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'Me apavorei e joguei minha bebê fora': A batalha jurídica em torno das mulheres que matam seus recém-nascidos

Estado puerperal influencia forma como mulher transforma o infanticídio em crime de exceção, mas não exist consenso sobre o que representa o estado puerperal - Getty
Estado puerperal influencia forma como mulher transforma o infanticídio em crime de exceção, mas não exist consenso sobre o que representa o estado puerperal Imagem: Getty

Mônica Manir - De São Paulo para a BBC News Brasil

09/08/2020 17h47

Gravidez solitária e abandono são traços comuns em assassinatos pós-parto, mas os casos enfrentam uma 'loteria jurídica' que faz com que algumas rés sejam julgadas por infanticídio e outras, por homicídio.

Ana Carolina Moraes da Silva havia colocado a filha de 2 anos para tirar a soneca da tarde. Acabou por dormir ao lado da menina, mas acordou com vontade de ir ao banheiro. Uma bebê ? da qual ela não sabia que estava grávida ? saiu dela e caiu no fundo do vaso sanitário.

Ao se levantar, ela ainda sentiu a placenta cair sobre a recém-nascida. "Vi o bebê sem se mexer, todo cheio de sangue, e me assustei com tudo, porque não tive dores. Chorava de desespero."

Ela pegou toalhas do varal, embrulhou a criança, colocou-a numa sacola plástica, botou dentro uma "xuxinha" (elástico de cabelo), como uma lembrança de mãe para filha, e jogou a recém-nascida pelo duto de lixo do prédio. A família morava no sexto andar de um edifício em Santos, no litoral de São Paulo, onde os dutos dão para uma lixeira, no térreo. A bebê não sobreviveu.

"Me assustei, me apavorei, joguei minha bebê fora. Eu perdi minha filha, mas sou acusada de matá-la. Não sei por que não liguei para o Samu, para a polícia, para o pai das meninas. Nunca imaginei viver isso, tive uma reação de não pensar em nada. Deus tem me ajudado a sobreviver aqui sem ficar louca de vez, mas nunca vou esquecer o que aconteceu. É como se nada que tenha feito antes tenha valido a pena."

A ex-ginasta de 31 anos relatou assim, em carta enviada à BBC News Brasil, sua versão sobre o que aconteceu em 27 de junho de 2018, data da morte da segunda filha.

São dez páginas escritas à mão com caneta vermelha, de dentro da cela 18, pavilhão 3, na Penitenciária Feminina Santa Maria Eufrásia Pelletier, em Tremembé, no interior paulista, onde Ana Carolina está presa desde 3 de julho de 2018, acusada de homicídio qualificado e ocultação de cadáver.

"Insisto no estado puerperal e que o crime deve ser desclassificado de homicídio para infanticídio, mas o juiz não reconhece isso", diz Letícia Giribelo Gomes do Nascimento, advogada de Ana Carolina. "Ela está há dois anos em prisão preventiva, sem perspectiva de julgamento por causa da pandemia, num limbo."

Mães que matam seus recém-nascidos podem ser enquadradas no crime de homicídio ou de infanticídio. O que os diferencia é o estado puerperal presente no infanticídio, como descreve o artigo 123 do Código Penal brasileiro: "matar, sob influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após".

Entendido como uma condição que deixa a mulher sem completo domínio de seus atos, o estado puerperal é determinante para o destino dessas mães.

Ele transforma o infanticídio em crime de exceção, o que implica detenção de 2 a 6 anos, enquanto o homicídio prevê prisão de 6 a 20 anos ou mais, dependendo das qualificadoras e agravantes.

A questão é que não existe, desde a promulgação do Código Penal, há quase 80 anos, consenso sobre o que representa o estado puerperal, quanto dura, se tem comprovação e se é necessário um laudo para confirmá-lo.

"Tudo isso vem da cabeça dos médicos legais e dos próprios doutrinadores do direito penal", afirma a antropóloga e advogada Bruna Angotti.

Isso significa que a mulher acusada de matar seu recém-nascido pode ser vista como mais ou menos cruel dependendo da lente com a qual se enxerga a maternidade.

"Existe uma loteria judiciária em torno do infanticídio que pende de acordo com as moralidades de quem julga, o que não contribui em nada para a complexidade de um cenário envolto em aspectos biológicos, psicológicos e sociais", afirma Angotti.

Essa loteria judiciária, ou seja, uma discrepância no modo como esses casos são interpretados e julgados, é o cerne da tese de doutorado da antropóloga, defendida em junho de 2019 na Universidade de São Paulo.

Angotti analisou sete processos judiciais e 179 acórdãos proferidos entre 2005 e 2015 e participou de três sessões de júri. Observou que as penas sofridas pelas mulheres variaram entre 6 meses e 17 anos e meio, ainda que os crimes tivessem vários elementos em comum.

Há semelhanças, por exemplo, no contexto. A maioria delas são mulheres em solidão, que negam ou escondem a gravidez, dando à luz sozinhas e em casa. Muitas são rés primárias, mais pobres, não raro vítimas de violência doméstica e que mal ocultam o corpo do bebê.

"Em vez de enterrarem a criança, por exemplo, a colocam dentro do guarda-roupa, em cima da máquina de lavar, embaixo da cama", diz Angotti.

A morte do filho costuma acontecer por estrangulamento, sufocamento, agressão, afogamento ou, então, por omissão, quando a criança é abandonada.

No caso de abandono seguido de óbito, a mulher é enquadrada no artigo 134, e não no 123 do infanticídio, mas a pena de 2 a 6 anos de reclusão se mantém.

No 134, no entanto, a motivação é 'ocultar desonra própria'. Seria um resquício de códigos penais anteriores, como os de 1830 e 1890, que não previam o estado puerperal, mas nos quais havia redução de pena para o infanticídio cometido tanto por homens como por mulheres desejosos de esconder o nascimento de uma criança, visto por eles como uma situação infame.

Nem 'baby blues', nem depressão pós-parto

Puerpério, de onde vem a expressão "estado puerperal", é o período que vai da expulsão da placenta após o parto até o retorno dos órgãos reprodutores da mulher ao estado de antes da gravidez, como explica a ginecologista e obstetra Márcia Maria Tabacow Gomes, que há 44 anos atende parturientes em São Paulo.

Essa fase dura em média 40 dias e, nela, ocorre a cicatrização do útero, com um sangramento típico. Algumas mulheres podem apresentar alterações psíquicas enquuanto isso, como o blues puerperal (ou "baby blues"), marcado por episódios de melancolia e irritabilidade, ou a depressão pós-parto, mais severa e aguda.

O estado puerperal, no entanto, não teria a ver com essas mudanças. Seria uma diminuição da capacidade de entendimento ou de auto-inibição da mulher decorrente do parto.

Angotti confirmou as particularidades do infanticídio no Canadá, país que também prevê o abrandamento da pena nesses casos e onde ela passou sete meses do doutorado estudando a bibliografia internacional sobre o tema.

"Na literatura, há várias recorrências, veja a Marie Farrar, de Bertolt Brecht", resgata, jogando luz na personagem esquálida, órfã e menor de idade do poeta alemão que dá à luz no banheiro de sua senhora e que, "com ambos os punhos, cegamente, sem parar, bateu no filho até que se calasse".

Nos versos seguintes, Farrar leva o corpo do recém-nascido para sua cama, pelo resto da noite, e, de manhã, o esconde na lavanderia. Descoberta, a infanticida morre na prisão.

Estatísticas escassas

No cenário jurídico internacional, o assassinato de um bebê é chamado de neonaticídio quando ocorre nas primeiras 24 horas depois do parto. Depois disso e até 1 ano de idade, é chamado de infanticídio.

Estatísticas sobre essas ocorrências são escassas e, por vezes, imprecisas, porque nem sempre os casos são registrados como tais e porque os corpos das vítimas talvez nunca são descobertos.

Um dos raros números internacionais sobre a incidência do crime pode ser encontrado no artigo publicado em 1997 pelo sociólogo americano David Finkelhor, da Universidade de New Hampshire, que estimou o infanticídio em 8 casos por 100 mil nos Estados Unidos.

Phillip Resnick, diretor de Psiquiatria Forense da Case Western Reserve University, em Cleveland, que introduziu o conceito de neonaticídio na literatura médica em 1970, afirma que, no Canadá, a incidência não passa de 3 por 100 mil. Ele fala em 500 mortes de crianças por ano nos Estados Unidos atualmente, mas isso englobaria tanto os recém-nascidos quanto filhos mais velhos.

Um grupo de sete cientistas, seis deles brasileiros, de instituições do Rio de Janeiro, publicou artigo sobre o tema em 2017 no periódico Archives Women's Mental Health, que visa interligar o conhecimento de psiquiatras e ginecologistas-obstetras. Eles selecionaram dez estudos, a maioria europeus, e mostraram que a incidência variava de 0,07 caso por 100 mil na Finlândia a 8,5 neonaticídios por 100 mil na Áustria.

No Brasil, existem enormes discrepâncias nos registros de dados. Tabelas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) enviadas à BBC News Brasil mostram que, de 2016 a 2019, o número de novos casos anuais de infanticídio que ingressaram na Justiça havia subido de 165 casos em 2016 para 1.723 em 2019, devido especialmente aos casos informados pelo Tribunal de Justiça do Acre no ano passado (1.642 casos). As autoridades acreanas não esclarecem esses números, nem se eles estão corretos.

No Estado de São Paulo, em 2018, também teria havido um grande aumento de casos, para 1.851. Indagado sobre isso, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) retificou os números: afirmou que haviam sido apenas cinco casos de infanticídio em 2018 e mais 14 em 2019.

"Nem sempre é possível identificar todas as falhas, uma vez que existem mais de 3 mil assuntos nas tabelas processuais", afirmou a assessoria do CNJ. "Nos que ganham maior destaque, como a violência doméstica, as distorções são mais fáceis de serem detectadas."

De fato, crimes de infanticídio são considerados raros, embora Angotti presuma que muitos dos assassinatos de recém-nascidos sejam denunciados como homicídio pelo fato de o juiz não reconhecer o estado puerperal, como ocorreu com Ana Carolina Moraes da Silva.

Daí que advogados de defesa parecem ser pegos de surpresa quando assumem os casos. "Estou há mais de 20 anos na profissão, meu pai foi advogado por mais de 40, e nunca fizemos um júri de infanticídio", reconhece Marcelo Luis Cardoso de Menezes, convocado em outubro do ano passado para defender uma moça na cidade de Suzano, na região metropolitana de São Paulo, acusada de tentar sufocar o filho oito dias após o parto, ainda na maternidade.

A criança estava com icterícia, e a mãe permanecia internada para amamentá-la. Foi em uma das mamadas que, ainda que contida pela enfermeira, ela causou lesões na criança. Era novembro de 2015, a jovem tinha 19 anos e afirmava não se recordar da agressão. O estado puerperal foi atestado pela equipe de psiquiatria.

Segundo o advogado, a mãe responde em liberdade e estaria cuidando da criança. A primeira audiência está marcada para setembro, mas talvez não ocorra, em função da pandemia. "Todas as partes precisam entrar virtualmente no sistema, mas às vezes a pessoa que está sendo julgada nem computador tem", lembra Menezes.

"A última boneca das bonecas russas"

Há doze anos, uma tentativa de infanticídio marcou a psicanalista Vera Iaconelli, a ponto de servir de espinha dorsal para o livro Mal-Estar na Maternidade: do Infanticídio à Função Materna.

Coordenadora de uma clínica para gestantes, Iaconelli foi chamada pela tia de uma adolescente para ir uma maternidade de São Paulo. A jovem havia dado entrada na emergência com dores abdominais, sem saber o motivo do desconforto. Ocultava ter tomado uma pílula abortiva já beirando a 27ª semana de gravidez.

O médico que a atendeu, porém, não percebeu a gestação e indicou apenas um remédio para cólica. Em certo momento, a moça pediu a chave do banheiro, onde deu à luz uma menina, que não respirava porque ainda estava ligada à placenta. Ela a colocou no lixo, devolveu a chave e deixou o local, mas foi chamada de volta. Quando chegou à maternidade, um delegado esperava por ela.

"A enfermagem estava com medo da adolescente, como se fosse um monstro, mas o que vi foi uma garota totalmente atrapalhada, assustada, que não conseguia se ver adulta o suficiente para fazer um bebê", diz a psicanalista.

A criança, que sobreviveu, era fruto do relacionamento da mãe com um homem casado, que não lhe deu suporte. Os pais da garota a presumiam ainda virgem, e a relação com a mãe, em especial, era conflituosa, com episódios de violência doméstica.

A jovem havia ainda largado os estudos no ensino médio e ajudava em casa, cuidando dos irmãos menores. Iaconelli acompanhou de perto o envolvimento cada vez mais íntimo da adolescente com a própria filha. Sua "suposta loucura" deu lugar à crescente confiança da equipe hospitalar e dela mesma com a criança. A evolução da relação fez com que o delegado não instaurasse um inquérito.

"A mãe nasceu depois do bebê", afirma Iaconelli, para quem a gravidez e o parto não garantem a construção da maternidade.

"Mesmo quando a mulher faz um ótimo pré-natal, um parto à la Gisele Bündchen, ainda assim vive um estranhamento brutal no nascimento do filho." (Bündchen teve os dois filhos em casa, com o auxílio de uma parteira.)

A ignorância sobre esse processo cria uma série de eventos, afirma Iaconelli, desde a depressão pós-parto por incompreensão até a excessiva penalização do infanticídio.

"O bebê é a última boneca das bonecas russas, aquelas encaixadas uma na outra. Muito frequentemente, esse bebê negligenciado está dentro de uma história de desamparo e abandono", diz a psicanalista.

A jovem que ela acompanhou teve mais dois filhos e trabalha como enfermeira em uma UTI neonatal.

Tentativa de suicídio

No caso da ex-ginasta Ana Carolina, sua advogada chegou a pedir que ela fosse considerada inimputável, ou seja, incapaz de responder por seus atos, devido a problemas psiquiátricos anteriores à gravidez.

O artigo 26 do Código Penal prevê a inimputabilidade do réu em casos específicos. Ana Carolina relatou episódios depressivos ao longo da vida, decorrentes, segundo ela, de um componente genético: seus pais, ambos falecidos, teriam sido vítimas da depressão.

No entanto, ela nunca buscou tratamento e, portanto, não há um laudo que comprove isso. Na cadeia, logo depois da morte da filha, Ana Carolina tentou o suicídio usando um garfo e a tampa de alumínio da marmita. Foi transferida para Tremembé. Apenas em julho deste ano conseguiu passar por um psiquiatra em São Paulo. O laudo do exame ainda não saiu.

"Em vez de dá-la como inimputável, o médico a classificou como semi-imputável, ou seja, ela não teria discernimento total sobre a ação, mas conseguia compreender seu caráter delituoso", explica Gomes do Nascimento.

O estado puerperal foi descartado. O juiz entendeu, assim, que existiu o homicídio qualificado com ocultação de cadáver, porque ela tinha a mínima capacidade de reconhecer o que estava fazendo.

O corpo do bebê jogado no duto de lixo por Silva foi encontrado no dia seguinte por um catador de material reciclável que buscava latas na lixeira, colocada na rua por um faxineira do prédio. O homem contou a policiais que passavam por ali, e eles encontraram junto ao corpo uma nota fiscal de compra de fraldas com o CPF do pai da criança, de quem Ana Carolina estava separada, embora os dois ainda morassem no mesmo apartamento.

Por meio de câmeras na farmácia, chegaram horas depois ao pai, que foi preso e depois solto ao negar participação no assassinato. Ele afirmou não saber da gravidez.

A ex-ginasta não viu mais a filha de 2 anos nem recebeu a visita do pai da criança, que tem a guarda da menina e se mudou para Praia Grande depois ser apedrejado na rua e de o casal ser ameaçado de morte nas redes sociais. "Foi um crime que chocou Santos, tem a comoção pública, muitas vezes o juiz não quer essa responsabilidade para ele e prefere repassá-la para os sete jurados", afirma a advogada.

Foi na Praia Grande, no último 18 de junho, que uma jovem de 20 anos atirou seu recém-nascido pela janela do apartamento onde mora. A criança teria morrido no mezanino e dali, sido carregada até a lixeira do prédio pela mãe, que passou por uma avaliação psiquiátrica para avaliar se estava "em estado alterado de ânimo depois do parto". Ela responde em liberdade.

Jovem, sem companheiro fixo nem suporte econômico

A psiquiatra forense Lisieux Telles, que atua no Instituto Psiquiátrico Forense Doutor Maurício Cardoso, em Porto Alegre, apega-se à sua experiência de 25 anos para afirmar que, do ponto de vista médico, nunca viu ninguém ter surtado por ter dado à luz. Telles não descarta nesse tipo de crime a presença de patologias prévias da mulher, como esquizofrenia e transtornos de humor, que podem descompensar no final da gravidez ou no parto e levar a parturiente ao homicídio.

Nesses casos, em vez de focar no infanticídio, a psiquiatra assina um laudo de doença mental, que atesta que a ré é incapaz de responder pelo que fez. A mulher cumpre então uma medida de segurança em um hospital de custódia e de tratamento psiquiátrico. O Código Penal estabelece que o prazo mínimo de internação é de um a três anos, mas não prevê período máximo. Ele perdura enquanto não for averiguada pela perícia médica o fim da periculosidade.

Mas Telles diz que muitos dos crimes de infanticídio têm como traço comum o planejamento. "Normalmente, há a premeditação de matar aquela criança, desde muito antes do parto", diz.

Telles afirma que as neonaticidas são em geral mulheres jovens, sem companheiro constante nem suporte econômico, que engravidam muitas vezes sem desejar e que ocultam a gravidez, evitando o pré-natal e dissimulando o crescimento da barriga para que ninguém o perceba. "Elas planejam o nascimento desse bebê longe do hospital e acabam matando a criança, desfazendo-se do corpo em seguida."

Foi esse o entendimento dos jurados ao descartar o infanticídio no caso da auxiliar de limpeza Andressa Breijas Molina em maio do ano passado, em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo.

Ela foi condenada a 24 anos, 10 meses e 20 dias por homicídio, com a qualificadora de ter usado recurso que dificultou a defesa da vítima e com a agravante de a vítima ser descendente.

Usando uma cinta, Andressa ocultou a gravidez de amigos e da família, que mora em Cedral, a 20 km de São José do Rio Preto. Alegou vergonha pela gestação ter sido fruto do estupro de um tio, que está foragido.

Mãe de uma menina de 9 anos, ela se encontrava sozinha em casa quando entrou em trabalho de parto e chamou o Samu. A enfermeira da ambulância ouviu o choro de criança do lado de fora da casa, mas, então, fez-se o silêncio. Quando finalmente a equipe entrou, Molina pegou a placenta que estava dentro de um saco, entregou o órgão à enfermeira e sentou-se sobre um colchão. Embaixo dele estava a criança, morta com um corte no pescoço.

Para o promotor, a mulher de 28 anos premeditou o crime. Não havia comprado o enxoval nem pensado em um nome para o filho. Para a advogada de defesa Marina Calanca Servo, Andressa tinha intenção de doar o recém-nascido. "Se quisesse matar a criança, não teria chamado socorro". Ela afirma que a auxiliar de limpeza se lembra apenas de flashes daquele momento: as contrações, a faca na mão, o sangue.

Também está presa em Tremembé, que mantém encarceradas mulheres que correm risco em unidades prisionais padrão. Na cadeia, matar um bebê é punido com outra morte, a da mãe.

"É preciso reconhecer que a relação de filiação não está garantida pela biologia", reitera Iaconelli. "No entanto, o que a sociedade espera do pai é que cumpra o papel pragmático de provedor, enquanto da mãe se cobra o lugar mítico do amor imediato. A ideia de que uma grávida já é naturalmente mãe persiste em todos os círculos, por vezes sem que percebamos que ela precisa de assistência nesse reconhecimento."

Angotti entende que a Justiça não abarca a complexidade do infanticídio em função dos múltiplos fatores envolvidos. Para ela, o veredito deveria se encaminhar para a absolvição com acompanhamento cuidadoso da saúde dessa mulher, fora de um hospital de medida de segurança. "Aqui, o Direito parou no tempo."


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