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Sacrifiquei a vida pessoal para defender verbas da educação, diz deputada

A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) durante reunião da Comissão Especial do Fundeb em março deste ano - Luis Macedo/Câmara dos Deputados
A deputada Professora Dorinha (DEM-TO) durante reunião da Comissão Especial do Fundeb em março deste ano Imagem: Luis Macedo/Câmara dos Deputados
do UOL

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

02/08/2020 04h00

Dez dias após a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Fundeb na Câmara dos Deputados, a relatora do texto, deputada Professora Dorinha (DEM-TO), mantém um ritmo de trabalho acelerado. Com a agenda cheia, a parlamentar encara diariamente uma maratona de lives e encontros para falar sobre o relatório e continuar os trabalhos de articulação para a votação do texto no Senado.

"Tem sido um período de debate nacional, e acho que continua. Todo mundo quer saber o que mudou, em quais aspectos o novo Fundeb vai poder atender os mais pobres. Tem sido bastante intenso. Dificilmente em algum dia eu não tenho duas ou três lives com colegas parlamentares ou com instituições que lidam diretamente com o tema da educação", disse a deputada em entrevista ao UOL. "Muita gente quer ouvir e saber os principais pontos."

Descrita por pessoas próximas como uma mulher de opiniões fortes, mas aberta ao diálogo desde que sejam apresentados argumentos, Dorinha está em seu terceiro mandato como deputada.

Relatora da PEC do Fundeb desde 2016, esteve à frente das negociações sobre a renovação do fundo, considerado o principal mecanismo de financiamento da educação básica no país —e cujo modelo atual vence em dezembro deste ano.

Em 2018, após um longo período de discussões, os parlamentares se preparavam para votar o texto, mas com a intervenção militar no Rio de Janeiro essa etapa acabou sendo adiada.

Em 2019, primeiro ano de gestão Jair Bolsonaro (sem partido), o governo não esteve presente nas discussões. A proposta de aumento da participação da União no fundo virou ponto de conflito entre parlamentares e representantes do governo, incluindo o então ministro da Educação, Abraham Weintraub.

No início deste ano, Weintraub chegou a defender o envio de uma nova PEC para tratar do Fundeb no Congresso, o que faria com que as discussões sobre a matéria voltassem à estaca zero.

A PEC foi aprovada em 21 de julho na Câmara, após intensa negociação com o governo. O texto torna o fundo permanente e aumenta o repasse do governo. O patamar mínimo de investimento por aluno/ano deve sair de R$ 3,7 mil para chegar a R$ 5,7 mil, até 2026, de acordo com um levantamento do Todos Pela Educação.

Para entrar em vigor, a proposta ainda em que ser aprovada no Senado.

"Sacrifiquei o momento que eu tinha que estar com a minha mãe"

Discreta e reservada, Dorinha é vista como uma pessoa extremamente dedicada e comprometida com o trabalho. Não raro, a deputada acorda cedo e dorme tarde, investindo em discussões sobre temáticas ligadas à educação até mesmo durante a madrugada.

"Para mim, foi um período muito duro, porque ano passado eu sacrifiquei muito a minha vida pessoal por conta do Fundeb. Eu não queria deixar de ir a nenhum estado que estava convidando para o debate, para a conversa", diz ela.

Em dezembro do ano passado, foi surpreendida com o adoecimento da mãe, que passou um período internada em um hospital de Goiânia. Ela conta que deixou a mãe na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo), em quadro "bastante grave", em duas ocasiões —ambas para ir a Brasília para participar de reuniões sobre o Fundeb. Na segunda delas, em fevereiro, não voltou a ver a mãe viva.

"Eu sacrifiquei o momento que eu tinha que estar com a minha mãe. Eu sabia que ela podia falecer, porque ia começar um procedimento e ela não estava respondendo. Mas, pelo Fundeb, fui imaginando o risco para a educação, tudo o que podia ser construído", conta.

'Luta inteira' com a equipe econômica

Dorinha é descrita por colegas como uma pessoa fechada e até um pouco dura. Mas a deputada conta que, quando deixou o plenário da Câmara dos Deputados, depois da aprovação da PEC, e chegou ao apartamento funcional em Brasília, não aguentou e chorou.

Dias antes da votação na Câmara, o governo enviou uma proposta nova para o fundo, que previa o início do novo modelo do Fundeb em 2022 e destinava parte da complementação da União para o Renda Brasil, programa do governo Jair Bolsonaro (sem partido) que deve substituir o Bolsa Família.

Dorinha diz que a proposta "desrespeitosa" veio de quadros do Ministério da Economia. "Tivemos pessoas que trabalharam o tempo inteiro no debate, técnicos do ministério [da Educação] que estiveram envolvidos. Mas são posições institucionais que têm que vir. E com a Economia a gente tem que fazer essa luta inteira, de dizer espera aí, a educação não é importante para esse país, não?", questiona.

Procurado, o Ministério da Economia não se manifestou até a última atualização desta reportagem.

Natural de Goiânia, Maria Auxiliadora Seabra Rezende —conhecida como Professora Dorinha— é filha professores. Aprendeu a ler com o pai, que a estimulava a encontrar palavras no dicionário. É pedagoga formada pela UFG (Universidade Federal de Goiás), onde também fez uma especialização em alfabetização e um mestrado em educação.

Mudou-se para o Tocantins no início da década de 1990, após ser nomeada professora da Unitins (Universidade Estadual do Tocantins). Depois, foi secretária de Educação do estado por nove anos e presidente do Consed (Conselho Nacional de Secretários de Educação). Foi eleita deputada federal em 2010.

Casada com o empresário e ex-vereador Fernando Rezende, Dorinha é mãe de dois filhos: Thays, 31, e Victor Hugo, 29. Quando está com a família, gosta de cozinhar e faz um xinxim de galinha que é famoso entre conhecidos.

Na data em que completou 55 anos, em 1º de outubro do ano passado, participou de uma audiência pública sobre Fundeb em uma comissão especial da Câmara dos Deputados.

"No dia dessa audiência, no aniversário dela, ela estava o tempo todo se comunicando com a família", diz Daniel Cara, membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que estava presente na ocasião.

"Botou a LDB na minha mão"

Foi na escola em que os filhos de Dorinha estudavam no Tocantins, por volta de 1996, que a pedagoga Nilce Rosa da Costa a conheceu. Nilce, que trabalhava em um cargo de auxiliar, se viu em uma saia justa quando precisou assumir o posto de coordenação da escola. "Eu tinha muita boa vontade, mas não tinha condições de assumir a escola, porque não tinha experiência", diz.

Ela conta que, então, o dono da escola disse que tinha uma amiga que poderia dar uma "consultoria" a ela. "Quando veio essa pessoa, era a Dorinha. Ela foi a primeira pessoa que botou a LDB [Lei de Diretrizes e Bases, que rege a educação no país] na minha mão", diz.

À época, Dorinha era professora na Unitins e, segundo Nilce, dava palestras sobre a LDB em escolas de diferentes cidades. Meses depois, Dorinha foi chamada para trabalhar como coordenadora na secretaria de Educação do Tocantins.

Nilce continuou na escola onde os filhos da deputada estudavam, e com o passar do tempo as duas eventualmente acabaram trabalhando juntas e desenvolvendo uma relação de confiança e amizade.

"Ela é uma pessoa que sabe separar profissional e pessoal. É muito honesta nesse sentido", diz Nilce, que trabalhou como secretária-executiva na secretaria de Educação do Tocantins e hoje é secretária-executiva do Consed.

Desde aquela época, segundo Nilce, Dorinha "era uma pessoa que sentava desde as 9h da manhã e podia ir até as 10h da noite discutindo um ponto".

"Mas foi sempre uma das grandes preocupações dela estar perto dos filhos, embora com muito trabalho. Me lembro que ela levava pastas e pastas, no fim de semana, para despachar em casa".

"Me sinto respeitada no DEM"

Filiada ao Democratas desde quando o partido era o então PFL, Dorinha votou a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e foi contrária à abertura de investigação contra Michel Temer (MDB).

Em outras votações, como a da PEC do Teto de Gastos e do PL que regulamentava a terceirização, teve posições contrárias às do partido. Mesmo assim, diz que nunca pensou em sair do Democratas e afirma se sentir "respeitada" dentro da sigla.

"Sempre tive esse espaço no partido", diz. "Eu, pelo menos, nunca fui pressionada a ter que votar de determinada maneira ou sofreria retaliação, como já vi acontecer em outros partidos. Na emenda do Teto de Gastos, chegou a sair que setores do governo iam exigir punição, mas o partido não entrou nesse discurso. Eu me sinto respeitada no Democratas".

Líder da bancada feminina na Câmara, a deputada diz que o machismo institucional ainda é muito presente no Congresso. "Relatorias importantes, de MP ou de textos importantes, pouca coisa chega para mulheres", afirma Dorinha.

"Por que não pode ter uma mulher como candidata à presidência da Câmara ou do Senado? Por que o MEC, que é um ministério com grande presença de mulheres, só teve até hoje uma ministra?", questiona.

Dorinha, que sempre mantém um tom de fala gentil, diz que o fato de "falar manso, ou não gritar, não significa que eu não queira respeito".

"Talvez muita gente não imaginava que eu ia manter a minha firmeza, a minha educação e minha disposição de conversar com todo mundo nessa questão do Fundeb. Mas eu tinha clareza de até onde eu podia ceder, o que não comprometia as principais ideias e a educação", diz ela.

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