sheena concordou em fazer o teste que confirmou que ela era realmente meia-irmã de Tony. Julia foi à casa de Tony para dar a notícia.

"Quando ela chegou, estava com um amigo que anotava tudo. Era algo muito difícil de reter", reconhece Tony.

"Foi estranho. Me senti muito menos feliz do que pensava. Não teve o grande efeito que eu esperava. Mas quando soube que Sheena estava disposta a me ver, foi um grande presente."

Shena e seu marido, George Haig, moram a apenas uma hora de carro da casa de Tony e concordaram em se encontrar com ele e Julia em um hotel.

"Pareceu-me incrível. Que esteja abraçando a filha da mulher que me abandonou e que ela estava pronta para me conhecer", diz Tony.

"Sheena me entregou um álbum cheio de fotos antigas de família. Ela era adorável. Ela é uma grande mulher."

Sheena imediatamente percebeu algo familiar em Tony.

"Ele entrou e eu pensei: 'Essa é a minha mãe caminhando em minha direção'. Ele era tão parecido com ela que dava medo. Não conseguia tirar os olhos dele."

Com o tempo, Sheena, de 65 anos, ajudou Tony a reconstruir a imagem de sua mãe.

Mary se casou com o pai de Sheena em 1946 e eles tiveram dois filhos. Mudaram-se para a Rodésia, atual Zimbábue, quando Sheena tinha 2 anos. Mas eles voltaram para o Reino Unido depois que seu pai sofreu um acidente de carro. Ela nunca teve alta e Mary criou Peter e Sheena sozinha.

"Ela teve uma vida difícil, mas era uma pessoa amorosa. Ela faria qualquer coisa por você", diz Sheena.

"Eu senti falta dela este ano mais do que em muito tempo."

E o pai?

Enquanto isso, Julia ainda estava tentando encontrar o pai biológico de Tony. Ela descobriu que Mary havia se casado antes, o que foi uma completa surpresa para Sheena.

"Julia nos contou que mamãe se casou com um homem de Kirkcaldy chamado James em 1º de agosto de 1942, mas que ela pediu o divórcio em 1946", diz Sheena.

Como Tony nascera no final de novembro ou início de dezembro, Julia sabia que Mary devia estar grávida de cinco meses na época do casamento. Embora o DNA não indicasse uma forte ascendência escocesa do lado paterno de Tony, Julia decidiu investigar a pista.

Ela descobriu que James se casou novamente após se divorciar de Mary e teve uma filha chamada Anita. Quando contaram a história de Tony a Anita, sua resposta surpreendeu todos.

"Suas primeiras palavras foram mais ou menos: 'Graças a Deus está tudo bem'", revela Julia.

Anita disse que a descoberta da existência de Tony resolveu de uma vez por todas um mistério familiar que a preocupou por toda a vida.

"Tinha ouvido o boato de uma história, mas nunca tive certeza se era verdade", diz ela.

Sheena e Tony - Phil Coomes - Phil Coomes
Sheena e Tony
Imagem: Phil Coomes

"Tinha entre 8 e 10 anos. Ouvi pessoas falando alto atrás de uma porta. A única coisa que ouvi foi: 'Oh, é horrível que eles tenham abandonado um bebê'. Era minha mãe falando e meu pai dizendo coisas como, 'Você não estava lá. Foi horrível, ela estava em um estado péssimo e ia pular de uma ponte e eu tive que acalmá-la'."

Não está claro se James sabia que Mary estava grávida quando eles se casaram, mas Anita diz que seu pai insistiu que o bebê não era dele. Ela acredita que isso pode ter gerado algum tipo de embate entre James e Mary em Londres. Na época, James estava no Exército e foi destacado para atuar o litoral sul. Talvez Mary tenha vindo com o bebê de Kirkcaldy para encontrá-lo?

"Acho que foi assim que o abandono aconteceu", diz Anita.

"Meu pai separou Madie [Mary] do bebê para acalmá-la e acho que me lembro de ouvir minha mãe dizer algo como 'Eles não voltaram para ver se ainda estava lá?' E eu me lembro dele dizendo: 'Claro que sim, mas obviamente o bebê tinha desaparecido.'

Este é um relato de segunda mão, contado décadas depois, mas pode indicar que Mary e James estiveram envolvidos no abandono de Tony no Victoria Embankment. Um fato que seus filhos acreditam afetou profundamente os dois pelo restante de suas vidas.

Mary sempre dissera à filha, Sheena, que seu irmão, Peter, era gêmeo, mas que o outro bebê nasceu natimorto. A prima de Sheena revelou recentemente que uma vez perguntou à avó sobre o bebê morto.

"Minha babá esteve no nascimento de Peter e aparentemente ela disse que era besteira, que havia apenas um bebê. Então agora achamos que o que minha mãe estava tentando fazer era se reconciliar com seu passado", diz Sheena.

Anita disse que seu pai, James, era feliz de ter tido tinha três filhas e ficava desconfortável ao redor de bebês do sexo masculino.

"Ele foi uma pessoa prestativa e atenciosa. Isso não coaduna com seu caráter e acho que teve um peso muito grande para ele", diz.

"Na verdade, na casa dos 70 e muitos anos, ele tentou suicídio e foi tratado por uma depressão profunda. Acho que o incidente com o bebê em 1942 é algo de que se culpava e se envergonhava. Acho que isso contribuiu para sua tentativa de suicídio."

Tanto Sheena quanto Anita gostariam que seus pais soubessem que Tony foi encontrado e adotado.

Anita fez o teste de DNA que confirmou o que seu pai sempre disse, que ele não era o pai de Tony. Julia continuou a pesquisar bancos de dados de DNA e a criar várias árvores genealógicas com registros de nascimento, casamento e óbito.

Ela limitou sua pesquisa a duas linhagens familiares baseadas em Yorkshire e Hertfordshire. Isso significava que era improvável que ele fosse um soldado como Tony inicialmente suspeitou.

Outro lado do mundo

Mas, alguns meses depois de achar a mãe de Tony, Julia obteve a pista final sobre seu pai. Ela descobriu um casamento em 1906 que parecia corresponder às duas linhas genealógicas. O casal teve um filho chamado Eric.

"Encontrei um homem chamado Eric Wisbey, que presumi ser o pai. Entrei em contato com alguns parentes que me disseram que ele tinha ido para a Austrália", diz Julia.

"Eric morreu em 2004 e tinha um filho chamado Ken que morreu em 2011. Mas Ken tinha uma filha chamada Leese que concordou em fazer um teste de DNA."

Leesa mora em Wodonga, na fronteira entre Nova Gales do Sul e Victoria, na Austrália.

"Pesquisei o nome de Julia Bell no Google para ter certeza de que não era uma farsa", diz Leesa em uma teleconferência via Skype.

"Hoje em dia você não tem certeza de nada. E então pensei: 'Bem, isso não vai me magoar'. Então concordei e enviei a amostra para ela."

O resultado veio um mês depois e confirmou que Leesa era meia sobrinha de Tony. Julia estava certa e Eric Wisbey era o pai de Tony.

Austrália

No início de 2016, Julia Bell identificou os primos de Tony pelo lado materno e os usou para reconstruir parte de sua árvore genealógica, levando-a até Mary, a mãe de Tony, e Sheena, sua meia-irmã, que Julia conheceu em janeiro de 2019.

Em sua busca pelo pai de Tony, Julia descobriu que o primeiro marido de Mary estava presente quando Tony foi abandonado, mas não era seu pai.

Sua atenção então se voltou para duas famílias de Yorkshire e Hertfordshire e um homem chamado Eric Wisbey. Quando a neta de Eric, Leese, fez o teste de DNA na primavera de 2019, o resultado mostrou que ela era sua meia sobrinha e o caso foi encerrado.

Tony ficou surpreso ao descobrir que ele tinha uma família morando do outro lado do mundo.

"Tenho um pai que foi para a Austrália e agora falei com a neta do meu pai lá pela internet. Essas são grandes recompensas", diz ele.

Leesa teve a chance de contar a ele sobre seu pai.

"Eric era um tipo reservado, às vezes ele levava meu irmão, meu pai e eu para pescar", diz ele. Ele era pintor e morou em vários locais no Estado de Victoria. Depois que sua esposa, avó de Leesa, morreu, ele se casou com uma de suas amigas.

Relação improvável

Mas como Eric Wisbey, do sul da Inglaterra, conheceu Mary Hunter da Escócia?

Leesa mostrou os arquivos militares de seu avô, que revelavam que ele havia servido no corpo administrativo do Exército durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1942, ele estava servindo em Edimburgo, a cerca de 17 quilômetros da cidade natal de Mary, Kirkcaldy.

Na época, Mary tinha 22 anos e morava com os pais, enquanto Eric, 35, era casado e tinha um filho pequeno em Brighton (sul da Inglaterra). Como esse casal improvável se conheceu? O irmão de Mary, Bill — que mais tarde morreu aos 93 —, foi questionado se ele se lembrava de alguma coisa daquela época.

"Ele se lembrou de um homem mais velho que tinha vindo morar com a família porque tinha que dividir o quarto com ele", diz Sheena.

"Ele era cerca de 15 anos mais velho que minha mãe e disse que acreditava que eles tinham um relacionamento. Mas ele não se lembra dela grávida ou do nascimento de um bebê".

Sheena e George especulam que Eric estava abrigado na casa da família Hunter e possivelmente era o encarregado de pagar os trabalhadores de munições na cidade. Mas Eric descobriu que Mary estava grávida? Leesa revela uma pista:

"Ele ligou para mamãe para contar o que aconteceu e mamãe conversou com John, que era amigo de papai. E John disse que papai lhe disse que achava que tinha um meio-irmão ou uma pista sobre isso. Não sei como papai tinha essa informação. Eu queria que ele estivesse vivo para que eu pudesse perguntar a ele."

Eric Wisbey deixou a Escócia em 1943 depois de passar do corpo administrativo para o Corpo de Inteligência do Exército. Em 1944, ele estava servindo na Índia.

"Ele realmente não gostava de falar sobre a guerra e nunca perguntamos a ele sobre isso. Encontramos seus arquivos em uma gaveta", diz Leesa.

Sheena acredita que sua mãe foi deixada em um beco sem saída.

"Quer ela soubesse ou não, Eric era casado e muito mais velho que minha mãe. Depois foi para a Austrália", assinala.

"Sinto raiva e amargura porque minha mãe sentiu que tinha que esconder tudo isso. O que ela deve ter suportado o restante de sua vida, na minha opinião, é absolutamente doloroso."

Quanto a Tony, as descobertas o ajudaram a entender melhor por que foi abandonado em Victoria Embankment. Mas ele diz que nunca culpou sua mãe por fazer isso.

"Gostaria de poder dizer a ela como eu sinto por ela ter tido que fazer isso", diz ele.

"Tenho certeza que ela não teria me abandonado sem um bom motivo".

"Um passo rumo ao desconhecido"

Marilyn Crawshaw, da Universidade de York, no Reino Unido, trabalhou por décadas com pessoas que foram adotadas ou concebidas com esperma doado. Ela recomenda pensar bem em embarcar em uma jornada como a de Tony.

"Definitivamente acredito que uma pessoa tem o direito de saber de onde vem isso", reconhece.

"Mas sempre digo a elas para não terem pressa, para refletirem e pensar sobre isso primeiro. Converse com seus amigos. Você está preparado para todas as coisas que pode descobrir?"

"Algumas partes podem ser muito satisfatórias, mas você também pode encontrar um pai biológico que se recusa a entrar em contato. Você não tem ideia do que pode estar acontecendo na vida das pessoas que está tentando contatar. Você está realmente dando um passo rumo ao desconhecido."

Tony resigna-se que há algumas coisas que sempre serão questionáveis, como se ele nasceu na Escócia ou em Londres, mas está "feliz por saber o que sei agora".

Seu relacionamento com sua meia-irmã ficou cada vez mais forte. Sheena e seu marido conheceram a irmã de Tony, Eleanor, enquanto Tony foi ver sua meia-sobrinha, Jessica, cantar em um show em Londres.

Tony agora deseja apresentar seus filhos e netos a Sheena e sua família.

"Quando Julia me disse que tinha encontrado algo, acho que fiquei um pouco chocado", diz Tony.

"Mas agora que conheci minha meia-irmã, me correspondi com minha meia-sobrinha na Austrália. Agora quero apresentar meu filho e minha filha à família de Sheena. Isso me deu um novo sopro de vida."

Como é o teste DNA

Cada célula do nosso corpo contém moléculas de DNA dentro de estruturas chamadas cromossomos, que contêm as instruções necessárias para o desenvolvimento, sobrevivência e reprodução do indivíduo.

O teste de DNA mais comum concentra-se nos cromossomos no núcleo da célula, particularmente aqueles que são herdados de ambos os pais (22 pares de cromossomos "somáticos"). O teste compara o indivíduo com qualquer outra pessoa no banco de dados com quem ele compartilha um ancestral direto, até cerca de sete gerações atrás.

Com os homens, também é possível testar o cromossomo Y, que é passado de pai para filho e ajuda a identificar a linha paterna.

A linha materna pode ser investigada por meio de um teste de DNA nas mitocôndrias — subdivisões celulares responsáveis por gerar a energia celular. Este tipo de DNA é passado da mãe para a prole no óvulo.

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