Topo
Notícias

Governo federal é responsável pelas mais de 100 mil mortes de Covid no Brasil, diz Natalia Pasternak

11/08/2020 12h13

O Brasil ultrapassou a triste marca dos 100 mil mortos, vítimas da Covid-19. Para a microbiologista Natalia Pasternak, muitos óbitos poderiam ser evitados, se o governo tivesse tomado medidas imediatas.

Natalia Pasternak é uma das vozes mais importantes da comunidade científica no Brasil no combate à Covid-19. Doutora em microbiologia pela USP e fundadora da ONG Questão de Ciência, ela atualmente é também pesquisadora colaboradora do ICB-USP, no Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas (LDV). Ela conversou com a RFI a respeito da situação catastrófica da pandemia no Brasil. Confira a entrevista:

A mídia internacional acompanha atentamente o desenrolar da pandemia pelo mundo. Nos últimos dias, o Brasil foi um dos destaques, ao ultrapassar a barreira dos cem mil mortos, oficiais, vítimas da Covid-19. Qual é a sua sensação, fazendo parte da comunidade de especialistas que tenta justamente lutar contra a doença com bases científicas diante de um governo como o do Brasil?

É um número que poderia ter sido evitado. Não completamente, claro, mas pelo menos diminuído ou até cortado pela metade, com boas medidas de quarentena, se elas tivessem se elas tivessem sido implementadas pelo governo federal. Se tivesse havido um esforço do governo em constituir uma liderança forte, orientar os estados e municípios e, principalmente, uma comunicação transparente e honesta com a população. O governo não mostrou nada nesse sentido, pelo contrário.  Mostrou um esforço em desinformar e confundir a população, dizendo sempre que era uma "gripezinha", e ainda promovendo curas milagrosas. O governo federal é responsável por essas 100 mil mortes, com certeza.

E o Brasil não tem ministro da Saúde desde o dia 15 de maio. Existe algum canal no governo para a ação de institutos como o seu ou só indo pela tangente, pelas mídias e redes sociais?

É bem pela tangente. Acho que qualquer ONG hoje em dia, o Questão de Ciência não é uma exceção, tem bastante dificuldade de conversar com o governo, apesar de essa ser a nossa função. O instituto foi criado justamente para fazer a ponte entre academia, sociedade e governo. Estamos e estaremos sempre à disposição dos chefes do executivo e membros do legislativo, para orientá-los sobre políticas públicas baseadas em evidências científicas. Mas é uma conversa que não tem acontecido. A nossa atuação então tem sido muito mais focada em informar a população e alguns parlamentares que estão interessados em ajudar, além de membros de estados e municípios.

E nessas condições que o Brasil vive hoje, o que seria uma política pública ideal? Ou que possa ser aplicada?

O ideal seria investir em testagem. Foi o que fizeram os países que saíram da pandemia com êxito. Conseguindo testar uma grande parte da população, você identifica e isola os doentes, rastreia os contatos e isola os que tiverem contaminados. É a melhor maneira de rastrear e barrar a transmissão. O Brasil poderia ter investido mais em testes, mas optou por não fazê-lo, foi uma decisão do governo federal, que não se preparou o suficiente para adquirir os testes-diagnósticos. Mas nós temos outras opções no Brasil. Temos o SUS e o treinamento de agentes comunitários de saúde que é fantástico, mas que não foi usado. Poderíamos tê-los treinado para fazer rastreamento de contatos e o isolamento dos doentes. Não usamos nem as ferramentas que temos. Os agentes comunitários de saúde fazem dois papéis: eles identificam os surtos e eles informam, conversam diretamente com as pessoas. Esse tipo de comunicação é extremamente valioso para a contenção de uma pandemia. As pessoas precisam entender o que está acontecendo, qual a conduta adequada a ser tomada.

Existe uma grande falta de coordenação por parte do governo. Seria o caso de uma ação mais centralizada, como foi na França?

Pelo tamanho, o Brasil precisa de políticas públicas locais. Decisões vão ter de ser tomadas por municípios, por estados, por região. Cada região é afetada em momentos e com intensidades diferentes. Temos agora Minas Gerais e o sul do Brasil sendo fortemente afetados. São Paulo, Rio, Manaus foram cidades que tiveram epicentros bem pronunciados, agora com casos diminuídos. São momentos diferentes que exigem decisões locais. Mas uma boa coordenação nacional poderia orientar as decisões. Não é porque o país é grande e as decisões locais precisam acontecer, que isso exime o governo federal de ter uma boa coordenação nacional.

Como você vê a insistência de Bolsonaro em promover a cloroquina?

Eu já não consigo mais entender se é simplesmente uma insistência pessoal ou se é algo realmente arquitetado para conseguir abrir a economia mais cedo, dizendo que existe uma cura. Todas as evidências cientificas já foram reunidas, não sei onde mais podemos testar a cloroquina. Ela já foi testada em células respiratórias e provou-se que não funciona. Em animais, tanto camundongos, como macacos, e não funciona. Já foi testada exaustivamente em humanos, temos agora onze estudos controlados e randomizados, que são o padrão ouro dos testes de medicamentos, que mostram que ela não funciona. Não sei mais como dizer ao presidente Bolsonaro que a ciência já provou a ineficácia da cloroquina. Virou uma questão simplesmente política.

A vacina é viável?

O Brasil fechou dois acordos internacionais com técnicas diferentes de tecnologia. A Sinovac, da China, fechou com o Instituto Butantã, aqui em São Paulo, uma vacina de vírus inativado, que a gente chama de vacina de primeira geração. É uma vacina à moda antiga, bastante simples de se fazer, mas que requer uma logística e investimentos bastante robustos. E tem a vacina de Oxford, com um contrato internacional com o Instituto Fiocruz, no Rio de Janeiro, e a Unifesp, de São Paulo. São dois acordos bem interessantes que garantem ao Brasil alguns milhões de doses das vacinas, caso elas funcionem, e que vão ser testadas aqui no Brasil. Imagino que até o final do ano teremos uma resposta a respeito da eficácia dessas vacinas, que entraram agora na fase 3, que é justamente quando vamos ver se funcionam, até agora não sabemos ao certo. Talvez, até o meio do ano que vem, teremos uma produção suficiente para vacinar a população.

 

Notícias