Crise pode acelerar êxodo de libaneses para Europa, EUA e até América do Sul, diz analista
As duas explosões que devastaram parte da cidade de Beirute nesta semana atingiram um país afundado em uma crise econômica e política. Metade da população hoje vive na linha de pobreza e enfrenta uma inflação galopante. Para Danny Zahreddine, professor da PUC-Minas e especialista em Líbano, o agravamento da crise pode levar a uma nova diáspora para Europa, Estados Unidos e América do Sul.
Além de mais de uma centena de mortos e milhares de feridos, a tragédia afetou o principal porto de um país que depende de importações para 80% de suas necessidades. De gêneros alimentícios e petróleo a insumos para a saúde, boa parte dos produtos consumidos no país chegam por navios.
A ONU (Organização das Nações Unidas) alertou nesta quinta-feira (6) que os cereais nos estoques do país devem durar menos de um mês. O silo de cereais destruído no porto guardava 15 mil toneladas de grãos.
"A explosão vai gerar crises muito mais intensas. Coloca em risco alimentar parte da população. É uma situação delicadíssima. Em um momento que o Líbano tem a desconfiança de organizações internacionais por não fazer reformas internas e em função também de não agir assertivamente contra a corrupção", afirma o líder do grupo de estudos do Oriente Médio e Magreb,
Para ele, o agravamento da crise econômica, que já expulsava do país profissionais altamente capacitados, pode gerar uma nova diáspora. "A crise econômica pode alimentar um fluxo de maior de libaneses para a Europa, para os Estados Unidos e talvez também para a América do Sul, temos que observar nos próximos meses."
Divisão religiosa do poder e crise política
O pacto nacional que divide o poder político no Líbano segundo uma lógica religiosa, é "talvez hoje o maior problema do país neste momento", opina Zahreddine.
O presidente é um cristão maronita, o primeiro-ministro é um muçulmano sunita, o speaker do parlamento é um xiita. E não é só isso. "Todos os quadros políticos do funcionamento público são divididos a partir dessa fórmula, desde um secretário de gabinete até um diretor de escola", explica.
O descontentamento com essa distribuição de poder em um sistema marcado pela corrupção e pela incapacidade do Estado em responder às necessidades básicas da população provoca manifestações em massa nas ruas de Beirute desde 2019.
Essa divisão político-religiosa complica até mesmo a chegada de ajuda humanitária. A Europa, a ONU e os Estados Unidos não confiam no governo libanês para utilizar devidamente os recursos, de outro lado, o Hezbollah, partido de sustentação do poder no país, vê com desconfiança o uso de organizações internacionais na ajuda humanitária.
"A França enviou ajuda neste ano para o Líbano, mas não para o governo, enviou recursos para instituições francesas de ensino no Líbano", exemplifica.
Estado incapaz
"O que a gente vê no caso dessa tragédia parece ser um exemplo de negligência do Estado, de incapacidade do Estado de fiscalizar, de tomar decisão. E a pressão que vêm das ruas é no sentido de que o Estado seja atuante e efetivo, que não utilize suas redes de famílias [da elite] e sectárias."
De acordo com o primeiro-ministro do Líbano, Hassan Diab, ao menos uma das explosões foi causada pela detonação de 2.750 toneladas de nitrato de amônia que estavam armazenadas no porto da capital libanesa.
O professor da PUC-Minas acredita que seja necessário refundar um pacto nacional para tirar o Líbano dessa crise.
"Uma transformação do Líbano nesses termos seria uma revolução. Eu vejo que existem dois caminhos, um caminho é a própria elite política libanesa fazer uma proposta de mudanças, o que eu acho difícil. O outro caminho são as pressões que vêm da sociedade civil e que vêm se avolumando. Talvez a organização da sociedade civil sem as barreiras sectárias seja o caminho para que de fato o Líbano possa se transformar em uma sociedade mais desvinculada da religião e mais democrática."
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