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Família de bombeiros desaparecidos de Beirute aguarda apenas os 'restos mortais'

Pai do bombeiro Joe Noun, morto pela explosão em Beirute, no funeral do seu filho - ANWAR AMRO/AFP
Pai do bombeiro Joe Noun, morto pela explosão em Beirute, no funeral do seu filho Imagem: ANWAR AMRO/AFP

Da AFP, em Qartaba

12/08/2020 07h18

Rita não dorme há mais de uma semana e aguarda notícias do filho, do sobrinho e do genro, todos bombeiros que seguiram para o porto de Beirute para apagar o incêndio provocado pelas explosões de 4 de agosto e que permanecem desaparecidos.

"Inteiros ou em pedaços, queremos nossos filhos", afirma a mulher, de 48 anos. Ela perdeu a esperança de ver os parentes com vida.

"Há seis dias que esperamos os restos mortais de nossos filhos, que nos entreguem, mesmo que seja apenas um pedaço, dois, mas algo", insiste, esgotada.

Na casa da família, na área de Qartaba (ao nordeste de Beirute), dezenas de amigos, parentes e vizinhos dão apoio a Rita.

As mulheres não falam nada e os homens conversam em voz baixa.

Em uma parede próxima à entrada da casa há uma grande foto dos três homens, sorridentes, com a menção "os heróis". Nayib Hitti tinha 27 anos, seu primo Charbel 22 e seu cunhado Charbel Karam 37.

No dia 4 de agosto, os bombeiros de Beirute foram alertados sobre um incêndio no porto, próximo ao principal quartel da corporação. Os três foram enviados ao local, ao lado de sete colegas, sem saber o que aconteceria no depósito número 12.

A equipe tentou forçar a porta do edifício, trancada a chave, sem ter ideia de que o local armazenava substâncias perigosas, explica Georges Hitti, que no mesmo dia seguiu para o porto à noite em busca dos parentes.

"Comecei a gritar como um louco: Charbel, Nayib, Charbel. E depois comecei a chorar", conta.

O incêndio provavelmente provocou a explosão de uma grande quantidade de nitrato de amônio que estava armazenado no depósito. A tragédia devastou bairros inteiros da capital libanesa e deixou mais de 160 mortos, além de 6.000 feridos.

Um integrante das FSI (Forças de Segurança Interna) que sobreviveu à explosão disse a Hitti que uma patrulha pediu aos bombeiros que se afastasse, mas era muito tarde: a deflagração atingiu a equipe.

"Nós enviamos heróis, eles nos entregam mártires", afirma Rita, com ira e amargura. Ela usa um broche com a foto dos três.

Sua filha Karlen, mãe de duas crianças, perdeu o marido, o irmão e o primo. Ela chora, em silêncio.

As autoridades ignoraram as famílias, que pediram para participar nas buscas dos desaparecidos.

"Eu disse: 'deixem que procuremos, eu conheço o cheiro dos meus filhos, saberei encontrá-los'", comenta.

No domingo, o exército libanês anunciou o fim das operações de busca. Na segunda-feira foram encontrados cinco corpos, que ainda não foram identificados.

A família dos três bombeiros não esconde a irritação. "Ficamos sabendo pela televisão que nossos filhos se tornaram mártires, enquanto esperamos por eles", denuncia Rita.

"Mártires? Nossos filhos são os mártires da traição", completa, atacando as autoridades que "ocultaram" a presença de nitrato de amônio.

As autoridades libanesas prometeram uma investigação rápida, mas até o momento não anunciaram nada sobre o tema e os diferentes serviços envolvidos trocam acusações.

A família dos bombeiros não confia no governo libanês e pede uma investigação internacional.

Até o momento foram encontrados os cadáveres de dois bombeiros no local da explosão e a carteira de motorista de Nayib Hitti.

"Tudo que esperamos é poder identificar os restos mortais com exames de DNA", afirma Georges Hitti. "Esperamos a volta de nossos jovens e não vamos organizar nenhum enterro, celebraremos o retorno".

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